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Rooooooooooooooooo, Ronaldo é gol: o mito igual a todo brasileiro

Eduardo Fantato Rodrigues 17 de maio de 2010

Desde o anúncio da contratação de Ronaldo pelo Corinthians no fim de 2008, o futebol brasileiro parece viver um êxtase, da imprensa aos torcedores, das críticas à exaltação.

Talvez o contemporâneo (o tempo) não nos permita identificar o que Ronaldo representa para o futebol mundial. Talvez o contemporâneo brasileiro, especificamente, não nos permita isso. Quem sabe ainda o nosso passado e aquilo no que nos constituímos enquanto nação não nos possibilite olhar com os olhos de quem analisa a história e seus impactos.

Nessa complexidade de tempo, na qual passado, contemporâneo e futuro ainda estão “vivos” em qualquer análise que se faça (afinal Ronaldo ainda está jogando), a complexidade do mito, do ídolo, traz à tona o sentimento e a exaltação do orgulho de ser brasileiro e não desistir jamais. Mais do que isso, traz à superfície da análise a projeção e identificação do ser humano com o ídolo.

Capaz de sensibilizar torcedores rivais, que se pegam comemorando um gol dele contra a sua própria equipe, sem peso nenhum na consciência, afinal é o Ronaldo, o momento é único. Torcemos por ele.

“A posição de torcedor, na vida, é a que nos traz mais tensão, emoção, alegrias, intensidades, tristezas, alternativas extremas do que existiu. Ser torcedor é uma forma de distrair-se e distrair a vida. A humanidade inteira é torcedora de alguma coisa, do partido político, clube ou religião. O torcedor, o nome o diz, é quem “torce” o real a seu favor, transformando o desejável em verdade, a concordância em direito; é quem supõe só haver virtude, verdade, direito e razão do próprio lado” (TAVOLA, xxxx, p.286).

Dos movimentos culturais, econômicos e políticos, cada ídolo adquire a sua representatividade, e através dessa complexidade, dessa teia de significados, parafraseando um professor que tive na universidade (Jocimar Daolio), as manifestações em torno são reflexos das próprias construções culturais – e com Ronaldo não poderia ser diferente.

A música de Jorge Bem Jor para Fio Maravilha, ídolo de uma torcida, é talvez a mais conhecida, e paradoxalmente tornou o jogador menos famoso pelo futebol do que pela música. Para tantos outros jogadores foram criadas músicas, massificadas e perdidas com o passar do tempo, umas mais, outras menos, e Ronaldo traz consigo tal característica.

A música composta pelo rapper Marcelo D2 traz o reflexo de um gênero ou estilo musical tão latente entre os jovens hoje. E para quem duvide, observem meninos em escolinhas de futebol alimentando seu sonho de ser um Ronaldo compartilhando um som de rap ou hip-hop, um estilo baseado em manifestação, expressão cultural de comunidades, uma identificação com as suas características, de atitude e comprometimento. Comprometimento esse em garantir que possam manter suas raízes e adquirir dignidade e respeito perante a sociedade hegemônica.

A mistura do estilo musical e a vida de Ronaldo são partes que compõem a complexidade do fenômeno do ponto de vista mítico. Restaura-se da mitologia grega os deuses e semideuses.

Se os resultados e conquistas falam por si só, a projeção e identificação das pessoas são acentuadas com o sucesso e qualidade. O que para Ronaldo é uma marca. Pois por mais que alguém se canse do ufanismo exagerado que se cria em torno dele, não fossem suas conquistas e desempenho, como qualquer outro ídolo e herói que a todo instante é construído e descontraído, seja pelos veículos de comunicação, seja por forças políticas, ele sucumbiria. Mas Ronaldo…

Ronaldo, do ponto de vista técnico, é o maior artilheiro de todos os tempos da Copa do Mundo (estamos falando desde 1930, quando começaram os Mundiais), o maior evento e mais significativo para quem tem no futebol um fenômeno de múltiplos significados. Para quem até pouco tempo observava e se indagava se Gerard Muller (até 2006 o recordista em gols nas Copas) era um jogador empolgante, tentando imaginar o que ele representava para seus compatriotas alemães, vivenciar em tempo real a consolidação de um recorde, ainda mais de um compatriota, sem dúvida sensibiliza.

Campeão em 2002 como destaque, campeão em 1994 como espectador de luxo (já que apenas compunha o elenco e não entrou em campo), mas que despertava já o sentimento de que algo viria, que nas suas outras duas participações foi vice (sendo o melhor da Copa em 1998) e na mais recente não passou das quartas. Eleito três vezes o melhor jogador do mundo.

Capaz de tornar-se ídolo de seus próprios companheiros de equipe, como podemos observar na declaração após o seu primeiro gol com o manto corintiano justamente contra o maior rival, referindo-se ao jovem companheiro de equipe Dentinho.

Na hora da comemoração todo mundo ficou me agarrando, acho que recebi um mata-leão. Me agarraram muito forte. O Dentinho é corintiano roxo e se declara meu fã e acabou o jogo super emocionado, chorando. Dei a camisa para ele e ele continuou chorando. (portal TERRA, 2009).

Fato inusitado e para poucos, que nos remete ao livro Cestas Sagradas do técnico de basquete da NBA Phil Jackson, quando relata sobre o também mito Michael Jordan, e da admiração e êxtase que recebia dos próprios companheiros de equipe, mostrando ainda a dificuldade que é manter um time focado com a presença de “um semi-deus”.

Enfim, Ronaldo é um mito. Se para Campbel (1990) o mito é quem aproxima o sujeito à experiência de se estar vivo, Ronaldo é capaz dessa aproximação, potencializado com a exagerada contribuição dos meios de comunicação, que têm na vocação do esporte para formar ídolos sua grande aliada na produção de heróis, muitas vezes momentâneos. Afinal, quantos e quantos heróis não são levantados pela mídia, e, instantes depois, por ela, derrubados?

Ronaldo parece ter algo mais, pois é massacrado (artifício utilizado também para colocar os mitos sob prova de seu poder), e ainda que tenha uma boa equipe de marketing, existe algo que o diferencia de outros tantos heróis, uns mais duradouros outros mais passageiros, e que o torna único.

Essa unicidade é fator preponderante para a perpetuação de um mito: se comparado a outros, perde sua exclusividade, se único, inigualável, é desejo de imitação, exemplo, modelo, sintetiza a projeção e identificação dos outros em torno de si.

Como um semideus, filho dos deuses, herda seus poderes, mas também como filho de humanos, herda seus defeitos. A musica de Marcelo D2 traz essa trajetória nos  primeiros versos que apresentam Ronaldo em primeira pessoa, mas ao mesmo tempo aproximando a fala de qualquer brasileiro que ali se projeta e identifica:

“Sou Ronaldo
Muito prazer em conhecer
Eu sou Fenômeno
Ronaldo Nazário dos Campos

E quero muito agradecer a Deus
Por ter me escolhido no meio de tantos
Igual a todo brasileiro, eu sou guerreiro
Às vezes caio, mas eu me levanto”

Esse aspecto frágil que aproxima o mito de todos através de suas falhas e fragilidade é ainda mais significativo para o fortalecimento de suas forças.
A respeito das leituras que se fazem do fenômeno Ronaldo, encontramos extremos que acabam por perpetuar sua condição. A exaltação, seja dos fatos positivos ou dos fatos negativos, complementa-se, e é o que constitui a condição do mito.

Ronaldo representa o sentimento nacional, de excelência no futebol e repleto de fraquezas necessárias para que um herói se transforme em mito, deixando a condição de especial com super poderes, para algo além, mais do que um herói, um mito, que fracassa e tem suas criptônitas, mas que em sua história é invencível.

Transforma-se em uma narrativa cheia de possibilidades, de superação e conquistas, a crises e devaneios que são superadas com a mesma maestria que o acomete quando cria para si próprio as adversidades. Uma história no qual o enredo adquire vida própria. Vida essa, sem autor, semelhante e tão diferente quanto cada um possa querer ao incorporá-la em seu cotidiano.

A narração e construção de significados não possuem dono, são construções e reconstruções das pessoas e de usos, experiências e particularidades. O que é contado, é influenciado pelos contextos espaciais e de tempo, pelas características de quem conta, do momento, do ambiente, há uma reconstrução da história real, que pode ser diversas vezes reconstruído e recontado, e esse é o processo de incorporação na recepção de mensagem, a reconstrução constante e re-siginificação. (RODRIGUES, 2006, p.87).

Como um mito que já esta perpetuado no imaginário e na história do futebol brasileiro e mundial, Ronaldo é a personificação dos anseios e desejos, uma receita que muitos gostariam de conhecer e que apresenta três ingredientes básicos, basta misturar.

1.     50% de técnica, conquista e habilidade

2.     50% de defeitos humanos

3.     50% do pó que foi utilizado na constituição de Pelé, Maradona, Cruyff, ou Zidane.

Sim! 150%, impossível né? Por isso o mito é único.


Bibliografia
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
RODRIGUES, E.F. Esporte e Mídia: Interfaces e significados dos conteúdos esportivos atribuídos pelos alunos .2006. 217f. Dissertação de mestrado – Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação Física,. Campinas, 2006.
TÁVOLA. A. Comunicação é Mito. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1985.
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Como citar

RODRIGUES, Eduardo Fantato. Rooooooooooooooooo, Ronaldo é gol: o mito igual a todo brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 11, n. 5, 2010.
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