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Real Madrid e Barcelona: uma rivalidade vista por meio de seus museus

Giovana Capucim e Silva 19 de abril de 2011

A proposta desse texto é refletir acerca dos fatores formadores da identidade dos dois principais clubes de futebol da Espanha apresentadas em seus respectivos museus. Estes são pensados aqui como espaços de construção de memória e identidade, visitados diariamente por milhares de pessoas vindas de todas as partes do mundo. Real Madrid e Barcelona buscam transmitir uma impressão para esses visitantes que será levada para os seus locais de origem. O objetivo desse texto é analisar as bases daquilo que esses clubes buscam construir como sua memória através das “imagens” que estes clubes tentam marcar nas visitas aos espaços do museu e do estádio, respectivamente chamadas de “Tour Bernabéu” e “Camp Nou Experience”.

Foto: Giovana Capucim e Silva

Ambos são clubes de maior grandeza no cenário do futebol mundial e procuram valorizar isto utilizando os mais diversos recursos: visita ao campo, aos vestiários, espaço da comissão técnica, locais de recuperação dos atletas, sala de imprensa, camarotes e todos os espaços que demonstrarem a grandeza e imponência do clube. Há também nos dois percursos a oportunidade de simulação de uma foto do visitante ao lado de um ídolo do clube, através do recurso do “fundo verde”. Ao entrar na área dos museus dos clubes, cerca de metade deles (mais da metade no caso do clube madrileno) é dedicado aos troféus, novamente com o objetivo de conclamar-se como clube vitorioso. Outra semelhança observada entre os museus foi a exposição de alguns dos trabalhos prestados pelos clubes no combate à fome em regiões africanas.

Evidentemente, os clubes em seus museus fazem um resgate de sua fundação, das primeiras vitórias e dos grandes jogadores da sua história. No caso do clube madrileno, podemos observar o início de um discurso diferenciado, pode-se dizer, a semente de um fator identitário: a carta de D. Afonso II, fã do esporte e do clube para o qual ele cedeu o título de Real.

Carta do Rei Alfonso XIII. Foto: Giovana Capucim e Silva.

A partir desse ponto, pode-se observar uma grande identificação do clube com a monarquia espanhola e, principalmente, com o Estado centralizado espanhol que se valoriza por diversas vezes ao longo da visita. São muitas as referências ao longo do Tour à bandeira, aos jogadores e à nacionalidade espanhola. A única parte que destoa é um painel no final da visita intitulado “o Real Madrid no mundo” com diversos jogadores e suas respectivas nacionalidades. É até desnecessário dizer, dado essa linha de apresentação, as diversas referências ao título mundial conquistado pela Espanha no ano 2010, colocando em evidência os jogadores do clube.

Estádio do Barcelona. Foto: Giovana Capucim e Silva.

No caso do Barcelona, no caminho do visitante até o museu há diversos cartazes com os dizeres “Mais que um clube: universalidade, solidariedade, catalaneidade e democracia”. Disso já se pode imaginar o que se encontra pela visita: a afirmação desses valores, uns de forma mais evidente, outros com mais sutileza. Além do resgate da fundação, grandes jogadores e títulos, no museu do Barcelona é constante a referência à palavra democracia, assim como, às cores da bandeira catalã. Ao contrário do Real Madrid, no caso do clube catalão, a única referência ao Estado centralizado espanhol e ao título mundial conquistado na última Copa do Mundo é uma fotografia dos jogadores Xavi Hernández e Puyol, este último capitão do clube e da seleção espanhola. Eles se apresentam com a camisa do escrete nacional, portando em suas mãos a bandeira da Catalunha, como uma clara maneira de afirmar a importância superior da identidade catalã antes da espanhola.

Xavi Hernández e Puyol, com a camisa da seleção espanhola, seguram a bandeira da Catalunha. Foto: Giovana Capucim e Silva.

Uma diferença entre as formas de construção de memória do clube catalão para com o madrileno diz respeito a um período crucial na história espanhola: a Guerra Civil. No museu do Barcelona há referências a ela e às consequências trazidas ao clube. Exatamente em frente a esse painel, encontra-se outro, dedicado exclusivamente ao histórico democrático para a eleição dos presidentes do clube, juntamente, a um breve texto em que se afirma a democracia com um dos ideais base da fundação do clube. Além disso, neste mesmo painel, destaca-se o “golpe” sofrido com a intervenção direta do governo franquista na direção do clube, quando se formou uma comissão para dirigi-lo e, então, rompeu-se com a história democrática da qual tanto se orgulha o clube.

No caso do Real Madrid, por sua vez, não há qualquer referência à guerra civil espanhola. Isto se torna mais surpreendente quando lembramos que Santiago Bernabéu, ex-jogador (1912-1927), presidente (1943-1978) e cujo nome batiza o estádio do clube, foi soldado das tropas franquistas. Além disso, neste período, o futebol profissional foi paralisado no país, o que atribui ao conflito relevância inegável para o esporte.

Estádio do Real Madrid. Foto: Giovana Capucim e Silva.

Tendo em vista as rivalidades político-futebolísticas cultivadas pelos clubes ao longo do século XX, não se torna tão arriscado afirmar que a constante afirmação da democracia pelo clube catalão dá-se como uma crítica ao fato de seu rival da capital ter apoiado uma ditadura. Ademais, a constante afirmação da nacionalidade espanhola feita pelo Real Madrid em seu museu, como vimos, em oposição à afirmação da catalaneidade como identidade soberana presente no discurso do Barcelona, exposto em seu museu, constitui um elemento de suma importância no fomento da rivalidade no futebol, assim como, na mesma extra-campo. Importante destacar que estas identidades, futebolísticas, políticas e sociais extravasam o âmbito nacional, já que são clubes capazes de angariar torcedores por todas as partes do globo.

As experiências de visita a esses estádios são construídas de maneira que todo torcedor, independentemente de sua nacionalidade possua um mínimo de identificação com aquelas as ideias apresentadas na visita: no caso do Barcelona, a universalidade, a solidariedade, a catalaneidade e a democracia, já no caso do clube madrileno, o orgulho de ser Real e a afirmação da soberania nacional espanhola. Assim, em meio a tantas disputas políticas pelo mundo que envolvem a disputa pela identidade nacional, esta entre o ser espanhol ou catalão, entre o nacional e o regional, adquire um sentido e ressonância internacional das mais relevantes.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Giovana Capucim e Silva

Mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP) e é integrante do GIEF (Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol) e do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas-USP).

Como citar

SILVA, Giovana Capucim e. Real Madrid e Barcelona: uma rivalidade vista por meio de seus museus. Ludopédio, São Paulo, v. 22, n. 6, 2011.
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