25.6

Rumo ao desconhecido

Leda Costa 19 de julho de 2011

Assistindo a River x Belgrano, fiquei bastante dividida. Não sabia extamente para quem torcer (não consigo ver partidas sem torcer). Não tenho nenhum tipo de problemas com o River. Nenhum sentimento ou lembrança ruim que justificasse que eu evocasse o corvo Edgar, de Xico Sá, para me ajudar a secar o maior ganhador de títulos nacionais do futebol Argentino. É certo que como vascaína tive até certo sentimento de compaixão suscitado pela faixa diagonal. Embora vermelha, faixas diagonais costumam me sensibilizar.  Porém, minhas dúvidas giravam nem tanto em torno do time. Na noite de sábado, fiquei pensando o quão seria fantástica a narrativa da queda do River. Imaginei a primeira capa do Olé, os narradores argentinos gritando, chorando. Fiquei imaginando quais seriam as reações da torcida e mais uma vez pensei que a queda do River daria uma narrativa deliciosa.

A torcida do River se descontrola no jogo contra o Lanús. Foto: Federico Peretti.

 O risco de queda já estava produzindo ótimas narrativas sobretudo por parte do Olé. Os dias que antecederam o jogo foram fartamente explorados pelo jornal. Do dia 21 ao dia 26, data do jogo contra o Belgrano, todas as primeiras capas foram dedicadas ao River. Notícias que faziam referência ao fantasma da série B que rondava o River, outras mostravam a revolta da torcida. No dia do primeiro jogo contra o Belgrano (22/06/2011), o Olé dizia “RP Emergencias”, reproduzindo uma tela daqueles aparelhos que monitoram a frequência cardíaca. Mas nenhuma edição supera a do dia 25 de junho, quando a primeira capa mostrava a foto de alguns torcedores do River, de costas, pois que voltados para o muro das lamentações, em Israel. A manchete principal foi composta por um jogo de palavras: IsReal (Inversão das letras a e, Israel; e que significa é real, em inglês). Abaixo lemos: “Aunque usted no lo crea.”

A manchete brincava com a foto inusitada que podia despertar desconfiança quanto a sua veracidade. E brincava também com a possibilidade real de o River não cair. Embora fosse uma tarefa muito difícil. O jornal Olé prima pela criatividade, irreverência e por uma preocupação grande em atrair a atenção do seu público leitor. É um jornal especializado em “multiplicar os sentidos do jogo” para recorrer a expressão que Luiz Henrique de Toledo usa em seu Lógicas no futebol, para pensar o papel da imprensa esportiva. E foi acompanhando a cobertura do Olé durante a semana que fiquei pensando para quem torceria. E minhas expectativas giravam em torno da curiosidade em saber o que o Olé faria com o resultado final da partida.

Se o River escapasse é provável que nascesse uma narrativa com tons épicos, proporcionada pelo próprio contexto de superação. Narrativas épicas são próprias aos grandes feitos, que se perdem no tempo dado seu caráter mítico. O tom épico presente na Odisseia de Homero que conta as aventuras de Odisseu (Ulisses) e seu retorno à casa após anos de guerra é exemplar ao narrar o retorno do herói cuja figura resplandece e se imortaliza. E se o River permanecesse, é muito provável que o tom épico caísse como uma luva.

Equipe do River. Foto: Federico Peretti.

Mas me vi fascinada pela possibilidade do trágico. E somente a derrota conseguiria sevir de matéria para uma narrativa desse tipo. Meu desapego clubístico, ou seja, minha indiferença em relação ao resultado me fez experimentar torcer (como disse, preciso torcer) não exatemente para um  time ou outro, mas para o resultado que faria brotar narrativas com tonalidades trágicas. E para tristeza do River, esse resultado não lhe era favorável. Priorizei o entretenimento e o fascínio de pesquisadora interessada nas recepções da imprensa esportiva. Fui pé quente. O River caiu. E já no minuto seguinte estava lá no site do Olé a deliciosa manchete “Imposible no llorar” acompanhada de inúmeros vídeos mostrando incansavelmente o choro dos jogadores e dos torcedores. Havia um breve vídeo denominado “El llanto del pibe” cuidadosamente editado pela TV Olé e que mais parecia um clip, mostrando os jogadores (aos prantos) indo vagarosamente em direção aos vestiários. Havia também imagens do desespero da torcida e tantos outros artifícios possíveis para  nos comover. E também para deliciar os torcedores do Boca.

Veja a matéria original aqui.

Toda essa narrativa foi possível também por conta de um aspecto importante e que diz respeito a algo que Roland Barthes intitui em um livro que contém alguns roteiros escritos pelo semiólogo e que seriam usados em um documentário sobre esportes (Le Sports et les hommes). Roland Barthes comentou que houve épocas, em algumas sociedades, em que o teatro teve uma importante função social: “reunir toda a cidade para compartilhar uma experiência em comum”. Essa função que antes cabia ao teatro, passou para os esportes. Entre eles o futebol.

Como um grande teatro, o Monumental de Nuñez serviu de palco para a queda do River Plate. E as quedas são próprias para as narrativas trágicas. Próprias para um “River Destrozado” (Olé, 27 de junho de 2011).  Pois como diz o crítico Nortoph Fry as tragédias são histórias de “deuses agonizantes” que vislumbram “a estrada para o que poderia ter sido e a estrada para o que será”. E foi isso que restou aos jogadores e torcedores do River.

Essa estrada é um caminho sobre o qual não se tem muito domínio. No caso do River é a segunda divisão, ou o “Mundo desconhecido” como denominou o Olé. Para enfrentá-lo foi convocado um novo técnico que foi capa do jornal, na edição do dia 28 de junho. A manchete dizia “Jesus Ayudame”. Como em toda tragédia, a invocação dos Deuses se faz inevitável.

Jogador do River reza. Foto: Federico Peretti.

A saga do River pela 2ª divisão Argentina certamente será matéria muito bem aproveitada pela imprensa argentina e, sobretudo, pelo Olé. No Brasil as quedas (dos chamados times grandes) há algum tempo têm sido matéria do jornalismo esportivo. E o percurso dessas narrativas são muito parecidas. Inicia-se com toda dor da derrota e termina-se com a ênfase na superação das dificuldades para o retorno à primeira.  Há uma série de lugares comuns: choros, emoção, torcedores mostrando cartezes dizendo “meu amor não tem divisão”, ênfase na presença da torcida para dar mostras da fidelidade clubística, etc, etc.

Resta-nos acompanhar o tipo de tratamento que a imprensa argentina dará à indesejada incursão do River à segunda divisão argentina. É importante lembrar que enquanto a imprensa brasileira já está acostumada com a queda dos chamados grandes, o que inclui a queda do time com a 2ª maior torcida do país, a imprensa argentina de certo modo também vai explorar um “mundo desconhecido”. Que tipo de tratamento será dado a esse mundo?

Para nós pesquisadores e leitores, trata-se de um oportunidade ótima.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leda Maria Costa

Professora visitante da Faculdade de Comunicação Social (UERJ) - Pesquisadora do LEME - Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte -

Como citar

COSTA, Leda. Rumo ao desconhecido. Ludopédio, São Paulo, v. 25, n. 6, 2011.
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