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Relato de viagem: Benfica e Arsenal no “Inferno da Luz”

Assim que embarquei para a Europa, no início de julho deste ano, tinha duas coisas bem claras na minha cabeça: visitar o maior número de castelos e palácios possíveis e assistir a, pelo menos, um jogo de futebol. Ao final do mês de julho, já tinha visitado uma quantidade satisfatória de moradias da realeza europeia, mas ainda não havia visto uma peleja no Velho Continente.

Entrando na minha última semana de estada em Portugal, um dos países visitados, comecei a perder as esperanças. No entanto, por obra do acaso, descobri uma tal de “Eusebio Cup” que ocorreria no Estádio da Luz, perto da freguesia1 onde estava hospedado. O jogo em questão era Benfica e Arsenal, um verdadeiro clássico europeu. Não poderia perdê-lo.

Cabe um parênteses sobre como descobri esse jogo. Em um dos meus dias em Lisboa, decidi pegar aqueles grandes ônibus turísticos vermelhos para rodar pela cidade. Tinha marcado às 16h30 com um dos meus primos, que iria me buscar de carro, em umas das paradas desse ônibus. Sendo assim, calculei mais ou menos os lugares que teria tempo de visitar. Um dos sítios em que parei foi justamente o Estádio da Luz. Almocei em um restaurante brasileiro (ou que, pelo menos, servia comida brasileira) dentro do estádio e depois segui para a visitação que começaria às 14h. Acabou que não visitei a parte interna do estádio, por achar abusivo o preço de 12 euros, mas vi um banner anunciando o clássico Arsenal e Benfica. Valia mais a pena pagar 20 euros para ver um jogo do que 12 para “apenas” conhecê-lo por dentro.

Como quase todos meus parentes em Portugal torcem pelo Benfica não foi difícil conseguir que um deles fosse comigo ver o jogo. A principal resistência que enfrentei foi de natureza pessoal. Sempre torci para o Porto em Portugal e ir ao jogo do maior rival -o Benfica-, e ainda ficar na torcida “encarnada” (como são chamados os benfiquistas) não seria tarefa fácil para mim. A rivalidade entre Benfica e Porto é comparável aquela existente entre Flamengo e Corinthians, as maiores torcidas de Portugal e Brasil, respectivamente. Segundo meu primo Miguel, o parente escolhido para ir comigo ao jogo, há uma rivalidade entre as cidades do Porto e de Lisboa, que ultrapassa as fronteiras futebolísticas. Lembrei imediatamente da rivalidade entre Rio e São Paulo. Dentro de Lisboa, o principal clássico é Benfica e Sporting. Ainda nas palavras do meu primo, por ter mais torcida que os “lagartos” (alcunha pejorativa dada aos torcedores do Sporting, pelo escudo e uniforme do clube terem a cor verde), o Benfica sempre leva mais torcedores ao clássico, inclusive no próprio Alvalade (como é popularmente conhecido o estádio do Sporting).

Mesmo não sendo o responsável pela compra dos ingressos (meu primo cuidou disso), pude perceber que adquiri-los não é tão difícil (você faz tudo pela internet, inclusive escolher os assentos, e não paga nada a mais por isso). É importante salientar que, pelo menos, no Estádio da Luz não há meia entrada para estudantes, idosos, menores de idade (apenas para crianças com menos de 12 anos), como existe no Brasil. Com isso, os descontos dados aos sócios em todos os setores do estádio são realmente um atrativo a parte. Talvez, por isso, o Benfica seja o clube que possui o maior número de sócios do mundo (fonte: Futebol Finance). Aliás, no aspecto geração de receitas esportivas, percebi que os portugueses sabem mesmo trabalhar. Todo o estádio da Luz está dividido em zonas de publicidade, assim temos as bancadas Coca-Cola, Sagres, TMN e MEO. Além da publicidade estática, obtida com os banners instalados nos setores do estádio que compraram, e do nome pintado nas cadeiras, essas empresas ainda tem seu nome enfatizado pelo locutor do estádio. Antes do início do jogo e no intervalo, este locutor anima a torcida e pede para que a bancada Sagres, por exemplo, grite “Benfica, Benfica”, assim ocorre com o nome de todas as outras marcas.

Enfim, vamos ao dia do jogo. Desde estacionar o carro nas proximidades do estádio, fácil e gratuito (ainda que existissem alguns flanelinhas), até a entrada no estádio, as diferenças para o Rio de Janeiro eram claras. Antes do jogo, nas cercanias do estádio, a torcida demonstrava pouca animação e não entoava cânticos de exaltação ao seu clube, algo a que me habituei indo aos jogos do Vasco. No Brasil, as torcidas cantam desde antes de entrar no estádio até o momento em que saem dele. Dentro do estádio, só onde ficava a claque do Benfica (os No Name Boys ou Rapazes sem Nome) é que os cânticos e a forma de torcer se assemelhavam a brasileira. Segundo meu primo, a forte presença de idosos e famílias no estádio poderia justificar uma menor participação da torcida e uma maior observação passiva do jogo. Havia ainda o fato do jogo ter caráter amistoso. Segundo ele, em jogos do Campeonato Português e das Ligas européias, a torcida é mais intensa, digamos assim.

Ao adentrar no estádio da Luz, a primeira impressão que tive foi a de ser o mais bonito que já tinha visto na vida. Cadeiras, organização interna, visão do campo, estado de conservação do gramado, telões: tudo possuía um alto padrão de qualidade para conferir ainda mais grandeza ao espetáculo futebolístico. Antes disso, é válido lembrar que a revista policial é extremamente rigorosa, para evitar que se entre no estádio com possíveis armas brancas ou de fogo.

Minha visão do relvado. Foto: Fausto Amaro.

Antes do início da partida esperava ansiosamente pelo voo da águia Vitória. Por ser um torneio, havia a expectativa de que ela fosse dar seu passeio triunfal pelo interior do estádio, mantendo uma tradição que já dura anos. Assim como esperado, realmente presenciei mais esse espetáculo a parte. É definitivamente um momento mágico. Aqui as palavras deixam um pouco o caráter objetivo e se turvam com um tom mais pessoal. Mesmo sendo portista, era um sonho antigo meu, de amante do futebol, presenciar essa cena. No decorrer do jogo, contagiado pelo ambiente, inevitavelmente, acabei virando casaca por alguns momentos e entoei alguns dos bonitos cânticos da torcida “encarnada”.

O jogo em si foi normal, com o Arsenal sendo superior na etapa inicial e o Benfica dominando o jogo no segundo tempo, com destaque para as atuações de Aimar e de Javi García (este último eleito o craque do jogo). Enfim, trouxe sorte ao Benfica, que ganhou de virada por 2 a 1 e levou para sua galeria de troféus o Eusebio Cup.

Entrega do troféu Eusebio Cub aos campeões “encarnados”. Foto: Fausto Amaro.

Valeu pela experiência, mas, da próxima vez, espero conseguir ir no Estádio do Dragão, ver o meu Porto jogar!

1- Em Portugal, a divisão territorial é bem distinta da brasileira. Assim lá temos concelhos, freguesias, distritos, lugares, dentre outras subdivisões.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fausto Amaro

Doutorando em Comunicação da Uerj e bolsista da Capes. Mestre e graduado em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas, ambos pela Uerj. Atua no projeto de pesquisa "Meios de Comunicaçao, Idolatria, Identidade e Cultura Popular" sob orientação do Professor Ronaldo Helal. É um dos admistradores do blog "Comunicação, Esporte e Cultura".

Como citar

MONTANHA, Fausto Amaro Ribeiro Picoreli. Relato de viagem: Benfica e Arsenal no “Inferno da Luz”. Ludopédio, São Paulo, v. 27, n. 8, 2011.
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