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Rockgol: quando os roqueiros brasileiros jogaram futebol

Leila de Melo Universidade do Esporte 26 de dezembro de 2020
Os apresentadores clássicos, Paulo Bonfá e Marco Bianchi. Foto: Reprodução Twitter

A música e o esporte sempre renderam excelentes histórias, pensando nisso a MTV Brasil resolveu criar um torneio que unisse ambos e assim surgiu o Rockgol. A emissora, hoje extinta, idealizou e exibiu um campeonato de futebol disputado entre músicos, o “Rockgol”. Ao todo foram 15 edições, de 1995 e 2008, com mais duas edições em 2011 e 2013.

As partidas eram famosas por seu nível técnico baixíssimo, tanto que nas primeiras edições, os jogos não eram exibidos na íntegra, só compactos e reportagens apresentadas pelos VJs. Em 1997, os comediantes do grupo “Os Sobrinhos do Ataíde”, Paulo Bonfá (narrador), Marco Bianchi (comentarista) e Felipe Xavier (repórter de campo) ficaram responsáveis pela primeira vez pela apresentação do torneio.

Soninha Francine, na época VJ do canal, assumiu a apresentação do torneio, em 1998, juntamente ao lendário locutor esportivo Silvio Luiz. Silvio que além de narrar também chegou a apitar algumas partidas e nos proporcionou momentos inusitados na história da arbitragem brasileira. No ano seguinte, Bonfá e Bianchi retornariam como apresentadores fixos até 2008.

A priori para participar do torneio tinha de tocar em alguma banda e gostar de jogar bola. O único ex-jogador profissional que participou do torneio foi o goleiro do Corinthians, Ronaldo, que integrava a banda Ronaldo e os Impedidos, a qual fazia parte do time dos Raimundos. Foi só em 1997 que estabeleceram um regulamento que perdurou até o fim da competição, os times só poderiam contar com bandas, cantores e músicos que aparecessem em videoclipes veiculados pela MTV, ou que o nome constasse nos créditos de discos.

Comunidade Nin-Jitsu e Natiruts. Foto: Reprodução

Desde as primeiras edições, a MTV juntava bandas e grupos para formarem times improváveis, mas bastante competitivos. Como foi o combinado “Claudinho & Buchecha + Os Morenos”, que chegou a ganhar um título em 2000. Existiram outros combinados doidos, tal qual os Aranhas Negras, campeões da edição de 2004 que contava com a boyband Br’oz; os metaleiros do Shaaman; o rei dos hits adolescentes, Felipe Dylon e o rapper Rappin’ Hood. E a equipe “Nadavê F.C.” que como o nome já diz, os artistas não tinham nada em comum, era composta pelos punks do Ratos de Porão, os pagodeiros d’Os Travessos e os roqueiros do Lampirônicos.

Vale informar aos desavisados que a “MTV Sports Arena” nunca foi na “Massachusetts brasileira”, Birigui. As edições do torneio aconteceram em dois clubes de São Paulo, o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães em 2008 e o São Paulo Athletic Club (SPAC) de 1996 a 2007, com intervalo em 2000 e 2011, onde aconteceu no Rio de Janeiro. Em 2013, última edição do torneio foi realizada no Estádio Jack Marin, Parque da Aclimação.

Conforme o campeonato foi se desenvolvendo, os times deixaram de carregar os nomes das bandas e adotaram nomes criativos e temáticos em cada edição. Em 2007, o tema era sátiras de clubes famosos como o campeão Horríver Prata (o River Plate), tinha também Bayern de Recife (Bayern de Munique), Chelsicha (Chelsea), Olympique do Marcelo (Olympique de Marseille) e Bígamo de Kyev (Dínamo de Kiev), para citar alguns. Nas últimas duas edições, os times voltaram a usar nomes das bandas.

Eu como expectadora sempre tive curiosidade para degustar um amendoim “joão-ponês” e fazer uma consulta no “Paulo Bonfá Ringling Brothers Capillar Consultants”, memoráveis patrocinadores fictícios do Rockgol. Memoráveis também foram alguns apelidos que a dupla de apresentadores deu a alguns músicos, elenquei aqui alguns que me marcaram.

O guitarrista da Comunidade Nin-Jitsu, Fredis Edres teve seu corte de cabelo comparado a um acidente nuclear de Chernobyl. O músico adorou o apelido, chegou a tatuá-lo e posteriormente a adotá-lo em sua carreira como DJ Chernobyl.

A banda Shaaman tinha três atletas com excelentes alcunhas, o vocalista Andre Matos era chamado de “musa nissei-sansei” por sua semelhança com uma “mulher japonesa”. O baixista Luís e o guitarrista Hugo Mariutti, também integrantes da banda de metal, eram Jesus e Jesus Jr, ganharam os apelidos por sua semelhança com Jesus Cristo, embora não operassem milagre nos gramados.

Em uma entrevista de campo, o rapper do DMN acabou se embananando todo para passar seu telefone de contato para shows. Obviamente que esse ocorrido não passou impune pelos narradores que prontamente o apelidaram de Max Telefone de Contato. O músico disse anos depois que as pessoas o reconhecem mais pelo torneio e pelo apelido do que pela sua banda.

Supla e Toni Garrido, dois grandes jogadores do Rockgol. Foto: Reprodução

Porém, afinal, em meio a alguns vários músicos que só queiram se divertir, tomar uma cerveja e jogar bola com os amigos despretensiosamente, existiam aqueles que realmente se destacavam pelo seu potencial. O time do Skank, campeão da primeira edição, era bem bom, sobretudo Samuel Rosa. O Supla, me arrisco a dizer, era melhor jogando do que cantando. Toni Garrido, vocalista do Cidade Negra, me lembrava os jogadores argentinos, aguerrido, esquentado e reclamão. O DJ Cléston da banda Detonautas jogava de terno e era tão polivalente quanto Franz Beckenbauer, em qualquer posição que você o colocasse ele rendia. O grande artilheiro do torneio foi Japinha, baterista da banda CPM22, na edição de 2013 ele chegou ao 58 gols; o segundo maior artilheiro foi o Alexandre, vocalista da banda Natiruts com 35 gols.

O sucesso foi tanto que além da competição anual, o Rockgol virou um programa esportivo de uma hora de duração levado ao ar aos domingos (Rockgol de Domingo) e que posteriormente mudou o dia para segunda (Rockgol de Segunda). Em 2009, o programa passaria a se chamar apenas Rockgol. O programa era formato mesa e tinha um quadro que rendeu ótimas pérolas o “bola na fogueira”.

O Rockgol contou com Marcelo Adnet e Edu Elias na apresentação na edição de 2011 e em 2013 com Paulinho Serra, Juliano Enrico e Daniel Furlan nas transmissões. Mas nesta fase confesso que já não acompanhava mais. Quem pode vivenciar esse torneio “totalmente excelente”, sabe o que acordar domingo de manhã acordar pra ver Skank x O Rappa, era muito mais legal do que os jogos da Premier League!


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leila de Melo

Ex-atleta frustrada e jornalista por vocação. Fã de Kobe Bryant e de esquema 4-4-2. Escreve sobre esporte, porque a vida não  é o bastante. Jornalista formada em comunicação social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Como citar

MELO, Leila de. Rockgol: quando os roqueiros brasileiros jogaram futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 49, 2020.
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