A saída de Ronaldinho do Flamengo fez com que a torcida – em sua sabedoria apaixonada, uma possível contradição em termos – acusasse de amadorismo a direção do clube e o atleta. A direção por não punir atrasos e Ronaldinho por não honrar compromissos e, por isso, não render em campo o que se esperava dele. Como a relação com a torcida foi pautada na expectativa de que Ronaldinho decidisse as partidas para o Flamengo e, por isso, ela o reverenciou quando de sua chegada e até mesmo em boa parte do ano de 2011, a saída do clube justo no momento em que o ex-jogador Zinho é contratado como diretor de futebol para implantar o tão esperado profissionalismo neste departamento, fez de Ronaldinho o maior vilão deste imbróglio.

Ronaldinho Gaúcho, ex-atacante do Flamengo. Foto: Maurício Val – VIPCOMM.

Existe uma categoria fundamental no universo futebolístico que “perdoa” possíveis atos de indisciplinas do atleta: o desempenho. Por tudo o que já representou para o futebol esperava-se de Ronaldinho mais do que alguns lampejos do que já foi no passado. Daí a dimensão dada pela imprensa das noitadas, atrasos aos treinos e até de uma possível embriaguez em uma atividade matinal. Em sua última partida, Ronaldinho deixou o gramado debaixo de vaias. Isto não teria acontecido se ele estivesse decidindo as partidas. As noitadas teriam sido relegadas a um plano secundário. Assim, Ronaldinho, ídolo mundial, não foi herói do Flamengo.

Eventos de massa necessitam de ídolos. O ídolo integra e chama a atenção para o espetáculo. Em certo momento, Ronaldinho chegou a cumprir este papel. Só que existe uma diferença entre ídolos do esporte e de outros universos, como música e dramaturgia, por exemplo. Os primeiros possuem características que os transformam em heróis, devido ao aspecto de luta que permeia o esporte. Ambos, ídolos do esporte e da música, se transformam em celebridades, porém, só os primeiros tendem a ser considerados heróis. A diferença entre celebridades e heróis se estabelece pelo fato de que os primeiros podem viver somente para si, já os heróis compartilham seus feitos com a comunidade. Os feitos de um atleta, mesmo em esportes individuais, são sempre divididos com o time ou nação que representa.

Ronaldinho foi idolatrado no Flamengo, mas não entrará para o rol dos heróis do clube. Logo ele que vestia a camisa 10, eternizada por Zico, o maior da história, e que era também exemplo de profissionalismo, sempre fazendo questão de dizer que a diferença entre ele e seus colegas, em termos de relação com o clube, estava somente no contracheque.

Caricatura de Ronaldinho Gaúcho. Por Baptistão Caricaturas.

O que será de Ronaldinho? Celebrado no mundo inteiro, muito rico e já realizado “profissionalmente”, tem a opção de se aposentar ou então de encontrar alguma ambição que o leve a se cuidar para que seu talento possa ser decisivo. Perdeu a chance de entrar para a história do Flamengo e terminou saindo pela porta que não queria: a dos fundos.

E o que será do Flamengo sem Ronaldinho? Nos últimos 22 anos, desde que Zico se aposentou, clube e torcida estão buscando um ídolo-herói deste tamanho. Na década de 1990 apostaram em Sávio, que não “vingou” como sucessor de Zico, e também em Romário, que marcou mais de 200 gols, mas conquistou apenas um Estadual e uma Mercosul. Romário tem um lugar no coração da torcida, mas não foi o herói esperado. Talvez o maior herói do clube nos últimos 20 anos tenha sido Petkovic, pelo gol antológico de 2001, e por ter liderado, junto com Adriano, também idolatrado, a conquista do Brasileiro de 2009.

Os dirigentes do Flamengo, desta e de outras diretorias, têm o costume de dizer que o clube é “o maior do mundo”. Uma megalomania que não tem feito bem ao clube. Mais correto seria dizer que o Flamengo tem potencial para ser um dos maiores, devido a sua imensa torcida, que idolatra também jogadores que se entregam em campo, mesmo sem o talento de um Ronaldinho. O atual diretor de futebol, Zinho, fez parte da equipe liderada por Junior – outro grande ídolo/herói – na conquista do Brasileiro de 1992. Se tiver êxito em implantar o tão esperado profissionalismo, o Flamengo tem chances de voltar a ser a referência que foi na década de 1980.

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Ronaldo Helal

Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Sociologia - New York University (1986) e doutorado em Sociologia - New York University (1994). É pesquisador 1-C do CNPq, Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006). Em 2017, realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L'Expertise et de la Performance. É professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (2000-2004) e coordenador do projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj (PPGCom/Uerj), tendo sido seu primeiro coordenador (2002-2004).Foi chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da FCS/Uerj diversas vezes e membro eleito do Consultivo da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj por duas vezes. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: futebol, mídia, identidades nacionais, idolatria e cultura brasileira. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (www.comunicacaoeesporte.com) e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte - LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior.

Como citar

HELAL, Ronaldo. Ronaldinho e o Flamengo. Ludopédio, São Paulo, v. 36, n. 5, 2012.
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