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Rogério Ceni e o preço de uma fama que nem deveria ter

Marcos Teixeira 16 de janeiro de 2021

Rogério Ceni sofre a pressão de ter um nome maior que a sua carreira como treinador efetivamente mostra. Isso, além do fato de ter assumido o clube com o maior orçamento do país em uma temporada atípica, faz com que seu trabalho seja decepcionante. Ceni chegou ao Flamengo depois da segunda passagem bem sucedida pelo Fortaleza, onde a pressão nem se compara com a encontrada nos outros dois grandes que treinou sem lá muito – ou nenhum – brilho: São Paulo e Cruzeiro. Não difere muito do percurso do Eduardo Baptista, só para citar um treinador que fez água num grande, mas que nunca contou com a mesma boa vontade de quem ganha a vida opinando sobre o trabalho alheio.

Ceni tem um discurso novo, uma metodologia que transborda modernidade aos ouvidos de uma parte da imprensa que é bem receptiva a ele. Mas ninguém poderá dizer que ele foi coagido a aceitar os cargos que exerceu desde que debutou na função já comandando o São Paulo. Aí erram todos, se é que podemos classificar assim as escolhas de carreira do maior goleiro-artilheiro da história. Erro mesmo, no caso, quem comete é a mídia. Boa parte da imprensa especializada – nunca é bom generalizar – o analisou pelo que torce para que seja, não pelo realmente é: um técnico promissor. Sim, promissor, mas sem o estofo necessário para ser “o melhor treinador do país”, como alguns apressados (e sedentos por novidades no mercado interno) disseram.

Rogério Ceni durante sua estreia pelo Flamengo, no Maracanã. Foto: Alexandre Vidal/Flamengo.

Aí, pegue um elenco estrelado e mimado, que atingiu o topo em pouco tempo; um calendário amalucado pela pandemia, com jogo em cima de jogo e desfalques, ora por lesão, ora pela Covid-19; e a pesada herança deixada por Jorge Jesus. Qual é a chance de dar certo quando não há tempo para treinar? E sem essa de “ele teve uma semana cheia de treinamentos entre os dias x e y”, como se seis ou sete dias fossem suficientes para que os métodos e as ideias do treinador – que o pessoal gosta de chamar de filosofia de trabalho – sejam absorvidos.

“Ah, mas o Abel Ferreira passou pelo mesmo e veja o Palmeiras na mão dele!”. São situações diferentes, principalmente porque um tem o que o outro ainda não tem: estofo. Estofo e formação em Portugal, onde o nível do que é estudado e trabalhado está muito à frente daqui, gostemos ou não.

E é isto o que falta a Rogério Ceni: estofo. Mas não se compra isso no mercado ou em semanas acompanhando os treinos de grandes caras, como o Ancelotti. É no dia a dia. É errando e acertando. É fazendo um monte de bobagens e aprendendo com elas. Da mesma forma que não basta ter sido o dono do vestiário por duas décadas. Muda-se a função, as responsabilidades são outras, as decisões a serem tomadas também, e a história escrita é apenas isto: história.

E a história dele, Rogério, como treinador ainda está no início. Que tratemos como tal.


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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. Rogério Ceni e o preço de uma fama que nem deveria ter. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 23, 2021.
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