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Sartre e o Corinthians

Marcos Teixeira 30 de agosto de 2017
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Sartre. Caricatura: J.Bosco.

Jean-Paul Sartre foi um ensaísta, romancista e filósofo francês do século XX que, entre outras coisas, escreveu sobre a aparência e a essência. Invoco seu nome e parte de sua obra para traçar um paralelo com o Corinthians, provável campeão brasileiro de 2017.

O Corinthians nasceu, cresceu e agigantou-se sob a pecha de “time do povo”, desde a sua fundação, no Bairro do Bom Retiro, quando era o time dos operários da capital paulista. Isso fez com que, entre outras façanhas, mantivesse uma torcida gigantesca, mesmo durante o jejum de 22 anos sem títulos, entre 1954 e 1977.

O Corinthians é mais que um time. É um fenômeno social, quase uma religião. Tem adeptos em todas as classes sociais, espalhados por todas as partes do mundo. Onde houver brasileiros, haverá corintianos. E só é o que é graças à sua fiel torcida.

Dê uma rápida olhada nas arquibancadas do moderno, superfaturado e mal explicado Itaquerão. Compare com o Pacaembu ou o Morumbi das grandes decisões dos anos 1990 e veja a mudança do perfil do torcedor. Espantaram o pobre e, consequentemente, o preto do estádio, majorando o preço dos ingressos e os deixando exclusivamente disponíveis ao sócio-torcedor, que se vê obrigado a gastar mais para comprar ingressos em partidas nas quais não iria para poder ter prioridade nos jogos de maior procura; lançaram, perto do centenário, camisas comemorativas, a R$ 800 cada; até cruzeiro de navio promoveram. Evidentemente, a camada mais pobre da população,  a corintiana-maloqueira-e-sofredora, foi alijada por falta de condição financeira. Este não se vê mais no espelho do time.

Perde-se o vínculo. Pior que isso, abre-se uma porta para que o futuro torcedor, aquele que brotava nas camadas mais pobres, opte por times do exterior, já que os rivais, exceto o São Paulo, cujas seguidas campanhas pífias que tem cumprido não permitem que enfie a mão no bolso do seu torcedor, também majoraram tudo o que envolve suas cores.

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Fiel Torcedor é o programa de sócio-torcedor do Corinthians. Foto: Fábio Soares/Futebol de Campo.
É o primeiro passo para acabar com a identificação do torcedor com o clube, ainda mais um com raízes tão populares, que está se tornando algo que nunca foi: um time comum. Dentro do que escreveu Sartre, para quem a existência precede a essência. É necessário buscar na origem o entendimento do que é o Timão, sob pena de tornar-se apenas mais um time basicamente de torcedores que não aceitam nada que não seja a vitória e que vomitarão, a cada revés, que não vivem de títulos, mas de Corinthians, ou outra bobagem do tipo, mas que deixarão a média de público cair pela metade quando o time não estiver bem.
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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. Sartre e o Corinthians. Ludopédio, São Paulo, v. 98, n. 31, 2017.
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