29.6

Rivalidade entre Brasil e Argentina: comentários céticos

Hugo Lovisolo 18 de novembro de 2011

Na segunda feira, 26/09, fui entrevistado pela SPORTV sobre a rivalidade entre Argentina e Brasil. Chegaram quatro pessoas de carro, com suas máquinas, para fazer a entrevista. O resultado foram poucos minutos na televisão, conduta normal por certo. O custo de cada minuto deve ser bem caro! O jornalista corta e recorta aquilo que lhe interessa qual um poderoso deus da seleção midiática.

O jornalista, ou entrevistador, puxava na direção de que eu falasse sobre a rivalidade. Parecia estar orientado para enfatizar ou aumentar a rivalidade. Devo reconhecer que comecei a jogar “contra”. O outro do diálogo nos motiva e influencia os caminhos que escolhemos percorrer.

Argumentei que:

i) a rivalidade sempre foi promovida pelo jornalismo que vive de gerar emoção na polêmica e polêmica a partir da emoção;

ii) que desde os primórdios de futebol, ambos os países, por serem vizinhos, foram referência recíproca e que o próprio Mario Filho tinha colocado os clubes argentinos como exemplo no contexto mais geral das tensões entre vizinhos e, agora agrego, com uma certa inveja;

iii) que as pesquisas com base nos levantamentos de Ronaldo Helal, a partir dos quais escrevemos algumas páginas juntos, indicavam que o Brasil enfatizava a rivalidade quando todos declaravam que tinha o melhor futebol do mundo; isto é, no auge. Insisti sobre o ponto de incremento da rivalidade: quando os jornalistas passaram a insinuar que se devia torcer “contra” a Argentina. Até aí, os argentinos, quando ficavam de fora das copas torciam pelo futebol brasileiro, como poderiam torcer pelo Uruguai, que admiravam, e ainda admiram, e por ter uma tradição mais arraigada de latino americanismo, de pátria grande;

iv) que durante um tempo, bastante longo, Galvão Bueno enfatizou a rivalidade, e mesmo ofendia aos argentinos, a partir de um nacionalismo deslavado e, mais tarde, começou a maneirar e até falava das belezas de Buenos Aires, talvez como produto de ampliar seu horizonte vivendo na Europa ou de ter recebido algum puxão de orelhas. A importância e a atuação de Galvão Bueno merecem uma dissertação de mestrado;

v) que o nacionalismo deslavado considera qualquer vitória importante, como as da Fórmula 1 que, qualquer observador atento, concluiria que é um trabalho de equipe multinacional. Este também é um bom tema de pesquisa: como o nacionalismo se apropria do internacional a partir de sua participação parcial (metonímia)?;

vi) sugeri que profissionalismo internacionalista que vigora no futebol é oposto a rivalidades fortes (função civilizadora do comércio?), e dei como exemplo os abraços de atletas argentinos e brasileiros antes de iniciar as partidas e das reportagens nas quais os atletas de ambas as nações declaram suas amizades, por vezes a partir do convívio familiar no mesmo conjunto habitacional. A mudança nas oposições provocadas pelo comércio do futebol e o convívio também parece merecer investimento de pesquisa.

vii) dei a entender que estava cheio com o tema da rivalidade que, no fundo, me parecia natural e ao qual devíamos dar menos bola. Isto é, o jornalismo esportivo deveria dar menos bola. Para mim, a rivalidade é mais mexerico que tema sério. Falei da receptividade em ambos os países para seus vizinhos. Desviei o olhar para o papel civilizador da rivalidade, como pretendia o Barão de Coubertain, o que não elimina o torcer com paixão;

O jornalista insistiu várias vezes sobre minhas emoções no confronto. Queria uma declaração de torcedor! Expliquei-lhe que após ter passado a metade de minha vida em cada país, me inclinava na direção de desejar que ganhe o melhor, mais ainda, que ganhem os dois ou que empatem.

Em um jogo famoso, Wimbledon 2008, entre Federer e Nadal, essa mulher maravilhosa que é Esther Bueno exclamou emocionada: que ganhem os dois! Pois, hoje sinto que sempre perco quando o placar define um ganhador entre Brasil e Argentina! Estou escrevendo antes do jogo em Belém e espero que seja um bom jogo. Em termos de rivalidade ele não tem a menor importância, e nada está em jogo além do próprio jogo. Se o jogo for ruim, agirei como em qualquer outro jogo: dormirei ou irei a fazer alguma coisa melhor. Espero que ganhem os dois e que seja um bom jogo!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

LOVISOLO, Hugo. Rivalidade entre Brasil e Argentina: comentários céticos. Ludopédio, São Paulo, v. 29, n. 6, 2011.
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