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Sepak Takraw: quando a arte marcial encontra uma bola

Clayton Denis Alino da Silva 3 de junho de 2022
Futebol de rua
Foto: Robert Fowler/Shutterstock

O Sepak Takraw é um esporte tradicional e popular do sudeste asiático, praticado principalmente na Tailândia, Camboja, Malásia, Laos e Indonésia, jogado hoje com uma bola sintética mas que já foi feita das fibras de bambus.

Um esporte que une jogos tradicionais desde o reino do Sião e que traz a leveza e a destreza dos movimentos dos corpos, com movimentos próximos às danças e as artes marciais do sudeste asiático. Tão quanto as comidas típicas da região, que reúnem no mesmo prato o sabor doce ao apimentado.

Principalmente na Tailândia, onde tive o primeiro contato com o esporte, muito me empolgou os movimentos acrobáticos, voleios e bicicletas como os do futebol, a potência dos chutes e a perícia de controle da bola, tudo isto em um esporte que eu nunca tinha visto antes e que ali era jogado por muitas pessoas e em muitos lugares.

O sepak takraw moderno é um esporte coletivo, para tocar a bola é permitido somente utilizar os pés, joelhos, peito e cabeça, principalmente o chute “acanelado” próximo aos executados nas artes marciais da região, como os do muay thai, da Tailândia e do khun khmer, do Camboja. A forma competitiva do esporte assemelha-se ao que conhecemos no Brasil como futevôlei, mas em configurações e dinâmicas diferentes. Jogado em uma quadra curta, de 13,40 metros de profundidade por 6,10 metros de largura e com uma rede não muito alta que mede 1,55 metros de altura e possibilita a leveza dos jogadores em executar movimentos aéreos para ataque e defesa, que dão uma beleza estética e atlética ao esporte com cortadas e bloqueios.

Sepak Takraw
Foto: reprodução

Criado no século XV como um jogo casual no antigo reino do Sião, para promover a atividade física e a saúde dos siameses, o sepak takraw foi organizado para ganhar mais adeptos, já que nos territórios que são hoje Filipinas, Laos, Indonésia, Malásia, Tailândia, Vietnã, Indonésia, Brunei, Mianmar e Mianmar, os povos campesinos jogavam um jogo parecido, derivado do cuju, um dos jogos que deu origem ao futebol moderno que conhecemos.

Assim, como a região, o jogo passou por disputas geopolíticas durante anos, entre os territórios siameses, colonização e a instauração dos Estados-nação, até que em uma convenção em 1960 entre os países da região onde se praticava o jogo, definiu-se uma regulamentação de regras que instauraram a esportificação do jogo e sua competitividade também dando um nome único ao jogo, que era chamado de formas diferentes em cada país, dando a ele um nome composto do malaio – sepak, que significa chutar; e do thai – takraw, que significa bola.

Regulamentado, o sepak takraw passou a fazer parte das grades curriculares dos países sul-asiáticos e o esporte passou a ter ainda mais importância para o ethos nacional nas disputas entre confederações profissionais, tendo a modernização do esporte fomentado o sentimento de pertencimento nacional e também um elo do sudeste asiático.

Se com o tempo o jogo tradicional se tornou um esporte moderno, houve também modificações e reconhecimento pelo planeta, mesmo que ainda dominado pelos países do sudeste asiático, o sepak takraw foi incluído em 1970 nos Jogos da Península Sul-Asiática (SEAG) e em 1990 nos Jogos Asiáticos (ASIAD) e vem se popularizando em outros países pela ISTAF – Federação Internacional de Sepak Takraw, que possui 54 países filiados, inclusive o Brasil, onde foi criado a Confederação Brasileira de Sepak Takraw em 2000.

Sepak Takraw
Foto: reprodução Pinterest

O esporte é disputado por duas equipes, cada uma com três jogadores. A partida consiste em três sets, cada um até 21 pontos, e as equipes precisam vencer dois sets dos três sets totais para vencer o jogo. As pernas, pés e cabeça podem ser usados ​​para fazer contato com a bola, mas não os braços. O jogo é rápido e acrobático, com jogadores batendo na bola em todas as posições, com emocionantes cambalhotas e mergulhos para atacar e defender.

Além do jogo competitivo, também é comum jogar de forma casual, entre amigos em um ambiente mais descontraído. Os jogadores ficam em círculo, com o objetivo de apenas manter a bola no ar entre si.

Popularmente jogado nas escolas, templos budistas e praças da Tailândia, o esporte é também performado em cerimônias religiosas e reais, o sepak takraw é parte da cultura tailandesa e do sudeste asiático e uma união entre as gerações, já que as acrobacias e a competição deixam o esporte bastante empolgante e bem humorado.

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O sepak takraw é um esporte coletivo que resiste às identidades nacionais e a geopolítica do sudeste asiático e que ao mesmo tempo reforça as diferenças dessa região como uma atividade única e de maestria destes países. Ainda que o esporte venha ganhando adeptos em diversos outros países do globo, os países do sudeste asiático ainda são os que possuem melhores resultados, principalmente comparados a outros países em campeonatos mundiais e nos Jogos Asiáticos, sendo a Tailândia o país com mais medalhas conquistadas no esporte.

Diante dos diferentes idiomas falados na região, das formas diferente de jogar, estratégias de vencer e da modernização do esporte e suas regras, o jogo transpõe essas diferenças e continua, ao mesmo tempo, sendo um jogo popular e tradicional, perpetuando-se mesmo com disputas geográficas e socioeconômicas do sudeste asiático, enraizado nas culturas de identidade nacionais e regionais desses países, assim como as artes, a culinária e as lutas.

Sendo o jogo que movimenta a região, pelo compartilhamento ancestral dessa cultura, existe um orgulho discreto no papel cultural e social desse esporte nas culturas e nas formas de compreenderem as atividades do corpo, como as lutas, danças e o trabalho sob esse prisma tradicional, de vigor e delicadeza, de força e habilidade.

Quem sabe um dia não o vejamos nos Jogos Olímpicos?

Ficou curioso para ver uma disputa de Sepak Takraw? Separei um vídeo de uma final entre Tailândia e Malásia para você assistir:

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Clayton Alino-Silva

Fanático por jogos e esportes, tradicionais e eletrônicos - Pesquisa performances e rituais em atividades lúdicas como brincadeiras, jogos e torcer. Bacharel e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e especialista em Antropologia Política pela FLACSO-Argentina. Pesquisador do Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidades (LELuS/UFSCar) desde 2020.

Como citar

SILVA, Clayton Denis Alino da. Sepak Takraw: quando a arte marcial encontra uma bola. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 3, 2022.
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