Para Gonzalo Pérez

Nunca acompanhei com afinco o futebol jogado regularmente no Uruguai, país vizinho em que o esporte tem um peso enorme, e cuja capital, a bela e acolhedora Montevidéu, deve ser a cidade do mundo com mais equipes de primeira divisão. Mas, sim, sempre admirei os times e os jogadores de lá, a começar pelos são-paulinos Pedro Rocha e Pablo Forlán, que em minha infância dos anos 1970 figuravam em um dos times de futebol de botão (de plástico e com decalques com as esfinges dos jogadores) que eu tinha.

Mundialito 81
Cartaz de publicidade do Mundialito. Fonte: Reprodução Futbox

Minhas recordações mais ou menos daqueles tempos trazem o Mundialito 80 jogado no país em janeiro, evento que reuniu os campeões mundiais de até então, com exceção da Inglaterra, que não quis tomar parte, para comemorar os cinquenta anos de realização da primeira Copa. Holanda, que foi substituta, Itália, Argentina e Alemanha ficaram para trás, com os anfitriões vencendo os brasileiros na final. Rubén Paz, que atuaria com grande destaque pelo Colorado, foi o melhor jogador do torneio. Entre outros, despontava na Celeste Olímpica o atacante Fernando Morena, do Club Atlético Peñarol, que em 1982 venceria a Copa Libertadores da América. Junto com ele estava o meia avançado Jair Gonçalves, o Príncipe Jajá, que viera do Inter, eles que seriam também, no mesmo ano, campeões da Copa Intercontinental contra o Aston Villa, da Inglaterra. O brasileiro, aliás, foi o melhor jogador da final em Tóquio.

Mundialito 81
O arqueiro e capitão da seleção do Uruguai, Rodolfo Rodríguez, a erguer a taça do Mundialito. Fonte: Wikipédia

Houve também a Libertadores de 1980, vencida pelo Club Nacional de Football – time do amigo Gonzalo Pérez –derrubando nas finais o Internacional de Falcão (e Jair). Naquele Nacional atuava Hugo De León, que ainda seria campeão das mesmas Copas Libertadores e Intercontinental pelo Grêmio (e novamente pelo time uruguaio em 1988), mesma equipe em que se destacara seu compatriota Atílio Ancheta. Eram ótimos zagueiros, importantes para a seleção uruguaia, o primeiro foi líder da equipe campeão do Mundialito, o segundo um dos destaques do excelente time que perdeu para o Brasil em 1970, nas quartas-de-final do Mundial do México. Aliás, o arqueiro em Guadalajara era Ladislao Mazurkiewicz, que seguraria a meta do Galo Mineiro entre 1972 e 1974. Foi ele a vítima do drible de Pelé e do quase-gol, jogada que contou também com o citado Ancheta, que fez a cobertura do goleiro debaixo da trave, atrapalhando o chute do Rei. Entre os suplentes da Celeste naquela partida que para alguns foi a vingança do Maracanazzo, em 1950, estava Walter Corpo, guarda-metas gremista no épico título gaúcho de 1977.

Todos esses uruguaios ajudaram a forjar a ideia de que os beques do Sul eram xerifes da grande área (como se os brasileiros fossem lordes no tratamento dos atacantes adversários), assim como os goleiros (somando-se aos argentinos) seriam superiores aos nossos, mesmo tendo o Nacional importado o lendário Manga para defender sua meta entre 1969 e 1974, com direito a vários títulos, entre eles uma Libertadores e uma Copa Intercontinental em 1971. A propósito, foi também um arqueiro uruguaio um dos principais personagens da conquista do campeonato catarinense de 1988, pelo Avaí Futebol Clube, pondo fim ao jejum de títulos que durava mais de uma década. Se o grande jogador era o camisa 10 Adílson Heleno, o hoje treinador Jorge Fossati garantia as coisas lá atrás, e com ele estavam dois patrícios, na lateral-esquerda, J.J. (Juan Jacinto) Rodríguez e no banco, como auxiliar-técnico, nada menos que Atílio Ancheta.

São boas as lembranças da infância, do futebol, do Uruguai, primeiro país que visitei na vida, quando ainda mal falava minha própria língua.

De uns anos para cá passei a acompanhar um pouco mais o futebol jogado no Uruguai, tanto porque os amigos de lá são aficionados pelos clubes, quanto porque há um bom tempo me interessei pela figura do treinador Béla Guttmann, bicampeão europeu pelo Benfica, vencedor do Paulista de 1957, pelo São Paulo, com passagens gloriosas pelo Peñarol. No início de 2006 auxiliei Detlev Claussen buscando fontes brasileiras para o livro que vinha escrevendo sobre o grande estrategista húngaro, obra que traduzi ao Português, junto com Daniel Martineschenem,2014. Em busca de mais documentos para aprofundar a pesquisa sobre a presença de Guttmann na América do Sul (ele trabalhou também na Argentina), aproveitei uma de minhas visitas a Montevidéu, suponho que em 2010, para, com o pesquisador argentino Eduardo Galak, visitar o Arquivo Nacional Uruguaio e também o Memorial do Peñarol. Lá, entre taças e camisetas históricas, pudemos cumprimentar o ídolo Fernando Morena, funcionário do clube. A pesquisa foi há pouco retomada, ainda com Eduardo e contando com o reforço de Danielle Torri.

Peñarol
A torcida do Peñarol e o maior bandeirão do mundo. Foto: Wikipédia

Em outra ocasião, visitei o mítico Estádio Centenário para assistir a uma partida da Copa Libertadores da América quando o Peñarol recebeu o Godoy Cruz da Argentina, em jogo que ambos apenas cumpriam tabela. Não faz mal. Estar na torcida auri-negra junto com Cléber Rodríguez, torcedor empenhado que gentilmente fizera o convite, e com os amigos Raumar Rodríguez e Nicolás Viñez, en la cancha em que aconteceu a primeira Copa do Mundo, foi uma experiência singular e inesquecível.

Estadio Centenario
Estadio Centenario, onde o Peñarol mandava os seus jogos. Foto: Wikipédia

Futebol uruguaio: do excelente Rodolfo Rodríguez, cuja posição política não admiro, goleiro campeão pelo Santos; do meia Enzo Francescoli, ídolo de Zinedine Zidane; de Luis Suarez, Edinson Cavani, Diego Godín; do sangue-frio Loco Abreu. Futebol em que hoje desponta o Villa Española, cuja presença na primeira divisão não inibe, antes pelo contrário, o destemor político e o compromisso social. Grande Uruguai, admirável dentro como fora das quatro linhas do campo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Recordações do futebol uruguaio. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 27, 2021.
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