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‘The Mavericks’ e o beisebol das ligas secundárias estadunidenses

Wagner Xavier de Camargo 5 de junho de 2022

Eis que numa das noites frias deste outono, procurando opções relacionadas a esportes, descubro The Battered Bastards of Baseball, ou algo como “Os batedores bastardos do beisebol”, um documentário no catálogo da Netflix.

Inclusive, diga-se de passagem, um verdadeiro tesouro escondido. The Battered Bastards conta a história de The Mavericks, uma errática e não convencional equipe de beisebol, fundada no início dos anos 1970, na cidade de Portland, Estados Unidos.

A história é longa e vale assistir o documentário. Mas algum spoiler aqui é possível, na medida em que também vou colocar os acontecimentos em perspectivas histórica e sociológica.

Netflix
Fonte: divulgação Netflix

O beisebol nos Estados Unidos é um esporte de grande apelo popular. Foi inventado lá em meados do século XIX e sistematizou suas regras ainda durante este período, como ocorreu com outros esportes considerados modernos, em outras partes do mundo.

É uma modalidade relativamente simples de entender: em um time há o pintcher (lançador), o runner (rebatedor) e o catcher (apanhador). O runner deve rebater a bola para longe, a fim de correr as bases e mover a equipe. Há três tentativas para isso.

Como a maior parte dos brasileiros, também não sou fã de beisebol. Há um fato curioso, no entanto, que me fez prestar a atenção nele, nos idos de 2006: uma visita guiada ao Wringley Field, campo do Chicago Cubs, por um ex-funcionário.

Havíamos nos conhecido num dos famosos bares gays de Halsted Street (em Chicago), nos idos do verão daquele ano. O jogo de beisebol que assisti do Cubs (contra Pittsburgh Pirates), em agosto de 2006, foi uma aula de esporte e de história.

O documentário da Netflix dá luz à trajetória dos Mavericks, uma equipe de ligas secundárias, as quais se tornaram extremamente comuns até a metade do século XX no país. O time foi criado por Bing Russell, um conhecido ator hollywoodiano coadjuvante de filmes de western.

Bing era apaixonado pela modalidade e ex-jogador profissional. Mas queria mesmo mostrar que o beisebol poderia prevalecer sobre interesses econômicos, que nos idos dos anos 1970 cooptavam a modalidade.

Com a saída dos Beavers da cidade de Portland e a mudança de Bing com a família para lá, a equipe The Mavericks então é criada. Em algumas tomadas antigas do documentário se pode ver e ouvir o próprio Bing explicando seu propósito inicial: criar um time independente das ligas principais de beisebol, com gente que quisesse se divertir jogando.

Foi assim que ele reuniu um grupo de jogadores e ex-jogadores, “acima dos 30 anos, peludos, barrigudos e divertidos”, como Kurt Russel, seu filho, afirma nas entrevistas.

Detalhe interessante: para quem conheceu o icônico Kurt Russel nos filmes dos anos 1980 (astro de “Fuga de Nova Iorque”, por exemplo), nem poderia imaginar que ele foi jogador de beisebol no Mavericks! Aliás, sua carreira no cinema teve um hiato de 8 anos devido à participação no esporte.

O sucesso dos Mavericks foi estrondoso entre 1973 e 1977 e eles quebraram todos os recordes de presença de público nos jogos das ligas secundárias estadunidenses.

A experiência do time em Portland causou problemas para a Major League (liga principal) e o que se desenvolve em 1978 é o clímax desta história incrível, narrada por parte de seus protagonistas, no documentário citado.

Por causa do sucesso da equipe, atualmente existem mais de 65 clubes independentes jogando em todo o país. Há, inclusive, trânsito de bons jogadores de tais clubes em equipes das ligas principais.

Um deles é Brett Netzer, brilhante jovem de 25 anos de ligas secundárias, que acabou enterrando sua carreira ao publicar nas redes sociais em fevereiro deste ano que tinha orgulho de ser racista e homofóbico. Netzer foi desligado do Boston Red Sox.

Em retaliação, acusou o diretor executivo do clube, Chaim Bloom, de ser “uma vergonha para judeus que seguem o Torah” por apoiar pessoas LGBT e o movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter).

Brett Netzer
Brett Netzer. Foto: reprodução Youtube

Assim como outros jogadores (e atletas) jovens de outras modalidades esportivas, Netzer precisa ler mais, principalmente sobre a história de pessoas e clubes que vieram antes. Talvez com isso se torne não apenas mais consciente, como consiga honrar o lugar de onde saiu.

Aliás, talvez Netzer possa começar assistindo The Battered Bastards of Baseball. Fica a dica!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Wagner Xavier de Camargo

É antropólogo e se dedica a pesquisar corpos, gêneros e sexualidades nas práticas esportivas. Tem pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Carlos, Doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e estágio doutoral em Estudos Latino-americanos na Freie Universität von Berlin, Alemanha. Fluente em alemão, inglês e espanhol, adora esportes. Já foi atleta de corrida do atletismo, fez ciclismo em tandem com atletas cegos, praticou ginástica artística e trampolim acrobático, jogou amadoramente frisbee e futebol americano. Sua última aventura esportiva se deu na modalidade tiro com arco.

Como citar

CAMARGO, Wagner Xavier de. ‘The Mavericks’ e o beisebol das ligas secundárias estadunidenses. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 5, 2022.
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