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Seleção brasileira: ausências nos encontros marcados

Foram quatro as partidas entre as seleções do Brasil e da Argentina em Copas do Mundo de futebol masculino. O primeiro aconteceu em 1974, em Hannover, Alemanha Ocidental, no Estádio da Baixa Saxônia, quase às margens de um dos marcos do período nacional-socialista: o Lago Masch. Os brasileiros venceram por dois a um, com gols dos craques Rivellino e Jairzinho, descontando para os hermanos o meio-campista Miguel Ángel Brindisi, do Huracán, em belo tiro livre. Quatro anos depois houve a Batalha de Rosário, no Mundial disputado no país vizinho. Se houve economia no placar do Estádio Gigante de Arroyito, que não saiu do zero, sobrou pancadaria de parte a parte, ambos os times parecendo satisfeitos com o empate, deixando para os outros jogos da segunda fase a definição de quem avançaria para a final. Foram os argentinos, como se sabe, que na decisiva venceriam os holandeses em disputadíssima contenda, concluída apenas na prorrogação.

Antes que o Desastre do Sarriá acometesse o escrete nacional, em 1982, os brasileiros impuseram uma contundente vitória ao time argentino, mescla dos veteranos de 1978 com a nova geração que vencera o Mundial sub-20 em 1979. Foi no mesmo estádio em que a seguir os italianos venceriam os brasileiros, despachando para casa a seleção dos sonhos de muita gente. Os gols foram de Zico, Serginho e Junior, descontados por Ramón Díaz, a um minuto do fim. Um pouco antes do derradeiro tento, houve a expulsão de Diego Maradona, depois de agredir Batista com um carrinho desleal. Lesionado, o volante brasileiro, várias vezes campeão pelo Inter de Porto Alegre, fez falta na rodada seguinte, a da derrota frente à Azurra.

O último encontro entre os fronteiriços aqui do Sul do Mundo, foi já há 32 anos, no Estádio Delle Alpi, em Turim, pelas oitavas-de-final. Naquela Copa de 1990, o Brasil fez contra seu tradicional adversário a melhor de todas as apresentações, chutando três bolas na trave, além de parar frente a alguns milagres do goleiro Sergio Goycochea. Bastou, no entanto, um lance para que o gênio Maradona, que vinha caminhando em campo, com uma grave lesão no tornozelo, mudasse o rumo das coisas. Arrancando do meio do campo, ele não foi parado pelos volantes brasileiros e apavorou os três zagueiros adversários que lhe foram dar combate, deixando a ala direita da defesa desguarnecida. Esperando até o último momento, Diego desferiu o milimétrico passe para Claudio Caniggia, o atacante de cabelos loiros e longos, que também aguardou até o limite para não ficar impedido. Com a frieza dos grandes, driblou outro Cláudio, o Taffarel, e marcou o único gol da partida. Faltavam nove minutos para o fim. E foi o fim.

Os encontros poderiam ter se renovado, não fossem, claro, os reveses em cada edição do torneio. A título de exemplo, vale lembrar o excelente time que os argentinos tinham em 2002, liderado por Marcelo Bielsa, mas que deixou a Copa ainda na primeira fase do torneio. No entanto, decisivo é o fato de que em pelo menos duas ocasiões recentes, o encontro foi marcado, mas os brasileiros não compareceram. O primeiro aconteceu em 2014, quando ambas seleções chegaram entre as quatro do Mundial disputado no Brasil. No Maracanã o adversário dos albicelestes na final não foi a seleção canarinho, mas os teutônicos, que haviam aplicado a insofismável goleada de sete a um na equipe local. No torneio que acaba amanhã outra vez o escrete nacional faltou. Ele era para acontecer na semifinal da competição, mas foram os croatas que venceram nas quartas, para a seguir serem acachapados por Lionel Messi, Julián Álvarez (autor de um gol a la Mario Kempes contra os balcânicos) e seus coadjuvantes.

Brasil croácia 2022
Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Fica para o campo da especulação o que poderia ter acontecido no Maracanã ou no Qatar. Há quem diga que os brasileiros escaparam de boa, de serem fragorosamente derrotados pelos rivais. É difícil dizer. O que mais chama a atenção, no entanto, é que nos debates se renova uma velha mania muito nossa. Segundo se diz, o Brasil tem o melhor futebol do mundo (a única ponderação é feita, às vezes, considerando o time francês), mas, como costuma acontecer, alguma coisa muito grave atrapalhou os planos nacionais. Desta vez foi o técnico Tite, com suas convocações equivocadas, vocabulário rebuscado e falta de repertório para mudar os rumos de uma partida. A equipe conheceu a derrota e a desclassificação, então é razoável que seu comandante tenha parte da responsabilidade. Mas não é disso que se trata, senão da busca de um bode-expiatório, já que é insuportável a hipótese de que simplesmente não somos sempre os melhores, e que tampouco seria necessário sê-lo.

Em um mundo globalizado, o futebol se realiza de forma muito semelhante em todas as suas partes. Champions League é a referência, e são muitos jogadores, de tantas nações, que atuam na Europa e disputam senão a melhor das competições, algumas das de menor calibre. Por isso, sim, a seleção da Arábia Saudita pode mesmo vencer a da Argentina, assim como a da Croácia chegou em dois torneios seguidos entre as quatro melhores. O que dizer frente a resultados tão contundentes? Talvez nada. Basta reconhecer que futebol é esporte e jogo e, como tal, sujeito à preparação e à contingência. Nesse contexto, a tradição é importante, mas ela não determina o presente.

Ilha de Santa Catarina, dezembro de 2022.

 

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Seleção brasileira: ausências nos encontros marcados. Ludopédio, São Paulo, v. 162, n. 16, 2022.
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