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Seleção Brasileira e futebol de mulheres no Nordeste: descaminhos de um mesmo problema

Os últimos jogos das seleções nacionais de futebol, a de homens e a de mulheres, têm levantado novos debates em torno do consumo desse esporte e da visibilidade em torno da modalidade feminina no Brasil. Os amistosos da seleção canarinha, comandada por Pia Sundhage, contra as equipes da Rússia e do Canadá, ofereceram novos dados que sugerem mudanças no em torno do futebol de mulheres no cenário nacional. Ambos os jogos tiveram desempenho de audiência superior quando comparados aos jogos da Copa América disputados pela seleção masculina. No entanto, uma série de ponderações precisam cercar essas estatísticas para evitar conclusões precipitadas.

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Partida entre Brasil X Argentina pelo torneio UBER internacional de futebol feminino, realizado no estádio do Pacaembu em São Paulo, 2019. Foto: Paulo Pinto/ALLSPORTS/Fotos Públicas

Nosso objetivo aqui é fazer cruzar os caminhos entre o desenvolvimento nacional do futebol de mulheres e a evolução da mesma modalidade no Nordeste brasileiro. Antes de adentrar na região em questão, precisamos trazer os contornos (sem grande aprofundamento que aqui não é nosso objetivo) de uma crescente ampliação nos horizontes do futebol de mulheres a partir do espaço na mídia que vem a quebrar um silenciamento histórico e, pouco a pouco, a se fazer mais dilatado.

Diferentemente do que vinha acontecendo nos últimos anos, o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), de maneira inédita, adquiriu os direitos transmissão na TV aberta acerca da competição continental masculina, depois de anos de vinculação a partir da Rede Globo. Diante disto, a empresa carioca, historicamente com maior índice de audiência no país (BARRETO JANUÁRIO, LIMA, LEAL, 2020), recorreu aos direitos de transmissão dos amistosos de preparação da seleção de futebol feminino para as Olimpíadas de Tóquio. As mulheres, assim como aconteceu na Copa do Mundo 2019, voltaram a levar bons resultados de audiência no horário à TV Globo.

De acordo com o portal Dibradoras, especialista em modalidades femininas, os jogos da seleção brasileira de mulheres contra o Canadá e a Rússia tiveram audiências expressivas, com média nacional de 12,7 pontos, com picos 16 e 20 pontos no Rio de Janeiro nos dois jogos respectivos. A se valer da potência de Galvão Bueno, principal narrador da casa, para atrair ainda mais novos telespectadores para a modalidade, a TV Globo pôde celebrar o dobro de audiência em relação a Record – em segundo no lugar no horário do jogo – e 10 pontos a mais de audiência que o SBT, no Rio de Janeiro.

A partir das informações do PNT (Painel Nacional de Televisão), que possibilita uma visão mais nacional das aferições de audiência, com dados de 15 regiões metropolitanas, podemos ter um paralelo com a audiência do jogo que marcou a estreia da seleção brasileira masculina na Copa América, diante da Venezuela. A transmissão via SBT fez 12,1 pontos, contra 12,9 da Globo, lembrando que os jogos foram realizados em dias e horários diferentes, sendo o masculino num domingo, dia 13 de junho, às 18h, e o feminino numa segunda-feira, 14 de junho, às 16h.

Em que se pese a força que tem por si mesma uma transmissão da TV Globo, não precisamos de explicações aprofundadas para compreender que a audiência de um domingo, fim do dia, e uma segunda-feira, no meio da tarde, divergem consideravelmente pela própria disponibilidade do público e da jornada de trabalho tradicional. Então, o que justificaria um maior consumo por parte do público? Apesar de não estarmos falando de uma competição entre mulheres e homens no futebol, é importante observar o fenômeno em si e o que ele nos diz.

A falta de consumo do futebol de mulheres no Brasil e no mundo sempre foi recheado de tabus e achismos: “O futebol é lento!”, “O futebol delas é chato!”, “É bagunçado” e o tradicional “O futebol feminino não dá audiência”… O fato é que pouca gente se preocupou em observar um fato simples até aqui. Não havia oportunidades às mulheres. Não havia oportunidade de assisti-las, não havia oportunidades de deixá-las competir. Aqui, já que estamos à beira dos Jogos Olímpicos (razão pelas quais as mulheres estão em fases de amistosos), um breve parêntese histórico como amostra do gap do abismo de oportunidades entre gêneros. O futebol nas Olimpíadas para homens acontece desde 1908. Para mulheres, somente a partir de 1996. Mais de 92 anos de “proibição”.

O mais fácil para renegar às mulheres no esporte mais popular do mundo era recorrer a achismos sexistas e pouco (ou nada) fundamentados. No momento em que uma emissora relevante inicia a transmissão em cadeia nacional as respostas dos números revelam-se por si só uma resposta à altura. Em 2019, quando a TV Globo pela primeira vez transmitiu a Copa do Mundo de Mulheres, recordes de audiência se acumularam acerca da modalidade no país (BARRETO JANUÁRIO, LIMA, LEAL, 2020). Mas vocês podem estar se perguntando: o que isso tem a ver com futebol de mulheres no Nordeste? TUDO!

É a falta de oportunidade que leva a modalidade não se desenvolver como deveria na região. A CBF divulgou no fim de março o ranking do futebol de mulheres no Brasil. Apenas a equipe do Bahia apareceu no top 10 de equipes brasileiras – na 10ª colocação. Apesar de uma notória participação efetiva da Bahia, de Pernambuco e do Ceará na modalidade, temos assistido o despontar de times de quase todos os estados da região.

Bahia mulheres
Foto: divulgação Bahia E.C.

No ranking nordestino, o Vitória-BA ocupa o primeiro lugar, seguido do São Francisco-BA. O terceiro lugar é ocupado pelo Sport-PE, seguido do Vitória-PE em quarto e do Tiradentes-PI em quinto. O estado de Alagoas é representado pelo UDA em sexta colocação. O Náutico se encontrada na sétima colocação, seguido do Ceará em oitavo, o Botafogo-PB em nono e finalmente o Cruzeiro-RN em décimo lugar. Muitos desses times pouca gente ouviu falar. Claro que essa realidade se enquadra no futebol masculino também. O pouco investimento, invisibilidade e condições precárias dos clubes nordestinos é uma realidade longínqua. Imagina quando somado a isso vem a questão de gênero, ainda com desigualdade abismal nas mais diversas esferas, incluindo na seleção nacional. É preciso cobrar maior investimento e políticas públicas em prol do desenvolvimento regional nos esportes.

A falta de investimentos na base do futebol de mulheres, a “profissionalização amadora” de muitos clubes na modalidade, além da escassa participação de mulheres em cargos de gestão no futebol (BARRETO JANUÁRIO; KNIJNIK, 2021) e da baixa visibilidade midiática dos times nordestinos no âmbito nacional, são alguns dos entraves para o desenvolvimento da modalidade na região. Mas é fato que a falta de interesse e de visão dos dirigentes dos clubes nordestinos engrossa o caldo. O futebol, infelizmente, ainda é gerido e presidido quase que apenas por homens, como demonstrado pela Sanny Bertoldo (2021) em matéria recente para a Gênero e Número sobre a participação de mulheres na gestão de clubes nacionais. É preciso então haver uma mudanças céleres nas estruturas gestoras do futebol a fim de envolver mais diversidade, olhares plurais e, sim, maior representatividade feminina, para que a modalidade se desenvolva no Brasil como tem ocorrido em diversos países mundo afora. O público tem dado um recado claro com o consumo crescente das partidas protagonizadas por mulheres, o que falta é ação fora de campo.

Referências

BERTOLDO, Sanny (2021). Apenas 2,7% gestores dos clubes de futebol são geridos por mulheres. Gênero e Número. Acesso em: 17 de Junho de 2021

BARRETO JANUÁRIO, Soraya; LIMA, Cecília Almeida Rodrigues; LEAL, Daniel. Futebol de mulheres na agenda da mídia: uma análise temática da cobertura da Copa do Mundo de 2019 em sites jornalísticos brasileirosObservatorio (OBS*), v. 14, n. 4, 2020.

BARRETO JANUÁRIO, Soraya; KNIJNIK, Jorge Dorfman. Novos rumos para as mulheres no futebol brasileiro. In: Futebol de Mulheres no Brasil: emancipação, resistências e equidade, EDUFPE, 2021, no prelo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Soraya Maria Bernardino Barreto Januário

Professora Doutora do Departamento de Comunicação Social - Universidade Federal de Pernambuco e do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos/UFPE.

Daniel Leal

Jornalista pernambucano com mais de dez anos de atividade como repórter esportivo. Mestre e doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Especialista em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais, pela Faculdade Estácio de Sá, e graduado em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Católica de Pernambuco. Membro do Observatório de Mídia: gênero, democracia e direitos Humanos (OBMIDIA UFPE) e da Rede nordestina de estudos em Mídia e Esporte (ReNEme). Pesquisador das temáticas ligadas ao Futebol, Jornalismo, Audiência e Comunicação. E-mail: [email protected]

Como citar

JANUáRIO, Soraya Barreto; LEAL, Daniel. Seleção Brasileira e futebol de mulheres no Nordeste: descaminhos de um mesmo problema. Ludopédio, São Paulo, v. 144, n. 37, 2021.
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