Refletindo durante as “férias” sobre o esmaecimento dos epítetos “país do futebol” e “pátria de chuteiras” para minha pesquisa de doutorado, fui buscar dados e números referentes à Copa do Mundo de 2014. De forma retrospectiva, talvez esses números pudessem sinalizar se de fato deixamos de ser o país do futebol e não nos engajamos com o Mundial realizado em casa.

Primeiro é preciso situar em que contexto a Copa do Mundo ocorreu ano passado, após as manifestações de 2013 contrárias ao evento. A pesquisa sobre a percepção dos brasileiros sobre a Copa do Mundo, contratada pelo Governo Federal e realizada pela Secretaria de Comunicação (SECOM) e a Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública, em parceria com o Instituto Análise, apontou em que o envolvimento dos brasileiros com o futebol surge como um dos principais atributos da identidade do país, confirmando os estudos já apresentados neste blog e em nosso Grupo de Trabalho.

Manifestantes fazem passeata pela Avenida Rio Branco, no centro do Rio, em direção à Cinelândia em protesto contra a Copa do Mundo. Foto: Tomaz Silva – Agência Brasil.

Frente ao cenário político do país em 2013, o envolvimento da população brasileira era de um sentimento de união em torno de algo maior do que disputas entre times da mesma cidade ou de estados diferentes. Cabe destacar dois pontos diversos apresentados na pesquisa: aquele formado por sentimentos de orgulho, união e nacionalismo em relação à Copa; e outro negativo, formado pela preocupação com a insegurança pública, a percepção de que as obras estão atrasadas e relatos isolados de que obras previstas não tenham saído do papel (2013, p.15).

Sobre o universo mercadológico e de consumo, a pesquisa Nielsen Sports, “Da Copa das Confederações à Copa do Mundo”, realizada logo após o final da Copa das Confederações, trataria da audiência de marcas ligadas ao megaevento em meio à turbulência das manifestações. Nesta pesquisa, o cenário apresentado sinalizava que o apoio da população ao evento diminuiria significativamente – de 71% em setembro de 2012, para 45% em julho de 2013.

Em 2014, a SECOM divulgou outra pesquisa sobre a temática da Copa do Mundo em junho, desta vez realizada pela empresa IBOPE Inteligência. De acordo com esses resultados, 39% dos entrevistados mostravam-se animados com a Copa do Mundo que aconteceria naquele mês, enquanto 31% sinalizavam desânimo e outros 29% diziam estar indiferentes ao evento. Entre os animados com o Mundial, 57% diziam muito empolgados com a Copa em casa. Do total de entrevistados, 52% eram a favor de o evento ser realizado no Brasil. Dado relevante é que a maioria da população, 42%, afirmou que assistiria a todos os jogos que pudesse e 38% gostariam de ver o Brasil campeão do torneio, enquanto 34% diziam preferir que o evento fosse um sucesso; 43% acreditavam que o Brasil tinha muitas chances de ser campeão do Mundial em casa. E ainda, 90% dos entrevistados afirmaram que não participariam de manifestações contrárias a realização a Copa do Mundo durante o evento.

Entender as relações do consumo com a Copa do Mundo, além de sinalizar o gosto do brasileiro pelo futebol, aponta as diferentes formas de apropriação e uso de determinados códigos para sinalizar o quanto o torcedor é fã daquele esporte.

Segundo a Nielsen, o consumo de cerveja apresentou aumento em 11% no Brasil durante o mês de junho, se comparado com números referentes ao mesmo mês de 2013. As cidades de Belo Horizonte e Natal apresentaram aumento de 20% nas vendas da bebida. Foi feita uma injeção extra de R$ 405 milhões no setor. Já o consumo de refrigerantes teve 2% de aumento nas vendas durante o mesmo período

Na avaliação do IBOPE sobre os produtos que os consumidores das cidades-sede desejavam comprar em decorrência da Copa, na região Sudeste, 13,4% da população garantiu que gastariam mais com alimentos para acompanhar os jogos, seguido de itens de vestuário com 11% e televisores, com 9,7%. Nas localidades que não foram cidades-sedes, os gastos seriam com alimentos (27,4%), televisores (16,2%) e itens de vestuário (15,6%). Em relação ao local onde os entrevistados deveriam assistir aos jogos, na região Sudeste 61,8% ficariam em casa e 20,2% em bar e restaurantes. O mesmo aconteceria com a população nas demais localidades, em que 46,8% assistiriam em suas residências, seguido de 25,6% em bares e restaurantes.

Para organizar a concentração de torcedores na Vila Madalena, na Zona Oeste, a Prefeitura disponibilizou estrutura para dar conforto e segurança aos torcedores e contribuir para a garantia do direito dos moradores da região. Foto: Fernando Pereira – Secom – PMSP.
Para organizar a concentração de torcedores na Vila Madalena, na Zona Oeste, a Prefeitura disponibilizou estrutura para dar conforto e segurança aos torcedores e contribuir para a garantia do direito dos moradores da região. Foto: Fernando Pereira – Secom – PMSP.

Os números do IBOPE também revelam que a audiência da TV Paga triplicou durante o evento. Muitos torcedores acompanharam a Copa do Mundo por meio da Internet. 64% dos brasileiros que possuem smarthphone utilizaram o aparelho para se informar sobre o Mundial e os jogos. A pesquisa realizada pelo Mobile Report, da Nielsen IBOPE em agosto de 2014 sinaliza ainda que 29% dos usuários acompanharam a classificação das seleções, 15% buscaram informações sobre os jogadores e 14% se informaram sobre as transmissões da TV. Aplicativos referentes à Copa do Mundo foram usados por 26% dos entrevistados.

A Copa do Mundo também foi sucesso nas redes sociais, nas quais atingiu índices históricos. O recorde de tuites durante uma partida foi o placar de 7 a 1 da Alemanha no Brasil, com 35,6 milhões de tuites, 3 milhões a mais que a final do Mundial. Já no Facebook, as publicações relacionadas à Copa do Mundo alcançaram índices de 3 bilhões de publicações ao longo de toda a competição, transformando o Mundial no maior evento de mídia social do mundo. Mais de 350 milhões de usuários do Facebook estavam engajados na Copa do Mundo.

Se pensarmos sobre o esmaecimento do epíteto de que o Brasil é o “país do futebol”, refletindo com base nos números aqui apresentados, é possível afirmar que tal fato não se confirma. Ainda que, dentro do campo a Copa do Mundo não tenha apresentado o sucesso esperado no futebol do país, o consumo e o engajamento do torcedor brasileiro sinalizaram que o gosto pelo esporte e a paixão nacional ainda prevalecem no país. È fundamental compreender como informações sobre consumo e audiência podem representar simbolicamente a relação do brasileiro com a Copa do Mundo, principalmente quando o futebol faz parte de processos identitários de um país.

Links para as pesquisas:

http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-total-de-pesquisas/relatorio-final-da-pesquisa-qualitativa-copa-do-mundo-i-ago-13.pdf

http://secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-total-de-pesquisas/relatorio-final-pesquisa-qualitativa-copa-do-mundo-ii-set-13.pdf

http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/relatorio-final-pesquisa-domiciliar-copa-do-mundo-jun-14.pdf

https://www.nielsen.com/br/pt/press-releases/2013/copa-do-mundo-patrocinadores-oficiais-aparecem-mais-para-o-bem-ou-para-o-mal/

http://www.nielsen.com/br/pt/press-room/2014/64-porcento-usaram-smartphone-para-consultar-informacoes-sobre-a-copa.html

http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/07/15/copa-do-mundo-de-2014-bate-recordes-historicos-nas-redes-sociais.htm

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Camila Augusta Alves Pereira

Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com bolsa da Capes, na linha de pesquisa Cultura de Massa, Cidade e Representação Social (2018). Mestre pela mesma instituição (2012). Possui experiência em pesquisa sobre marketing, idolatria, representação, identidade, publicidade, jornalismo, jovem, consumo, rádio e recepção em Copas do Mundo de Futebol. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá (2005), com habilitação em Publicidade e Propaganda. É professora na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e nas Faculdades Integradas Hélio Alonso - FACHA. Possui experiência de docência em universidades públicas e privadas nos cursos de Comunicação Social e Gestão Desportiva, em disciplinas teóricas e práticas como Criação em Mídia Contemporânea, Produção para Internet, Comunicação e Cultura, Comunicação e Imagem, Teoria de Publicidade e Propaganda, Marketing Digital, Agência Digital, Direção de Arte, Metodologia de Pesquisa ? Trabalho de Conclusão de Curso, Pesquisa de Opinião e Mercado, Marketing Esportivo, Comunicação Aplicada ao Esporte, Teoria e Fundamentos do Jornalismo, entre outras. Bolsista Qualitec do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura (FCS/UERJ), cadastrado no CNPQ, e do Laboratório de Esporte e Mídia da UERJ. Membro do Grupo de Pesquisa ReC - Retóricas do Consumo (UFF), cadastrado no CNPQ.

Como citar

PEREIRA, Camila Augusta Alves. Retrospectiva Copa de Mundo de 2014. Ludopédio, São Paulo, v. 68, n. 4, 2015.
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