95.3

Sobre ofensa, oportunismo e Jornalismo

Marcos Teixeira 3 de maio de 2017

“Sou homem pra c…!”

“Suei muito para chegar aqui!”

“Eu estudo. Não cheguei por acaso!”

O que poderia ser uma autoanálise e mais pareceria argumento de quem está se preparando para uma entrevista de emprego, é a prova de que Eduardo Baptista está pressionado. Alguém à vontade, confortável, não teria a reação que ele teve após a épica vitória sobre o Peñarol, no Uruguai, por 3 a 2 de virada.

Fazia mais de 40 anos que o Palmeiras não vencia em terras cisplatinas. É provável, caro leitor, que você ainda não tenha sido dado à luz quando o Verdão venceu no Uruguai pela última vez. Já seria assunto suficiente para o pós jogo.

Seria.

Não foi porque os aurinegros resolveram armar uma tocaia aos palmeirenses ainda no gramado do Campeón del Siglo, porque Felipe Melo foi perseguido e reagiu, porque os 19 seguranças palmeirenses evitaram uma tragédia. E porque Eduardo Baptista resolveu falar.

Logo no início da coletiva de pós jogo, começou a fazê-lo com firmeza, que deu lugar à indignação e meia dúzia de socos na mesa enquanto o volume da voz ia aumentando, até que exagerou no tom. Tudo que é exagero, sobra, e, neste caso a sobra é o exagero no argumento que lhe tira a razão.

Sem citar o nome, cobrou do jornalista Juca Kfouri que revelasse a fonte que lhe disse que ele foi “convencido” a escalar Róger Guedes contra a Ponte Preta. “Não sou maleável! Exijo respeito! Sou homem pra caralho!”

A torcida, é claro, adorou. Este é o papel dela. E Eduardo Baptista aproveitou para sair, mesmo momentaneamente, de questionado para assumir uma condição de herói, de quem suportou a pressão com estoicismo e que se insurgiu contra as injustiças causadas por um jornalista malvado que apenas fez seu papel.

Quando o sujeito precisa ficar se explicando muito, é porque algo está errado. Ou, como diz um antigo provérbio português, “Quem se escusa, se acusa”. Gosto muito dos provérbios portugueses.

O técnico Eduardo Baptista, da SE Palmeiras, concede entrevista coletiva após treinamento, na Academia de Futebol.
O técnico Eduardo Baptista do Palmeiras. Foto: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação.

Já disse Willian Randolph Hearst (1863-1951), jornalista americano que serviu de inspiração para o personagem protagonista do filme Cidadão Kane: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém quer que não se publique. Todo o resto é publicidade”. Juca tinha a informação, passada por uma fonte de sua confiança. Se ele a julga relevante o suficiente para ser notícia e tem confiança em quem a passou, vai segurar por quê? Isso é jornalismo! Todos, principalmente jornalistas, deveriam saber disso.

Como se não bastasse, Baptista exigiu que Juca, de quem não falou o nome, falasse quem é sua fonte. Não, professor, o jornalista não revela sua fonte e isso não só é sagrado na profissão como é previsto em lei, e esta é a matéria-prima do jornalismo. Assistam ao filme O Informante e entendam, caso discordem. A reação do treinador é compreensível, mas colocar em dúvida o procedimento do jornalista não tem o menor cabimento.

É preciso entender o contexto. Baptista explodiu daquele jeito porque está pressionado. Está pressionado porque seu trabalho é pífio à frente do elenco mais caro da América do Sul. É pífio porque não consegue dar padrão ao time e porque, a cada jogo, o nome de Cuca ecoa na sua. E também porque o Palmeiras ganhou um jogo complicado, mas que só foi assim por causa do desempenho horroroso do primeiro tempo, quando o sistema escolhido por ele não deu certo. Seu mérito foi entender a bobagem que fez e consertar. O lado bom foi admitir o tamanho do erro e não se debruçar em números para justificar uma escolha equivocada.

Foi oportunista.

Eduardo Baptista tem todo o direito de se sentir ofendido e é perfeitamente compreensível que assim seja, mas existe a Justiça para pedir a reparação, não uma entrevista coletiva, onde não há replica, onde os comportados repórteres perguntam, mas não questionam, onde Juca Kfouri não estava para responder. Insisto: Juca confia na fonte e por isso deu a informação. É mentira? Que seja interpelado judicialmente e prove.

Só Eduardo sabe onde e o quanto incomoda ter sua competência posta à prova a cada rodada depois de ter se preparado, ter estudado tanto, como ele mesmo disse, como se isso desse a garantia de que o trabalho é bem feito. Defendo que a diretoria deva dar condição e respaldo para que ele trabalhe e possa, com tempo e condição para isso, ter a chance de apresentar seu trabalho da melhor forma, mas não é dando esse tipo de chilique que ele irá conseguir o respeito que julga merecer.

Mesmo porque sua aura de herói, como todas as verdades do futebol, irá durar somente até a próxima partida ruim.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. Sobre ofensa, oportunismo e Jornalismo. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 3, 2017.
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