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Primeira Semana de Estudos Sobre Futebol – Colégio Júlio Botelho e Escola Estadual Barão de Ramalho

Felicce Fatarelli Fazzolari 2 de novembro de 2022

Temos neste artigo a compreensão do papel da escola na cidade de São Paulo, na construção de identidades e na valorização das relações pessoais. A escola, do ponto de vista educacional, busca contribuir com a formação cultural do aluno, do professor e da comunidade escolar.

É desafiador imaginar uma sociedade justa, sem desigualdades e sem violência, no entanto, a escola precisa tratar com justiça e igualdade todos os conhecimentos necessários para a formação da criança e do adolescente, e o futebol deve deixar de ser apenas uma atividade inserida na disciplina de educação física e estar mais diretamente inter-relacionada às, ciências exatas e humanas. Falar de futebol não é “jogar conversa fora”, e muito menos “enrolação para passar o tempo”. Falar em futebol, ou melhor, de “futebóis”, é uma parte do entendimento sobre a nossa sociedade e estrutura urbana, das relações econômicas, da nossa história, cultura, memória e, claro, da violência causada pelo futebol.

A importância da educação física escolar, além de exigir a eficiência biomecânica, fisiológica do aluno (DAOLIO, 2006, p. 56), também assegura que o professor precisa empreender uma ação pedagógica intencional para a formação do seu aprendiz (DAOLIO, 2004, p. 55), e o futebol tem profundos e inegáveis aspectos antropológicos, religiosos e psicológicos, que para serem comunicados fizeram dele uma linguagem (FRANCO, 2007, p. 182), estreitando as relações humanas. Cada indivíduo pode atribuir um diferente significado à prática do futebol, o que pode ocasionar em comportamentos violentos.

Não cabe somente ao professor de educação física refletir sobre a função pedagógica do futebol[1], devido a valorizar todas as atividades e expressões culturais (DAOLIO, 2006, p. 57), no entanto, todas as disciplinas escolares valorizam o repertório cultural, o pensamento crítico e criativo, a comunicação, a ética, a responsabilidade e a cidadania. (BRASIL, 2018). O futebol é uma metáfora, uma representação, uma síntese da sociedade, de suas raízes históricas, da formação social, de seus dilemas e contradições (MURAD, 2017, p. 121) que pode servir de ajuda para a compreensão da violência na sociedade e na tentativa de diminuir tais práticas, por ser um dos maiores e mais importantes eventos da cultura coletiva. O ambiente escolar e as práticas de ensino podem ser utilizadas como proposta de educação visando a sociabilidade, a pluralidade, o respeito às diferenças, a valorização dos alunos como protagonistas e, claro, conhecimento. Murad (2018, p. 10) diz que a “escola é uma das mais relevantes instituições sociais da história da humanidade, sendo uma instituição imprescindível para a construção de uma vida social civilizatória”, no entanto, sabemos que a violência afronta diretamente o ambiente escolar, principalmente as escolas públicas. Segundo Murad (2017, p. 13), em pesquisa realizada pela ONU em 127 países, conclui que:

(…) a escola brasiliera tem o ambiente mais violento entre todos, com índices crescentes de depredação e vandalismo, bullying e agresssões diversas entre alunos/as e seus pais contra professores, direção e funcionários. (MURAD, 2017, p. 13).

Questões como a falta de regimentos escolares, o não uso do uniforme escolar, a falta de valorização do professor e da escola como instituição formadora, além do excesso de missões também são pontos a serem considerados. Nóvoa (2007, p. 6) mostra que a sociedade lançou para dentro da escola muitas tarefas, não sendo priorizada a aprendizagem dos alunos pelos docentes.

Sou mestre pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, no programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura e a minha linha de pesquisa é o Futebol Paulistano. Tenho como tema de dissertação de Mestrado o Futebol Paulistano como prática cultural: um estudo sobre a violência no futebol paulistano e a sua convergência para a rede social Instagram. Trabalho como docente na Escola Estadual Barão de Ramalho e no Colégio Júlio Botelho, ambas situadas, no bairro da Penha, zona leste de São Paulo, e estão separadas por pouco mais de 1 km de distância. As duas escolas vivem realidades distintas quanto à questão do futebol.

Felicce Fatarelli Fazzolari – Obra: Julinho Botelho – Acrílica sobre Tela. São Paulo

Enquanto o colégio Júlio Botelho mantém a memória de Julinho Botelho (1929-2003) com a exposição de troféus, quadros, mosaicos, turmas de treinamentos de futebol feminino e masculino, e o futebol como prática cultural nas aulas de Educação Física, História, Filosofia, Sociologia, Geografia, entre outras, a Escola Estadual Barão de Ramalho tem como única prática pedagógica esportiva as aulas de Educação Física, que aos poucos dialoga com a BNCC e com o Currículo Paulista.

Em ano de Copa do Mundo, faz-se necessário trabalhar, dentro de fora de aula, identidades, inclusão, conscientização e, manter a memória do futebol Brasileiro, e mundial. Com esse intuito, desenvolvi a Primeira Semana de Estudos sobre Futebol, que aconteceu nos dias 13, 14 e 15 de junho de 2022, de forma híbrida (presencial e virtual) incluindo todas as turmas das duas escolas, e teve como objetivo promover o primeiro encontro acerca do futebol dentro e fora do país. Para as apresentações dois amigos professores, foram convidados para dialogarem com os alunos.

Segundo Murad (2018) a escola deve compartilhar informações para que os alunos se conscientizem, e, além disso, deve inspirar várias atitudes e ações que envolvam o aluno e que façam com que ele se sinta seguro e acolhido. Palestras, reuniões e rodas de conversa entre alunos e professores podem ser úteis para a diminuição da violência. (MURAD, 2018, p. 63).

A Primeira Semana de Estudos sobre Futebol foi dividida em três aulas, em períodos e locais diferentes, presencialmente e via Microsoft Teams, podendo ser acessada em diversas plataformas, inclusive, por meio do celular, aparelho comum entre os alunos, pais, responsáveis, professores e gestores da escola. E como os mesmos tiveram acesso às aulas? Desde 2020, as escolas tiveram que se adaptar ao ensino online, através de ferramentas como o Google Class e os grupos de Whatsapp. Os alunos das duas escolas tem fácil acesso às duas ferramentas, no entanto, as duas escolas contam com tecnologias para o desenvolvimento de projetos educacionais. A E.E Barão de Ramalho conta com 59 notebooks, sala de informática com 15 computadores e biblioteca com lousa digital (ambas com internet à cabo), anfiteatro para 50 pessoas, internet banda larga, Tvs Smart em todas as salas de aula, além de contar com 3 professores PROATEC (Professor de Apoio a Tecnologia e Inovação). no suporte tecnológico. O Colégio Júlio Botelho também tem ótima estrutura para o desenvolvimento de aulas expositivas e projetos educacionais. Todas as 12 salas de aulas são equipadas com notebooks, projetores, telões e internet banda larga.

É importante a utilização de diferentes formas de linguagens no auxílio das ações em sala de aula e fora dela, repensando os métodos de aulas tradicionais e expositivas.

O primeiro encontro, aconteceu dia 13 de junho, às 11:50, diretamente do Colégio Júlio Botelho, com alunos do 1º ano médio,  e com a presença virtual da professora e publicitária Gabrielle Fulcherberguer, que ao logo de sua carreira trabalhou em jornais, revistas e televisão. Gabrielle é professora de graduação de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie além de aluna de doutorado na mesma instituição, no programa de Educação, Arte e História da Cultura. Em sua pesquisa, discute a relação entre duas grandes arenas: o Coliseu, em Roma, na Itália, e o Maracanã, no Rio de Janeiro, Brasil, e como a mídia imersiva pode ser um instrumento de acesso a estes monumentos, que são grandes patrimônios culturais.

O Maracanã, palco de grandes apresentações, foi o tema central da nossa primeira aula. A sua construção, o primeiro gol, o Maracanaço,  a violência sofrida por Julinho Botelho, em 1959, a chegada do Papa, o Rock’in Rio, e os grandes certames, foram maravilhosamente explanados pela professora Gabrielle Fulcherberguer.

No dia 14 de junho, às 21:30, diretamente da E.E Barão de Ramalho, aconteceu a segunda aula da Primeira Semana de Estudos sobre Futebol. Contamos com a presença (virtual) do Professor Rafael Gustavo Bim, formado em Educação Física pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), e Pós-Graduado em Futsal pela Universidade Gama Filho (UGF). Além de lecionar Educação Física no Colégio Júlio Botelho, Rafael também tem turmas de treinamentos de Futsal. De forma descontraída, e menos acadêmica,  33 alunos do ensino médio, que estavam na escola, além de alguns alunos do Colégio Júlio Botelho e amigos, também de maneira virtual, completaram o quórum para a nossa segunda aula. O tema discutido foi: INJUSTIÇADOS? ELES NÃO JOGARAM A COPA PELA SELEÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Friedenreich, Heleno de Freitas, Alex, Djalminha, Paulo Henrique Ganso, Neto, entre outros jogadores, foram mencionados em nossa aula. Alguns alunos, admirados com as estatísticas de cada jogador apresentado em aula, de forma autônoma, utilizando os seus celulares, procuravam mais informações sobre os jogadores que mais os interessavam.

Na noite fria de 15 de junho, terminamos a nossa Primeira Semana de Estudos Sobre Futebol com uma calorosa apresentação com o seguinte tema: ELES NÃO VENCERAM A COPA DO MUNDO. Roger Milla, Zlatan Ibrahimovic, Zico, Sócrates, Roberto Baggio, entre outros, foram mencionados durante a aula. Mesmo fora de seu horário de estudos, diversos alunos participaram da aula de encerramento, além de Adriana Bressan, Coordenadora Pedagógica do Colégio Júlio Botelho. Infelizmente, nenhum membro da equipe gestora e do corpo docente da E.E Barão de Ramalho, participou da semana de estudos.

Por fim, todos os participantes da Primeira Semana de Estudos sobre Futebol, receberam certificados e já estão preparados para a 2ª Semana de Estudos Sobre Futebol, que acontecerá em novembro de 2022.

Muito obrigado ao Ludopédio, pela equipe íntegra e dedicada. Agradeço a todos por desempenharem um trabalho de sucesso, equipe gestora, coordenação pedagógica e alunos do Colégio Júlio Botelho E.E Barão de Ramalho, pela autonomia que me foi outorgada para a execução da Primeira Semana de Estudos Sobre Futebol, e claro, a ela, a bola.

Notas

[1] A educação física escolar educa o indivíduo por completo. Por isso ele não educa o físico, educa o movimento que o corpo realiza. […] Através dela o indivíduo pode se tornar capaz de pensar, sentir e realizar os movimentos. Pode ser capaz de criar meios para satisfazer-se de maneiras prazerosas em seus momentos de lazer. Por isso também a educação física é educação. (BRANDÃO apud JERONIMO, 1998, p. 4).

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

DAOLIO, Jocimar (org). Futebol, Cultura e Sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005). Editora Unicamp. Campinas, SP.

DAOLIO, Jocimar. Educação Física e o Conceito de Cultura, Campinas, S. Paulo, Editora: Autores Associados. 2006, Editora Unicamp. Campinas, SP.

FRANCO, Hilário Junior. A dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

JERÔNIMO, Alexandre. O Handebol nas escolas: praticado ou ensinado. 1998. 25 f. trabalho Monográfico (Graduação em Ed. Física) Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1998. 25 f. trabalho Monográfico (Graduação em Ed. Física) Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1998.

MURAD, Mauricio. A Violência e o Futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007.

MURAD, Maurício. A violência no futebol: novas pesquisas, novas ideias, novas propostas. Maurício Murad. 2.ed. – São Paulo: Benvirá, 2017

MURAD, Maurício. Escolas, violências e educação física / organização Maurício Murad, Roberto Ferreira dos Santos, Carlos Alberto Figueiredo da Silva. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Jaguatirica, 2018.

NÓVOA, António. Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo. Sinpro SP. 2007

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Felicce Fatarelli Fazzolari

Graduado em História pela Universidade Guarulhos (2003), Graduado em Filosofia pela Universidade Camilo Castelo Branco (2007), Graduado em Pedagogia pela FALC (Faculdade Aldeia de Carapicuíba), Especialista em Sociologia pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores do Estado de São Paulo Paulo Renato Costa Souza (2012), e Mestre pela Univesidade Presbiteriana Mackenzie no Centro de Educação, Filosofia e Teologia, no Programa de Educação, Arte e História da Cultura, com o tema: O FUTEBOL PAULISTANO COMO PRÁTICA CULTURAL: Um estudo sobre a violência no futebol paulistano e a sua convergência para a rede social Instagram. Sou Professor de História, Filosofia, Sociologia, disciplinas Eletivas, Tecnológicas e Projeto de Vida, para os ensinos Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede pública e particular de São Paulo. Tive experiência como Professor-Coordenador do Ensino Fundamental e Médio da Rede Estadual de São Paulo. Pai do Giuseppe, esposo da Patricia e amante de futebol e Rock'n roll.

Como citar

FAZZOLARI, Felicce Fatarelli. Primeira Semana de Estudos Sobre Futebol – Colégio Júlio Botelho e Escola Estadual Barão de Ramalho. Ludopédio, São Paulo, v. 161, n. 2, 2022.
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