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Ronaldo: de herói a vilão

Victor de Leonardo Figols 22 de maio de 2017

Em 2013 escrevi um artigo para o livro O Brasil e as Copas do Mundo: futebol, história e política, no qual colocava a brilhante trajetória esportiva do Ronaldo na narrativa heroica proposta por Joseph Campbell: partida, realização e retorno. Naquela época, eu já começava a questionar a imagem que Ronaldo estava construindo após a sua aposentadoria.

Em fevereiro de 2011 o jogador anunciou que deixaria os gramados. Em dezembro daquele ano, Ronaldo aceitou fazer parte do Comitê Organizado Local (COL) da Copa do Mundo de 2014. O então Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, se mostrou muito satisfeito em contar com o ex-jogador no COL, muito mais pelo seu apelo midiático, do que para assumir uma função administrativa, é verdade. Em outras palavras, Ronaldo foi chamado devido a sua imagem como jogador mais do que qualquer outra coisa. Tanto que virou garoto propaganda, junto com o Pelé, em uma campanha publicitária do Ministério do Esporte. Mas isso era pouco, Ronaldo queria mais.

Na mesma época fundou a 9nine, uma empresa de marketing esportivo e que gestava a carreira de atletas. Como presidente, sócio da empresa e tendo a sua carreira também gestada pela 9nine, Ronaldo buscou os grandes nomes do esporte mundial como, por exemplo, Neymar e Rafael Nadal. Entretanto, o ex-jogador agora também era empresário e estava mirando o poder. Ronaldo se aproximou de Ricardo Teixeira, de Andrés Sanchez e até do ex-presidente Lula.

É bem verdade que as intenções de Ronaldo com tal aproximação são bem confusas, mas é possível dizer que havia interesses na construção do estádio do Corinthians. Naquela época corriam boatos de que, tanto Lula, quanto Ronaldo receberam dinheiro pela construção do estádio. Os boatos nunca se confirmaram, apenas suspeita-se que houve uma articulação entre Lula, Andrés Sanchez (então presidente do Corinthians) e um representante da Odebrecht, e que Ronaldo esteve presente nas reuniões em que o Itaquerão foi gestado.

O presidente Ricardo Teixeira e Ronaldo participam durante a Coletiva , no Rio de Janeiro, 1 de Dezembro de 2011. MOWA PRESS
Em 2011, o então presidente Ricardo Teixeira e Ronaldo participam das ações da Copa do Mundo de 2014. Foto: Bruno Domingos/Mowa Press.

Nessa nova função de empresário, Ronaldo também começou a mirar cargos administrativos no âmbito esportivo. Como membro do COL, defendeu os interesses do governo. Em certa ocasião quando questionado sobre o número excessivo de estádios para a Copa, Ronaldo disse a imprensa: “Copa não se faz com hospitais”. Mas em 2014, na corrida presidencial, Ronaldo mudou de lado, declarando apoio à candidatura de Aécio Neves (PSDB). Mesmo sendo membro do COL, passou a atacar constantemente o governo Dilma Rousseff em relação ao Mundial. Nas vésperas da Copa, Ronaldo não mediu palavras para criticar o governo por atrasos na organização da Copa do Mundo, ao passo que sua aproximação com Aécio ficava cada vez mais clara e consolidada. Durante quase toda a campanha de Aécio, Ronaldo manifestou apoio ao candidato em suas redes sociais e também foi visto em diversos comícios.

A articulação de Ronaldo com os poderosos é quase uma escalada, do COL foi para a Rede Globo ser comentarista, ao mesmo tempo que se aproximava da CBF, já sob o comando de José Maria Marin, e mirava uma aproximação com o pessoal do movimento Bom Senso FC, uma recomendação do amigo Aécio. E ainda havia boatos de que Aécio tinha prometido o cargo de Ministro do Esporte, caso vencesse as eleições presidenciais de 2014.

O candidato à Presidência da República pela Coligação Muda Brasil, Aécio Neves, participou, nesta segunda-feira (20/10), de ato político em Belém (PA). Aécio estava ao lado do governador do Pará e candidato à reeleição, Simão Jatene, o ex-jogador Ronaldo, o Fenômeno, a cantora Fafá de Belém, além de lideranças políticas da região. Crédito: Orlando Brito/Coligação Muda Brasil
Em 2014, Aécio Neves e Ronaldo Fenômeno sobem juntos ao palanque da campanha em Belém do Pará. Junto com eles estavam o governador do Pará e candidato à reeleição, Simão Jatene e a cantora Fafá de Belém. Foto: Orlando Brito/Coligação Muda Brasil.

Após a derrota nas urnas, Aécio Neves começou a articular o impeachment de Dilma, acusando-a de corrupção em seu primeiro mandato. Diante da crise política promovida pelo senador derrotado, Aécio convocou os seus apoiadores em diversas manifestações que pediam impeachment da presidenta. Em mais de uma vez, Ronaldo foi visto com uma camiseta escrito: “A culpa não foi minha. Votei no Aécio”. Ao fim do processo, as acusações à Dilma nunca foram provadas, mas o golpe foi dado, e o impeachment concretizado. Ronaldo se afastou da grande política, mas não do seu grande amigo Aécio.

O ex-jogador voltou os seus olhos para os bastidores do esporte brasileiro. Na sua ânsia de combater todas as formas de corrupção, Ronaldo ficou surpreso e indignado com os escândalos da FIFA, descobertos em 2015. Pediu a renúncia do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, já que os seus antecessores, José Maria Marin e Ricardo Teixeira haviam sido presos. Nomes conhecidos de Ronaldo, nomes que manteve contato quando estava no COL. Um pouco antes da crise na CBF, Ronaldo cogitou a possibilidade de assumir a presidência da entidade, ideia abandonada tempos depois.

Romario e Ronaldo falam de um novo projeto no Rio de Janeiro, 23 de Dezembro de 2011. MOWA PRESS
Ronaldo em 2011. Foto: Bruni Domingos/Mowa Press.

Com a falência da 9nine em 2016, Ronaldo seguiu sendo comentarista esportivo da Rede Globo, e sua ânsia por poder parece que tinha esfriado. Entretanto, na última semana, Ronaldo voltou a aparecer nos noticiários, ou melhor, a sua amizade com Aécio. Quando o maior doador para a campanha do senador revelou que pagava mais de 2 milhões de reais para o senador pagar seus advogados e manter um esquema para frear as investigações de corrupção envolvendo Aécio, o ex-jogador não se manifestou. Se em 2014 e 2015 se mostrava contra a corrupção, apoiando o amigo senador nas manifestações contra a presidenta Dilma, hoje Ronaldo se cala sobre as atuais notícias que envolvem o nome de Aécio Neves em esquemas de corrupção.

Se dentro de campo, Ronaldo foi herói de uma geração, um dos maiores dos últimos tempos. Ronaldo conseguiu vestir a camisa dos rivais de Milão e dos rivais da Espanha e ainda assim segue sendo lembrado pelas torcidas. Foi o maior jogador da Seleção Brasileira no final dos anos 1990 e início dos 2000. Mas fora de campo, Ronaldo é vilão. Joga com os donos da bola, usa de sua imagem, e de muito oportunismo, para circular entre os grandes da política e do esporte. Se o oportunismo dos tempos de jogador era uma de suas características, hoje na vida política, tem novo significado.

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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Ronaldo: de herói a vilão. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 25, 2017.
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