102.26

Síndrome dos domingos vazios

Leandro Marçal 26 de dezembro de 2017

– Próximo!

– Bom dia, doutor Gilson.

– Bom dia. Você é o?

– Marco.

– Marco… Me conta, qual seu problema?

– Doutor, tô me sentindo muito mal já de um tempo. Não consigo dormir direito, uns calafrios estranhos, uma dor de cabeça…

– Certo. E desde quando isso acontece?

– Tem duas ou três semanas.

– Todos os dias?

– Não. Piora domingo de tarde e quarta à noite.

– Me fala mais desses sintomas.

– Chega esses horários e eu olho o controle, já dá enjoo. Mudo de canal e vem a tontura. Vou zapeando e a dor de cabeça só aumenta. Será que vou morrer?

– Não, não. Pelo menos por agora, não. Gosta de futebol?

– Muito, doutor, muito.

– Certo. E como fica quando seu time perde?

– Ah, cê sabe, doutor. Triste, sem falar com ninguém.

– Entendi. E quando ganha?

– Ah, eu comemoro, né?

– Certo. Tem canal de jogos na sua TV?

– Claro, doutor, claro!

– Qual?

– Ah, todos. Campeonatos europeus, nacionais, sulamericanos. Posso ver tudo, doutor.

– Certo, deixa eu fazer a receita.

– É grave?

– Não muito, em algumas semanas passa.

– Que bom, doutor, eu já não sei mais o que fazer. Minha esposa tá preocupada também.

– Tá aqui, é simples. Isso é síndrome dos domingos vazios, é normal em fim de temporada. As reações são as mesmas de um viciado em abstinência.

RIO DE JANEIRO / BRASIL (03.12.2017) Thiago Neves, no jogo, entre Botafogo e Cruzeiro, no Estádio Nilton Santos, no Rio de Janeiro-RJ, pela 38ª rodada do Campeonato Brasileiro © Rafael Ribeiro/Light Press/Cruzeiro
Cadê o grito de gol? Foto: © Rafael Ribeiro/Light Press/Cruzeiro.

– Meu Deus!

– Se afasta da televisão domingo de tarde e quarta à noite. Corre no parque, olha a rua, que seja. Se não adiantar, dá uma olhada nesses canais da internet que anotei, só jogos antigos. Daí relembra os melhores momentos desses títulos aqui.

– E como cê sabe meu time, doutor?

– Olha sua camisa.

– Pôxa, é mesmo! Nem reparei.

– Normal. Nesses casos, o futebol sempre fica no inconsciente. Mas relaxa, isso passa. Mal existe pré-temporada por aqui mesmo. Logo logo seus domingos e quartas ficam cheios.

– Graças a Deus, doutor, graças a Deus.

– Ou aos cartolas. Talvez os estaduais não vão dar conta e vai sentir esse mesmo vazio, mas não se preocupa, não. Essa época vai passar. Ah! Evita acompanhar esses noticiários, especulações. Não quero receitar remédios,hein?

– Obrigado, doutor, muito obrigado. Vou seguir as recomendações.

– Eu também já passei por isso e só melhorei depois que meu time foi rebaixado.

– Nossa, mas foi difícil?

– Foi um pouco, mas com o apoio da família e um bom tratamento a gente supera.

– Obrigado, doutor, obrigado.

– Disponha. Próximo!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Síndrome dos domingos vazios. Ludopédio, São Paulo, v. 102, n. 26, 2017.
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