23.5

Racismo: punição ou ação

Hugo Lovisolo 17 de maio de 2011

Domingo nublado. Dia excelente para ler o jornal com calma, atualizar leituras e sentir o sabor da preguiça. O Globo remete na primeira página para a matéria “A família ferida exige reação”, no Caderno de Esportes, diante da permanência dos preconceitos racistas, avivada pela casca de banana no jogo da Brasil contra Escócia. A matéria não atenta para as contradições entre os atos racistas e a idolatria a jogadores negros.

Imagem disponível no Blog Comunicação, Esporte e Cultura.

Como é possível que, em um mundo racista, os negros se tornem heróis do futebol? A resposta é simples: se tornam ídolos quando são muito bons, quando entram em níveis de excelência muito difíceis de serem alcançados. Neste sentido, a excelência é uma arma contra o racismo, pois o coloca contra as cordas com evidências partilhadas. Os negros já demonstraram  amplamente sua excelência.

Como é possível a manifestação racista, então? O racista ideológico sempre pode usar o caso de excelência como exceção. Um presidente operário cujo desempenho foi avaliado como muito positivo é uma exceção. Um presidente negro dos Estados Unidos é uma exceção. Uma mulher presidenta com alto desempenho é uma exceção. Contudo, a manutenção da discriminação, racista ou de qualquer outra natureza, mediante o recurso à excepcionalidade, acaba se desgastando e perde força. Apesar de seus rebentos esporádicos o racismo e a descriminação estão recuando diante da legislação punitiva, que é ampla, mas, creio que, sobretudo, diante dos exemplos. Recentemente um vizinho, conversando na pracinha do bairro, me dizia em tom reflexivo que jamais podia ter imaginado ter uma nora negra e netos “café com leite” e sentir amor com eles e prazer por estar com eles. Antes, me disse, teria pensado em matar o filho. Enquanto conversava cuidava dos netinhos que brincavam no parquinho. Lamento que tempo depois tenha mudado acompanhando o filho, a nora e os netinhos para outro estado. O mesmo podemos constatar em muitos pais de filhos ou filhas homossexuais. Os jornais deveriam fazer mais matérias com exemplos como o relatado.

Como é possível a manifestação racista, então? Outro caso interessante é quando o estigma, seja qual for, é utilizado no meio de um conflito. O negro, o homossexual, o judeu podem ser usados como bodes expiatórios ou os preconceitos serem revividos para atacar outro grupo. Por exemplo, podemos imaginar manifestações nos anos vinte contra os negros do Vasco que, no fundo, eram contra os portugueses. Oracy Nogueira, em Preconceito de Marca, já apontava tanto este mecanismo como o contrario, o branqueamento do negro para justificar o relacionamento. Anos atrás, em um grupo de dança afro, me diziam que “esse louro era excelente porque tinha alma negra”.

O artigo de O Globo carrega nas tintas para as demandas de punição. Imediatamente reconhece que não são tão aplicadas como deveriam. A ideia de mais punição deveria, se queremos modificar o racismo, ser substituída pela ideia de ação. Suponhamos que no jogo contra a Escócia cai a casca de banana em campo, e o técnico e os jogadores decidem sair de campo deixando que a FIFA julgue o resultado. Mais ainda, o caso pode ir à justiça inglesa ou, talvez, até internacional. Estariam dizendo: assim não jogamos, não temos porque jogar se formos agredidos. Isto é um jogo, é esporte e não uma guerra.

Deixo ao leitor imaginar a repercussão do fato. Creio que os torcedores passariam a cuidar das manifestações racistas. E isto me parece em qualquer sentido superior à punição da FIFA ou dos clubes. Em outras palavras, já usamos a tecla da punição, estamos na hora de usar o amplo diapasão da ação criativa.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

LOVISOLO, Hugo. Racismo: punição ou ação. Ludopédio, São Paulo, v. 23, n. 5, 2011.
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