Sequer a glória eterna explica a emoção de ser palmeirense
A conquista do bicampeonato alviverde na Libertadores é daqueles momentos que se tornam eternos no exato instante seguinte ao acontecimento. Não há nada mais palmeirense que o infindável minuto 53.

Desde que o apito final de Patrício Loustau soou no Maracanã, às 18h58min de 30 de janeiro de 2021, o palmeirense não consegue se concentrar em nada por mais de cinco minutos sem que a imagem do cabeceio de Breno Lopes surja como a representação do paraíso.
A partida ruim, a obsessão, as agruras dos anos perdidos, o calvário que quase levou o clube a cruz, o pífio mundial, tudo é esquecido e vale a pena quando assistimos à cena em que Rony acerta um cruzamento de rara precisão e Breno Lopes é preciso e precioso entregando tudo aquilo que precisava o palmeirense.
Escrevo no presente, pois aquele lance nunca ficará no passado. Palmeirenses carregarão o cabeceio de Breno Lopes pela eternidade. Uns na pele, outros em fotos e vídeos arquivados em gigabytes de paixão, todos no coração e na alma.
Ainda que não tenha sido uma grande partida em campo, a decisão entrou para a galeria de finais memoráveis. O enredo foi contado a partir de um jogo a conta gotas que sufocou palmeirenses e santistas desde antes do apito inicial, pois a semana que antecedeu a final se arrastou por meses.
Havia o histórico recente da Copa do Brasil 2015, havia o histórico de todos os tempos em que a Academia era o único time que jogava de cabeça erguida contra o Santos de Pelé.
Com a bola rolando, muita precaução de lado a lado, um calor infernal digno do Rio 40 graus e a tarde ruim dos destaques Marinho, Soteldo e Rony, assegurou o empate sem gols até os últimos minutos da partida.
Quando tudo apontava para a temida prorrogação, um ilustre coadjuvante roubou a cena e balançou as redes com o gol do título alviverde numa daquelas grandes histórias que só o futebol é capaz de produzir.
A América tem um novo campeão e, no aspecto personagem, o gol do título não poderia ter sido de alguém melhor para o papel. O recém contratado Breno Lopes, vindo do Juventude de Caxias do Sul, disputava a segunda divisão até novembro e foi responsável pelo gol que tirou uma torcida de milhões de uma fila de anos e vidas.
As histórias de Breno Lopes e do Palmeiras mudaram para sempre quando aos 53 minutos do agônico segundo tempo no Maracanã, Rony cruzou na cabeça do iluminado atacante que decidiu o título mais comemorado por palmeirenses nas últimas duas décadas.

Um gol àquela altura do jogo era decisivo. Sem público nas arquibancadas — a não ser os insossos e pasteurizados “covidados” instagramaveis — , o Palmeiras dependeu apenas das vibrações de quem estava em casa e em outras dimensões.
Sempre ressalto a presença de tantos que já deixaram o planeta, mas nunca deixarão o Palestra. A pureza e perfeição da jogada inteira, desde o lançamento de Danilo, são tamanhas que é impossível ignorar a conspiração do universo naquele instante.
Por mais um desses alinhamentos cósmicos, pela contagem oficial, o gol foi assinalado no minuto 99, referência melhor impossível ao título de 1999. A união perfeita entre as duas conquistas que moldaram o palmeirense.
E quem diria que seria como foi. Com um velho conhecido no início da campanha, Luxemburgo não pode ser esquecido por ter comandado a melhor equipe da primeira fase. É verdade que o time não jogava o fino com Luxa, mas é mérito irrefutável do “pofexô”, a coragem para fazer o lançamento da garotada da base no time profissional.
Como não agradecer pelas crias da Academia, que nunca tiveram medo de jogo grande e pareciam veteranos. Patrick de Paula, Gabriel Menino e Danilo, titulares absolutos e protagonistas de um espetáculo particular em Avellaneda contra o poderoso River Plate.
Foi a primeira vez em que o time com a melhor campanha da primeira fase conquistou a taça. A trajetória contada em 13 jogos, com 10 vitórias, dois empates e só uma derrota, aquela contra o River, que quase nos mata, mas que nos fez mais vivos. O time que anotou 33 gols na competição e que teve a segurança do goleiro Weverton, que fez 43 importantes e difíceis defesas na Liberta. Semelhança pouca é bobagem, não é, São Marcos?
Isso tudo sob a batuta de um portuga desconhecido que chegou e arrumou a casa em apenas três meses. Abel Ferreira, o terceiro europeu a conquistar a Libertadores e o primeiro português a conquistar um espaço de destaque na Academia de grandes treinadores, ou como ele prefere, nosso mister, o maior de nossa história.
Também não se pode ignorar a pandemia, pela tragédia humana em que nos lançou e porque bagunçou o calendário e esvaziou os estádios justamente na nossa vez. Num ano tão duro, a Libertadores é presente, é passado, é futuro, mas acima de tudo, é alívio, é esperança, é — desculpem o trocadilho — a nossa libertação de muitas dores.
Somente hoje, mais de um mês depois daquele sábado mágico e, agora, como nos ensinou Abel Ferreira, “de cabeça fria e com o coração quente”, finalmente consigo escrever sobre o que foi vencer a Copa Libertadores da América pela segunda vez nessa existência.
Em 16 de junho de 99, o molequinho de pijama e camisa do Palmeiras pulava de um sofá a outro da sala de casa e era amparado pelos braços mais firmes e afetuosos que conheci. Dessa vez, minha mãe não estava na sala de casa, mas estará sempre no meu coração. Foi nesse coração — que quase parou no minuto 53 — , que ela esteve comigo quando desabei em frente à TV com o apito que pintou a América de verde esperança mais uma vez.
Reside nessa taça a conexão entre aquele garotinho que pulava como louco pela sala de casa numa noite gelada de junho de 1999 e esse homem que ainda tem tanto sonho de criança a realizar.
Essas sensações e laços que o Palmeiras nos empresta estarão sempre em nossos corações, assim como o gol de Breno Lopes, no infindável minuto 53, assim como a Glória Eterna estará para materializar o que é ser palmeirense, ainda que mesmo tamanha conquista não dê conta de explicar o que é esse sentimento, esse estado de espírito.
Era obsessão, agora é, e para sempre será, a mais pura felicidade.