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Sobre efeméride, livro e escuta: reflexões sobre os últimos eventos de mulheres nos esportes

Luciane de Castro 29 de abril de 2021

E abril de 2021 caminha para o fim. Oxalá é mais! Parece chover no molhado, mas é preciso dar o tom deste texto com fins de expurgo: os 80 anos da proibição. Se alguém, ainda, não está informado sobre o assunto, sugiro dar um google por aí. Tem muito material disponível.

Futebol feministaPrimeiro é preciso falar do livro “Futebol Feminista – Ensaios“, escrito em parceria com o compa Darcio Ricca e que caminha, neste momento, para a reimpressão. Parir um livro é difícil, especialmente para alguém tão fechada com a crônica como eu. Sou filha de Oyá, o que de certo modo ilustra minha natureza fugaz e a impaciência para permanecer agarrada às coisas por muito tempo. Não me levem a mal, não é nada pessoal!  Finalizar o livro, vê-lo impresso e entregá-lo aos apoiadores, colocou fim a uma espécie de calvário. Aquele sentimento de dever cumprido de parte de uma vida dedicada às letras.

Posto o devido desabafo, convém falar da abordagem e público alvo da obra.

Ao pensar a integração das mulheres responsáveis pelas conquistas que impuseram avanços à sociedade e os marcos do futebol de mulheres no Brasil, a grande dúvida era como organizar a narrativa de modo que se tornasse interessante. Na sequência, a pergunta era “para e com quem queremos falar?”. Em algo em torno de duas horas de conversa pelo telefone, eu e Darcio optamos pelo espetáculo da transmissão de um jogo como elemento da narrativa.

Traçar a caminhada das mulheres a partir de uma partida de futebol foi, não só elementar, como dinamizador do diálogo com os não participantes desta nossa esfera ludopédica/política, afinal, é unânime o poder de comunicação do esporte mais popular deste nosso planetinha ultimamente tão febril.

Deu-se então que o “jogo” fluiu. O entrosamento do contexto com a pesquisa, das letras de Darcio com as minhas, da construção do espetáculo com toque político sem abandonar jamais o lúdico e o imponderável, condições fundamentalmente presentes em qualquer campo de jogo. Gestar, parir e observar os primeiros passos da obra em direção ao público, sua aceitação, críticas que ainda não vieram – e que espero, venham – e, principalmente, seu encontro com a nova geração, agora é parte integrante deste “álbum” que se chama Luciane de Castro.

Passei pela vida e deixei um livro. E esta vida de escrever (tão latente em mim desde os primeiros contornos das vogais) tem deixado em mim um rastro absolutamente maravilhoso de afetos – e desafetos também, porque filha de Oyá não agrada geral, rigorosamente – e possibilidades incríveis. E entre essas possibilidades – e elas são muitas! – a mais recente e não menos potente: curar o webnário “Proibidas e Insurgentes – Os 80 anos da lei que vetou mulheres nos esportes”, proposto pelo amado Museu do Futebol.

Museu do Futebol
Sala origens do Museu do Futebol. Foto: Museu do Futebol.

Ao lado da parceira, mana à vera, Silvana Goellner, traçamos temas impostos pela bizarra proibição e levamos atletas das mais variadas modalidades, jornalistas e acadêmicas para o exercício da escuta e reflexões sobre os espaços ocupados pelas mulheres no universo esportivo. Histórias potentes como a de Aída dos Santos, Edinanci Silva, Tita Tavares, Soraia André, Dilma Mendes, Joana Maranhão, Yane Marques, Vanessa Pereira e Alessandra preencheram os finais de tarde das terças-feiras de força e fôlego para seguirmos e muito mais conscientes da importância do estreitamento dos laços afetivos tendo o esporte como fio condutor, como elo.

Foi possível refletir sobre os acontecimentos do passado procurando traçar estratégias para que não nos sujeitemos a mais cerceamentos dos corpos. Visibilizamos histórias, lutas e obstáculos a que a estrutura patriarcal/machista sempre nos impôs e segue tentando impor das mais variadas maneiras. Articular com essas mulheres e observar o envolvimento da audiência – qualificadíssima, diga-se de passagem! – com nossa proposta e as possíveis parcerias que surgirão a partir daí, não apenas tornou o webnário um fato marcante e potente dos últimos meses deste momento pandêmico, como também foi determinante para afirmar: a construção é política e COLETIVA!

Também é preciso falar do lançamento do Audioguia Mulheres do Futebol do Museu, articulado pela pesquisadora Aira Bonfim, nossa parceira em tantas frentes, e que chegou para fortalecer o acesso à história das mulheres no futebol no último século. A partir daqui é possível escutar todos os episódios.

Todos os encontros estão disponíveis no canal do Youtube do Museu do Futebol, que pode ser acessado a partir daqui.

E sigo para o encerramento do mês de uma efeméride importante para toda a compreensão da nossa história como mulheres envolvidas e apaixonadas pelos esportes. O ano avança, a vacina não chega, o governo não cai, facho/genocida não vai pra poste, as incertezas se acumulam, o terror de uma pandemia que parece nunca ter fim segue instalado e no meio disso tudo encontramos espaços para a troca, para o urgente e necessário.

Avancemos. Não com pressa, mas com força e consistência. Os cães sempre ladrarão, mas a nossa caravana jamais vai parar!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. Sobre efeméride, livro e escuta: reflexões sobre os últimos eventos de mulheres nos esportes. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 59, 2021.
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