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Tópicos sobre futebol e boxe em Cuba

Fabio Perina 13 de agosto de 2021

O mote inicial para escrever esse texto seria a cobertura da recente edição da Copa Oro da Concacaf. Um torneio por si só fora de campo cheio de peculiaridades (vide essa edição como a maioria das demais com sede única nos Estados Unidos). A começar pela geopolítica com sua grande diversidade regional com seleções da América do Norte, América Central, Caribe e até América do Sul (Guiana e Suriname por não pertencerem à Conmebol; além de casos ainda mais peculiares de colônias francesas como Guiana Francesa e Martinica que nesse torneio possuem sua própria seleção!). Infelizmente o título dos Estados Unidos sobre o México (ainda mais nos últimos minutos de prorrogação) me fez desistir desse objetivo. (Ainda mais com os “deuses do futebol” punindo o México por jogar em território inimigo com uniformes cada vez mais horripilantes: no caso preto com detalhes em roxo). Menos mal que no confronto direto em finais e no total de títulos na Copa Oro os mexicanos seguem bem a frente de seus inimigos.

(Obs: um fato extracampo crucial prévio a essa edição do torneio, que teve alguma repercussão na mídia alternativa brasileira política e esportiva, foi a vergonhosa proibição dos jogadores de Cuba participarem por terem seus vistos de entrada negados para o território inimigo! O que é sintomático de ser contemporâneo ao agravamento do bloqueio econômico imposto por Washington. Assim, o novo mote do texto passa a ser o aniversário de 95 anos do nascimento do eterno comandante Fidel Castro nesse dia 13 de agosto).

Fidel Castro Teófilo Stevenson
Fidel Castro e Teófilo Stevenson. Foto: Reprodução redes sociais

A mudança de rumo para falar de Cuba passa primeiro por uma breve apresentação da formação histórica esportiva do Caribe. Pois há a peculiaridade que o futebol de influência britânica teve que concorrer em seus primórdios com o boxe e o beisebol de influência estadunidense. E até hoje América Central, Caribe (exceto Cuba) e principalmente o México seguem fornecendo importantes atletas para o boxe profissional nos Estados Unidos. Em suma, há o paralelo entre a mão-de-obra no boxe e o pé-de-obra no futebol sendo similar com vários talentos profissionais latino-americanos irem se destacar nos maiores espetáculos nos países mais ricos. Já no boxe amador Cuba continua sendo um importante medalhista principalmente em Pan-Americanos e Olimpíadas. Como veremos a seguir algumas implicações políticas disso.

Já voltando para os dias atuais, ao acompanhar vários blogs (principalmente do UOL Esporte e Globo Esporte) que destacam um intenso ativismo político dos atletas na recente edição das Olimpíadas de Tóquio, é preciso destacar que alguns dos casos mais emblemáticos a serem lembrados envolvem lutadores cubanos. Primeiro, na luta olímpica, com a grande façanha de Mijaín López obtendo seu quarto ouro consecutivo. Um feito para poucos nas modalidades individuais em geral. Inclusive superando a façanha do seu compatriota no boxe: o lendário Teófilo Stevensson (72, 76 e 80). Segundo, no boxe, com a grande façanha de Julio Cesar La Cruz com o ouro com implicações esportivas tão importantes quanto as políticas. Pois uma das lutas anteriores foi contra o cubano Emmanuel Reyes, porém desertor competindo pela Espanha, que prometeu caso vencesse declarar “Patria y vida” (o lema da oposição à revolução financiada pelo imperialismo). A vitória de La Cruz foi seguida de imediato pela manifestação no ringue com o lema da revolução: “Patria y vida No! Patria o muerte, veceremos!”. O que faz recordar o orgulho de Stevensson da revolução não foi caso isolado, mas um posicionamento de ampla maioria dos boxeadores cubanos de várias gerações.

Mijaín López
Mijaín López. Foto: Divulgação
Julio César La Cruz
Julio César La Cruz. Foto: Wikipédia

Obs: Por nesse breve texto trazer alguns fatos da conjuntura recente evidente que também é preciso mencionar como positivo o excelente desempenho do boxe brasileiro. Mas também é preciso mencionar como negativo o comentário desnecessário de Juca Kfouri como se a humanidade precisasse proibir o boxe para avançar em seu estágio civilizatório! Das muitas críticas legitimamente feitas a essa declaração absurda, uma que foi menos frequente e acrescento é que em um mundo mais civilizado certamente haveria mais lutas e menos bloqueios (como dos estadunidenses) e menos armas (como do bolsonarismo). O que por ironia o experiente comentarista se posiciona todos os dias contra o bolsonarismo, mas nessa hora parece que se esqueceu disso…

Em suma, o bloqueio econômico dos Estados Unidos sobre Cuba impõe enormes dificuldades nos últimos 60 anos à ilha. Mas também forja gerações de guerreiros como lutadores e treinadores acostumados a “tirar leite de pedra” com meios e métodos de treinamento materialmente primitivos, mas humanamente avançados. Está aí mais uma Olimpíada para comprovar isso. O que deixa como primeira lição que muito se fala que em Cuba o Estado investe muito em esporte. Mas o que precisa ser complementado é que isso é uma consequência e uma coordenação com se investir principalmente em saúde e educação. Fornecendo imensos benefícios aos futuros atletas e principalmente à população em geral. E uma segunda lição, distinto do futebol (em uma época que tanto se fala com razão da alienação dos jogadores), ainda bem que no boxe ainda existe o amadorismo para ser esse contraponto simbólico com a excessiva mercantilização e espetacularização dos esportes em geral.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Tópicos sobre futebol e boxe em Cuba. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 24, 2021.
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