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1980, 1990, 2000, 2010: Quatro décadas de finais

William Gomes 19 de novembro de 2017

A vida, é feita de momentos, de altos e de baixos. A felicidade pela aprovação no vestibular de uma universidade federal no verão, pode fazer contraponto a perda de um ente querido na próxima estação. Conseguir a vaga desejada por muitos naquela empresa em que todos querem trabalhar, mas não poder ficar com o cargo pois os horários batem com os das cadeiras finais do seu curso. A compra do primeiro carro zero quilômetros, o carro que você vai dar banho religiosamente todos os sábados para passear pelo bairro com sua família, e que na segunda-feira leva uma batida na traseira (e o cara que bateu não tem seguro).

Assim como na vida, o futebol também é esta montanha-russa, de lenta ascensão e rápido declive. Podemos tomar como exemplo de um ano desastroso o 2016 do Internacional1, que viu alguns de seus torcedores em maio comemorarem o hexacampeonato estadual e em dezembro cometerem barbáries em seu próprio estádio, descontando a frustração pelo inédito rebaixamento de seu time do coração. Em um cenário menos catastrófico, porém não menos decepcionante, temos o Grêmio2 de 2008, que nem chegou às finais do campeonato estadual, foi eliminado na Copa do Brasil por um time que não figurava nem na Série B do Campeonato Brasileiro (Atlético-Goianiense3) e, para finalizar perdeu o Campeonato Brasileiro nas últimas rodadas após liderar boa parte do campeonato. E como se toda desgraça não fosse pouca, aumentam os rumores de que o craque do time vai ser vendido a preço de banana para um time de média expressão da Europa (e este exemplo se aplica a praticamente todos clubes brasileiros). Alguns anos são de sofrimento…

Mas claro que nem só de eliminações, brigas contra o rebaixamento, crises financeiras e campanhas pífias se faz a história de um clube. Depois da tempestade vem a calmaria, a bonança, vêm os títulos, a glória. É a hora de soltar o grito de “é campeão”, entalado durante os tempos de vacas magras. A direção começa definindo o que pode ser aproveitado do ano anterior, deixa a espinha dorsal do time, além disso anuncia nomes de contratação que dão esperança da equipe chegar a algum lugar neste ano. O time se firma no início do estadual, talvez não conquiste o regional mas servirá de treino para as competições que estão por vir no ano. O início do Brasileirão pode não ser dos melhores, mas o time cresce na hora certa, a regularidade se efetiva no campeonato, pode-se até não chegar a lugar nenhum, mas ver seu maior rival rebaixado compensa tudo isso. E o grande momento ainda está por vir, o clímax do ano, vem na conquista da Copa do Brasil, o penta campeonato (para alguns). Finalmente é hora de ir para as ruas comemorar, se juntar a massa de torcedores uniformizados igual a você e soltar o grito de “é campeão”.

Anos bons e anos ruins, é evidente que nem sempre irá se navegar em um mar de rosas, sob aguas calmas. Haverá momentos de enfrentar tempestades, a barca vai balançar, alguns podem despencar do convés (geralmente treinadores), mas não se deve deixar o barco naufragar. O interessante, logicamente, é sempre navegar sobre aguas tranquilas, desfrutar de temporadas que deve ser típicas, serem perpetuadas nos anos subsequentes. Os anos ruins devem ser atípicos, o menos rotineiro possível. Chegar em finais, brigar por títulos, é o cenário ideal. Agora imaginem um time que chega a finais de competições de grande relevância em quatro décadas seguidas, desde o século passado, não só chegando em finais, mas também conquistando estes títulos. Este existe, tem nome, marca e endereço. É o Grêmio.

Gremio x Barcelona RS - FUTEBOL/CONMEBOL LIBERTADORES BRIDGESTONE 2017 /GREMIO X BARCELONA - ESPORTES -  Gremio e Barcelona disputada na noite desta quarta-feira, na Arena, valida pela semifinal da Conmebol Libertadores Bridgestone 2017. Jogadores e técnico Renato Gaúcho comemoram a classificação para a final. FOTO: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
Grêmio se classificou para a final da Copa Libertadores de 2017. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

O tricolor gaúcho é acostumado a fazer finais, principalmente quando a competição começa com o termo Copa. Primeiro vamos falar da Copa nacional, a Copa do Brasil. Hoje, o Grêmio divide com o Cruzeiro4 o posto de clube com mais conquistas desta competição, o Tricolor e a Raposa são pentacampeões, conquistando o penta nas duas últimas edições 2016 e 2017, respectivamente. Porém, nem o Cruzeiro, nem outro clube no Brasil fizeram tantas finais desta competição quanto o Grêmio: foram oito finais em vinte e nove possíveis. O clube gaúcho é também o único a fazer finais e conquistar a Copa do Brasil nas últimas quatro décadas: 1980, 1990, 2000 e 2010. Ainda em cinco ocasiões o time clube chegou a pelo menos a fase semifinal da competição. Para completar, o primeiro título, em 1989 contra o Sport5, e o segundo, em 1994 contra o Ceará6, foram conquistados de forma invicta, e os dois seguintes vieram em cima das duas maiores torcidas (em números de torcedores) do Brasil, Flamengo7 e Corinthians8, e o quinto e último em cima da apaixonada torcida do Atlético Mineiro8.  É importante salientar que em três das finais o Grêmio não chegava como grande candidato/favorito ao título, mas também não era a zebra da competição, mas esta sensação de vencer o favorito inflama o orgulho do gremista em relação a estas conquistas.

A vencedora história do Grêmio na Copa do Brasil começa de forma arrebatadora em 1989, logo na primeira edição da competição. Da primeira fase até os jogos finais, o tricolor gaúcho não havia perdido e muito menos empatado nenhum jogo. A campanha foi de 9 vitórias e 1 empate (0x0 no primeiro jogo da final). O primeiro caneco foi levantado no Olímpico9 após vitória por 2×1 contra o Sport.

Em 1994 o Grêmio repetiu a receita de 1989: nenhuma derrota e título sobre um clube do nordeste no Olímpico lotado. Aí começava de fato o domínio gremista na competição.

No terceiro título, em 1997, obtivemos a conquista mais complicada. O Flamengo de Romário10 e Luxemburgo11 fez jogo duro, mas após um 0x0 no Olímpico e um 2×2 no Maracanã12, o tricolor se sagrou tricampeão da Copa do Brasil. O tetracampeonato veio em novo embate com Luxemburgo, desta vez no comando do Corinthians. No primeiro jogo após sair perdendo o Grêmio buscou um heroico empate em 2×2. Já no segundo jogo o Grêmio passeou no Morumbi13, 3×1 e o técnico Tite14 conquistava seu primeiro título nacional. O penta veio recentemente, após um jejum de 15 anos sem a conquista de um título de expressão. O Grêmio, mesmo tetracampeão, não era o favorito, mas mesmo assim dominou o Atlético Mineiro nos dois jogos e conquistou em dezembro de 2016 o primeiro título da Arena15.

Claro, também tivemos nossas intempéries nesse torneio. Em 1992, além de ser eliminado pelo maior rival, ainda viu este conquistar o seu único título desta competição. Em 2000, foi eliminado de maneira precoce pela, hoje quase extinta, Portuguesa16, assim como em 2000 não chegou nem as fases finais, sendo eliminado antes das oitavas de finais pelo Atlético Goianiense. Mas é notório que os anos de glórias do tricolor nesta competição são em muitíssima maior quantidade do que aqueles anos de vacas magras.

No Rio Grande do Sul, a torcida gremista reforça este pertencimento do clube com a competição, por ser o primeiro campeão, pelas campanhas, principalmente, do tetra e do penta, por ter construído ao longo das décadas boas uma relação de identificação do time com a Copa do Brasil (para os gremistas mais “doentes”, Copa do Grêmio), é como se todo ano o torcedor soubesse que o clube vai longe nessa competição, o que, de fato, vem se efetivando nos últimos tempos. Além disso, a Copa do Brasil é uma arma para zombar o maior rival dada a desproporção das conquistas dos dois nesta competição. A direção do clube também usa este sentimento para promover o clube no cenário regional e nacional, como a auto intitulação de ‘O Rei de Copas’, campanha abraçada e propagada pela torcida gremista. O fato é que o Grêmio se mostra confortável atuando em partidas da Copa do Brasil, a perna não treme, o time se impõe, a camisa azul preto e branca tem o peso de cinco troféus empilhados.

Gremio x Barcelona RS - FUTEBOL/CONMEBOL LIBERTADORES BRIDGESTONE 2017 /GREMIO X BARCELONA - ESPORTES -  Gremio e Barcelona disputada na noite desta quarta-feira, na Arena, valida pela semifinal da Conmebol Libertadores Bridgestone 2017. Jogadores e técnico Renato Gaúcho comemoram a classificação para a final. FOTO: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
Jogadores do Grêmio comemoram a classificação para a final da Copa Libertadores da América de 2017. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

Mas não só de títulos e finais de Copas do Brasil é feita a história do Grêmio, o clube detém também em outra Copa o mesmo fato inédito entre clubes brasileiros de chegar em finais nas últimas quatro décadas. Na Copa Libertadores da América, assim como na Copa do Brasil, o tricolor chegou à final na década de 80, 90, 00 e 10, vencendo em duas ocasiões, 1983 e 1995, e ainda tendo uma final a disputar, 2017.

O primeiro título da Copa Libertadores, em 1983, para muitos torcedores é a principal conquista da história do clube, muito mais importante que o mundial conquistado no final daquele ano. O Grêmio foi o primeiro clube do Rio Grande do Sul a conquistar a América, pintando o continente de azul preto e branco pela primeira vez. O time de 1983 entrou para história do Grêmio. O clube havia sido Campeão Brasileiro em 1981 e vice em 1982, ganhando o direito de disputar a Libertadores do ano seguinte. Na primeira fase, o Grêmio caiu no grupo 2 com o temido Flamengo de Zico17, junto dos bolivianos Blooming18 e Bolívar19. O tricolor foi imbatível: seis jogos, cinco vitórias e um empate, primeiro lugar do grupo, o que significou a eliminação do Flamengo, já que naquela época passava apenas o melhor colocado de cada grupo. No triangular da fase semifinal, o Grêmio passou como líder do grupo 1, eliminando América de Cali20 e Estudiantes21, e fez a final com o vencedor do grupo 2, o poderoso Peñarol22, que na época já era tetracampeão da competição. Após um empate em 1×1 no Uruguai, o estádio Olímpico foi palco da grande final onde quase setenta e cinco mil torcedores presenciaram a vitória tricolor por 2×1, conquistando a Copa Libertadores pela primeira vez.

Como campeão da competição continental em 1983, o Grêmio entraria já na fase seminal na Libertadores de 1984. Agora na fase semifinal o Grêmio voltaria a encontrar o Flamengo dentro do grupo, fechando o grupo o Universidad de Los Andes23. O Grêmio fechou esta fase em primeiro lugar no grupo, classificando-se para a final contra o primeiro colocado do grupo 1, o Independiente24, hoje maior detentor de títulos da Libertadores (7). Desta vez o clube não teria o final feliz que teve um ano antes, derrota em Porto Alegre, 0x1, numa saída de bola infeliz da equipe tricolor os argentinos roubam a bola e fazem o gol do título. Na Argentina, 0x0, em Avellaneda o Independiente sagra-se heptacampeão da Libertadores da América.

Os anos 1990 não começaram bem para os gaúchos. Apesar de terminar a década de 1980 como campeão da Copa do Brasil, o tricolor amargou no início dos anos 1990 a sua primeira passagem pela Série B (1992). Esta fase de vacas magras fortaleceu o clube, que voltou a elite do futebol em 1993 e teve um encerramento de século muito diferente do início da década, conquistando Copas do Brasil, Campeonato Brasileiro e Copa Libertadores. O título invicto da Copa do Brasil de 1994 deu ao clube a vaga na Libertadores de 1995, a última vez (até o presente momento) em que o tricolor conquistou a América.

A trajetória desse segundo título começou com o time comandado por Luiz Felipe Scolari acabando a fase de grupos em segundo colocado, atrás apenas da Seleção do Palmeiras25. Na fase de oitavas de finais enfrentou o Olímpia26 obtendo duas vitórias tranquilas, com o placar agregado de 5×0. Já na fase de quartas de finais, em um dos embates mais emblemáticos entre brasileiros na competição continental, o Grêmio amassou o Palmeiras no Estádio Olímpico por 5×0. O que parecia uma classificação já garantida pelo placar do primeiro jogo, parecia se efetivar com o gol de Jardel27 logo no início do confronto de volta, no Parque Antártica28. Porém, antes dos quarenta minutos do segundo tempo o time alviverde vencia por 5×1, placar final do jogo. Classificação sofrida! Nas semifinais o Grêmio passou pelo Emelec29 e, nas finais, o título veio com uma vitória e um empate contra o Atlético Nacional30, hoje atual campeão da Libertadores (2016). O Grêmio mais uma vez foi pioneiro, sendo o primeiro clube do Estado do Rio Grande do Sul a conquistar por duas vezes a América.

Após dois títulos em duas décadas diferente, o Grêmio teve na primeira década do século XX a chance de conquistar pela terceira vez o continente. Com um time formado sem grandes estrelas mas com muita vontade de vencer e de superar suas limitações, o tricolor chegava a mais final de Libertadores. Pelo caminho ficaram o poderoso São Paulo31 de Muricy Ramalho e Rogério Ceni32 e o Santos33 do infindável Zé Roberto34 e Luxemburgo. A final seria contra um time mais poderoso ainda, o Boca Juniors35 recheado de jogadores selecionáveis de seu país, como Banega36, Palácio37, Palermo38 e Riquelme39, este último autor de 3 gols dos 5×0 do placar agregado.

Por fim, na década atual o Grêmio tem a chance de conquistar o inédito tricampeonato da América. Mais uma vez o Grêmio não entrou na competição como um dos grandes favoritos à conquista do título. Times com grandes investimentos financeiros e com grandes jogadores já ficaram pelo caminho. Com pés no chão, contratações pontuais, destaques das categorias de base, inteligência financeira, e um técnico que, para muitos, é mais motivador do que técnico, o Grêmio chega para disputar mais uma final da Libertadores contra um time argentino, desta vez o Lanús40, que busca o título inédito. O que escrevi em meu texto41 para esta sessão no primeiro semestre acabou se confirmando, pelo menos para mim, este é sim o melhor Grêmio dos últimos tempos. Não afirmei, nem quis alimentar falsas esperanças sobre a conquista de um título, mas afirmei que este time iria chegar, e chegou. Saiu da Copa do Brasil nas semifinais, perdendo para o Cruzeiro nos pênaltis e almeja o vice-campeonato do campeonato nacional mesmo jogando boa parte do Campeonato Brasileiro com time reserva ou misto. Enfim, o Grêmio chegou a mais uma final, e que está tenha o mesmo final que 1983, 1989, 1994, 1995, 1997, 2001, 2016. O melhor Grêmio dos últimos tempos merece isso, a torcida que debutou sem títulos merece isso, o presidente Romildo Bolzan Jr que mudou o patamar do Grêmio merece isso, o técnico Renato42 que todos dizem que não é técnico merece isso. Como dizem por ai: preparem-se, nós vamos acabar com o planeta!

23/08/2017- RS - FUTEBOL/COPADO BRASIL 2017: GREMIO X CRUZEIRO - ESPORTES - Lance da partida entre Cruzeiro e Gremio disputada na noite desta quarta-feira, no Estadio Mineirao em Belo Horizonte, valida pelo jogo de volta da semifinal da Copa do Brasil 2017.  FOTO: LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
O técnico Renato Portalupi. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

1 Sport Clube Internacional

2 Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense

3 Atlético Clube Goianiense

4 Cruzeiro Esporte Clube

5 Sport Clube do Recife

6 Ceará Sporting Club

7 Clube de Regatas do Flamengo

8 Sport Club Corinthians Paulista

8 Clube Atlético Mineiro

9 Estádio Olímpico Monumental

10 Romário de Souza Faria

11 Vanderlei Luxemburgo da Silva

12 Estádio Jornalista Mário Filho

13 Estádio Cicero Pompeu de Toledo

14 Adenor Leonardo Bacchi

15 Arena do Grêmio

16 Associação Portuguesa de Desportos

17 Arthur Antunes Coimbra

18 Club Social, Cultural y Deportivo Blooming

19 Club Bolívar

20 Corporación Deportiva América

21 Clube Estudiantes de La Plata

22 Club Atlético Peñarol

23 Universidad de Los Andes Fútebol Club

24 Club Atlético Independiente

25 Sociedade Esportiva Palmeiras

26 Club Olímpia

27 Mário Jardel Almeida Ribeiro

28 Estádio Palestra Itália

29 Club Sport Emelec

30 Clube Atlético Nacional

31 São Paulo Futebol Clube

32 Rogério Mucke Ceni

33 Santos Futebol Clube

34 José Roberto da Silva Júnior

35 Clube Atlético Boca Juniors

36 Evér Maximiliano Daivd Banega

37 Rodrigo Sebastián Palácio

38 Martín Palermo

39 Juan Román Riquelme

40 Club Atlético Lanús

41 http://www.ludopedio.org.br/arquibancada/o-melhor-gremio-dos-ultimos-anos/

42 Renato Portaluppi

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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William Gomes

Estudante de Educação Física da UFRGS

Como citar

GOMES, William. 1980, 1990, 2000, 2010: Quatro décadas de finais. Ludopédio, São Paulo, v. 101, n. 19, 2017.
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