O torcedor se animou com a vitória. Na segunda-feira, percorreu todos os programas esportivos no horário de almoço e leu análises dos portais, jornais e encartes especiais sobre o título. Correu atrás dos vídeos de bastidores, canais do YouTube e músicas engraçadinhas parodiando grandes sucessos para zoar o outro torcedor. Compartilhou memes e riu muito nos grupos de WhatsApp e no Facebook.
Depois dos bons resultados, nunca deixa de ver a preleção. Sabe que seu time teve mais raça que o rival. As orações na rodinha pré-jogo atingiram índices maiores de decibéis, para assim ter as preces atendidas pelo Senhor. Este, lá do alto, parou tudo o que estava fazendo, esqueceu a Síria, as guerras, a fome na África e o Trump por 90 minutos e fez questão de ouvi-lo e a seus jogadores. Uma vitória no jogo de domingo era mais importante.
Então, o torcedor disfarçou a lágrima no canto do olho quando viu o líder do time contando histórias, falando em causos e inflamando o ego de cada um de seus companheiros, também às lágrimas. Homem chora, sim senhor. Há uma santa no canto esquerdo da tela com uma vela acesa; um reserva de bico fechado por não se conformar com a perda da titularidade fica meio escondido; o capitão do elenco não para de falar; o dirigente eterno cochicha no ouvido do assessor de imprensa; o técnico esboça um desenho do sistema tático, que poderia ser confundido com uma lição de casa da aula de Artes da quinta série.
– Foi ali que começamos a ganhar o jogo. Olha como os caras entraram pilhados, não tinha como perder.
Virou o celular e mostrou ao outro torcedor os indícios claríssimos de que a preleção animada e cheia de testosterona foi a responsável principal pela vitória escrita nas estrelas. O outro torcedor balança a cabeça, já conformado. Cansou de ser zoado e preferiu seguir a vida. Se pudesse, cobraria pessoalmente cada um de seus jogadores sobre os motivos de não terem se inflamado mais na preleção.
Poderiam ter gritado até o rompimento das cordas vocais no Pai-Nosso, deveriam ter comprado velas de sete dias, até mesmo contratado um coaching de preleções para que o ânimo chegasse maior que o dos rivais naquele dia. Só naquele dia. Não podiam ter perdido naquele dia.
Ficou pensando nos motivos para não haver vídeos da preleção do time perdedor, o seu time perdedor. Porque ele e os outros torcedores deveriam conferir o tom de voz, as histórias ali contadas e notar a presença de dirigentes dentro do vestiário. Qual o segredo, por que não vão publicá-lo? Falta de transparência, esse time que não ganha nada há tanto tempo, bando de desalmados. Certamente não cumpriram o papel de gritar e se emocionar. Entraram em campo com a frieza de defuntos. Não estão nem aí, o salário cai no fim do mês, e olha que salário. Trouxa era o outro torcedor, que se equilibrava para pagar as faturas do cartão de crédito e fingia dores de barriga para ler mais notícias futebolísticas no banheiro da firma, desviando das piadinhas como de balas em um tiroteio.
– Desgraçados, só me fazem passar vergonha.
O outro torcedor não encontrou nenhum vídeo com a preleção do time perdedor. Nem naquela segunda-feira, nem nas outras.