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Todo fato tem pelo menos dois lados: o futebol e o jornalismo esportivo

No dia 26 de abril de 2017 o jornalista Juca Kfouri publicou um texto intitulado “Roger Guedes foi tirado da concentação”[i]. Na notícia, que pouco contribui para a análise do futebol, Kfouri apresenta que existe um jogo de interesses no futebol e que envolve quatro personagens: o homem forte do futebol do Palmeiras Alexandre Mattos, o jogador Róger Guedes que teria ficado insatisfeito com a condição de reserva, os empresários de Guedes que, por sua vez, tem interesse em vender o jogador para o mercado italiano, e o quarto personagem, apontado por Kfouri como “maleável”, o técnico Eduardo Baptista. O ápice desse imbróglio todo foi uma discussão entre Felipe Melo e Róger Guedes. As imagens feitas por um cinegrafista da Rede Globo captaram apenas a fala do Felipe Melo ao Roger Guedes, sem especificar o que a teria provocado: “Porra, assim fica difícil, meu irmão. Tá falando pra caralho, hein? Me respeita, porra. Você é moleque, me respeita, porra. É moleque pra caralho”.

Como forma de se defender de um texto especulativo e não investigativo, como o jornalismo deveria ser, Kfouri já alerta sobre as informações que coloca no material: “Desnecessário dizer que a informação só é confirmada por fontes que não querem ser reveladas e que garantem a participação de Alexandre Mattos, homem forte do futebol do Palmeiras, para botar panos quentes e evitar vazamentos e punição ao atleta”. Se as fontes não quisessem ser reveladas não seriam fontes, não?

Por sua vez é necessário dizer que é falsa a ideia de que um time de futebol, assim como qualquer outra profissão, que as pessoas sejam realmente amigas. Pelo contrário, são poucos os amigos que existem no ambiente de trabalho seja no futebol ou fora dele. Daí que a notícia de Kfouri deveria ser melhor investigada. Especular sobre a vida alheia e o “racha” no elenco não agregam nada ao jornalismo que o próprio Juca Kfouri defende. E, sabendo que há racha em boa parte das equipes por que não investigar esse tema em vários clubes? A presença dos empresários que pressionam treinadores não é exclusividade do Palmeiras. Os empresários possuem grande poder dentro dos clubes. Por que não investigá-los?

Voltemos aos fatos. Porém, antes de ir ao jogo contra o Peñarol, é preciso lembrar a partida que antecede ao jogo no Uruguai. Depois do Palmeiras perder por 3 a 0 para a Ponte Preta na semifinal do Campeonato Paulista em um jogo em que o Palmeiras atuou muito mal o técnico Eduardo Baptista resolveu mexer na equipe em busca de conseguir reverter o resultado na partida que foi realizada no Allianz Parque, estádio do Palmeiras.

O jogador Róger Guedes, da SE Palmeiras, disputa bola com o jogador Rodriguéz, do CA Peñarol, durante partida válida pela primeira fase, da Copa Libertadores, no Estádio Campeón Del Siglo.
O jogador Róger Guedes, do Palmeiras, disputa bola com o jogador Rodriguéz, do Peñarol, durante partida válida pela primeira fase, da Copa Libertadores, no Estádio Campeón Del Siglo. Foto: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação.

Em minha opinião de torcedor palmeirense, que não acompanha o dia a dia do treinamento (e isso pode gerar problemas na minha análise, mas estou ciente disso e preciso correr esse risco) comentei com pessoas próximas que considerava equivocado o modo como Eduardo Baptista armou a equipe na segunda partida contra a Ponte Preta. Para mim suas escolhas não foram boas. Mas, claro, é ele que está diariamente lidando com o time. Sei que ele optou pelas melhores opções amparado pelo que acontece nos treinos e que queria vencer. Enquanto torcedor me perguntava na falta de sentido das escolhas. Se até então suas principais jogadas vinham sendo de bola parada por qual motivo ele não colocaria os jogadores mais altos? Por que manter no time um cansado Zé Roberto ainda mais depois de uma partida exaustiva contra o Peñarol? Por que não manter o Fabiano no time até para dar moral ao jogador depois de fazer o gol da vitória contra o Peñarol? Por que o Keno não tem chances de ser titular sendo que sua participação, quando entra no jogo, muda a forma do time jogar. Enfim, questionamentos de um torcedor que quer que seu time sempre vença.

A vitória por 1 a 0 sobre a Ponte Preta no segundo jogo da semifinal eliminou o Palmeiras. Na sequência de jogos, a partida seguinte seria novamente contra o Peñarol. Alguns fatos também compõem o enredo dessa segunda partida contra o time uruguaio. Logo que o jogador Felipe Melo foi contratado ele misturou, em sua fala na coletiva de imprensa, raça com violência e afirmou que se fosse preciso daria tapa na cara de uruguaio. Sua fala foi analisada no sentido literal e gerou uma grande repercussão. Outro fato para potencializar ainda mais os ânimos dessa partida no Uruguai está diretamente relacionada com a vitória palmeirense no primeiro jogo em que a vitória foi conquistada nos acréscimos, considerado por muitos como um acréscimo excessivo. Fato que virou muitos memes em tempos de internet. Houve também muita confusão provocada pela catimba uruguaia gerando reclamações dos jogadores do Palmeiras.

Portanto, a partida contra o Peñarol carregava ingredientes explosivos. Além disso, a vitória por parte dos uruguaios representava a chance de se manter na disputa da Libertadores. O técnico Eduardo Bapista novamente mudou a equipe. É óbvio que mudou para acertar a forma como o time joga. Entrou com três zagueiros e retirou do time o jogador Tchê Tchê que, em minha opinião, é um dos pilares do time. Quando você tira o pilar a estrutura se quebra e o Palmeiras sucumbiu a pressão uruguaia. Os 2 a 0 para o Peñarol poderiam indicar que realmente o time estava rachado, sem padrão de jogo e com um técnico que até então não parecia mudar de feição diante dos problemas que vinha encontrando. Sorte de Eduardo Baptista que teria o segundo tempo para reverter a forma como o time jogava.

Essa visão de Eduardo Baptista como maleável, para usar o termo de Kfouri, não se confirmou no segundo tempo. Na volta do intervalo, duas modificações mudaram a configuração do modo de jogar do Palmeiras. Trocou Egídio por Tchê Tchê e deslocou Michel Bastos para a lateral esquerda. Veja que ousou na substituição, provavelmente porque deve treinado essa opção, não colocando o Zé Roberto para jogar, fato que seria esperado por um técnico que parecia agir de forma protocolar; e tirou o zagueiro Vitor Hugo (no primeiro tempo jogou com três zagueiros) e colocou o atacante Willian.

A virada para 3 a 2 credenciava o Palmeiras como líder do grupo e deixava os uruguaios em último lugar do grupo. Após o apito final do árbitro houve uma confusão generalizada tendo como principal foco o jogador Felipe Melo. Os jogadores e comissão técnica do Palmeiras tentou ir para o vestiário, mas o clube uruguaio covardemente fechou as saídas para esse espaço. Essa vitória pode ser capaz de criar uma integridade em um grupo “abalado” e “rachado”.

Vencida a adrenalina do momento e tendo que cumprir os rituais pós jogo o técnico Eduardo Baptista foi para a entrevista coletiva. O Palmeiras deveria ter boicotado esse espaço diante do ocorrido. Não falar sobre o jogo no calor dos fatos seria algo sensato a ser feito. Mas os protocolos estão aí e devem ser seguidos também no mundo do futebol. Logo nas primeiras explicações o clima tenso do final da partida continuou na fala do técnico Eduardo Baptista. Veja abaixo:

 

Seus berros não foram a melhor forma de se expressar, mas se coloque no lugar do treinador? Não para justificar o que ele fez mas para saber se você faria diferente. Conforme pontuei até aqui ele estava pressionado pelo futebol ruim que a equipe vinha apresentando nas últimas partidas, havia a especulação de um racha no elenco, perdeu o primeiro tempo sem ter chances de praticamente chutar no gol adversário, acertou nas substituições e virou a partida e, por fim, viu sua equipe se envolver em uma briga generalizada após ser impedida de sair de campo. Depois disso tudo teve que falar sobre sua equipe e suas decisões. Logo o tema do “racha” voltou a aparecer.

Enquanto Eduardo Baptista mandava o recado para Juca Kfouri sem mencionar o nome do jornalista, Juca, também colocado no calor do momento ao ver a coletiva ao vivo escreveu, às 00h28, um texto para seu blog intitulado “Professores de jornalismo”[ii]. Nele Juca afirma que, além das redes sociais serem repletas de professores de jornalismo, “também técnicos de futebol querem dar aulas de jornalismo”. Ainda cita que a Constituição Federal garante o sigilo das fontes jornalísticas. Legítimo, portanto, que não indicasse em sua primeira publicação.

No entanto, o problema da questão, em minha opinião, não está na questão da fonte tal como menciona Eduardo Baptista. Aliás, quando Eduardo Baptista pede para que Juca divulgue essa informação ele quer saber quem pode ser o “traíra” que está entre eles. A pergunta que fica é a seguinte: será que a pessoa que o informou sobre o texto do Juca Kfouri (se é que recebeu a informação de alguém) não seria a mesma que é a fonte do jornalista? Não saberemos, mas pode ser uma hipótese (especulativa, é verdade…), afinal, em qualquer lugar existe a figura do “leva-e-traz”.

O técnico Eduardo Baptista, da SE Palmeiras, em jogo contra a equipe do CA Peñarol, durante partida válida pela primeira fase, da Copa Libertadores, no Estádio Campeón Del Siglo.
O técnico Eduardo Baptista durante a partida contra o Peñarol no Uruguai. Foto: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação.

Para mim o problema está no modo como as fontes são usadas. Nesse caso entendo que o texto do Juca falando do racha pouco agrega para o mundo do futebol. Parecia um setorista que cobre algum clube grande e que quer dar um furo de reportagem para ser lembrado dentro do jornalismo esportivo. Esse seria o paradoxo exatamente porque Juca não se propõe a tomar esse tipo de caminho em suas matérias.

Se disse que Eduardo Baptista erra no tom da resposta, exaltando-se, Juca também erra a mão ao utilizar um ar professoral que, nesse caso, remete a uma superioridade quando afirma que técnicos de futebol querem dar aulas de jornalismo. Coloca o jornalismo dentro de um limite que, se tomado por esse argumento de ser formado em jornalismo, o excluiria da sua atividade principal, o próprio jornalismo. Juca é formado em Ciências Sociais e não em jornalismo. Não quero aqui corroborar com a ideia de uma reserva de mercado de uma atividade que para ser bem executada necessita de muita experiência dentro das estruturas jornalísticas e, reforço, é algo que o Juca possui.

Nessa briga que mais parece uma divergência infantil ambos deveriam se retratar, nomeando-os uns aos outros com todas as letras. Juca poderia pedir desculpas a Eduardo Baptista pelas palavras que proferiu sobre ele e sobre a especulação do racha na equipe. Eduardo Baptista poderia pedir desculpas ao Juca Kfouri, pessoa que admira conforme falou na coletiva, quanto ao tom que se manifestou diante de seu descontentamento com os comentários do jornalista.

Isso seria fundamental para salvar uma noite que tinha tudo para ser uma das maiores viradas do Palmeiras dos últimos tempos e entender que futebol e jornalismo não podem se separar. E que ambos só precisam ser bem jogados.

[i] http://blogdojuca.uol.com.br/2017/04/roger-guedes-teria-saido-da-concentracao/

[ii] http://blogdojuca.uol.com.br/2017/04/professores-de-jornalismo/

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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Todo fato tem pelo menos dois lados: o futebol e o jornalismo esportivo. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 1, 2017.
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