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Torcedores do Santos exigem participação em nova arena

CarlosCarlos 20 de abril de 2021

Em tempos tão desesperançados no sentido de lutas e organizações coletivas em prol de objetivos comuns, a torcida do Santos dá exemplo ao unir várias torcidas, associações e grupos em prol de uma causa única: a exigência que as vozes dos torcedores sejam ouvidas e consideradas no que diz respeito ao novo projeto para o estádio Urbano Caldeira, conhecido mundialmente como Vila Belmiro.

A responsável pelo projeto arquitetônico da nova arena é a W/Torre, famoso conglomerado que construiu o Allianz Parque, atual estádio do Palmeiras, antigo “Parque Antártica”.

A COPAV – Comissão Popular Alçapão Vivo – deixou claro através de seu manifesto (disponível na íntegra ao final desse artigo) que ela vem com o intuito de chamar a atenção dos dirigentes santistas e da própria W/Torre para o fato de que a torcida tem direito legítimo e histórico de opinar nesse momento tão importante para o seu time do coração, no caso o Santos Futebol Clube.

A Comissão, ao ressaltar que “A ampliação da Vila Belmiro e sua adaptação aos novos desafios do esporte são sonhos antigos da torcida santista”, deixa claro que é a favor de mudanças positivas ao Santos, mas não a qualquer custo, e ressalta que anseia por “um estádio que assuma o legado da Vila Belmiro e não apenas uma obra padronizada sem qualquer ligação com a nossa essência”.

Projeto “Nova Vila”.
Projeto “Nova Vila”. Foto: Reprodução.

Nada mais justo que isso. O sentimento genuíno dos torcedores e torcedoras que em muitos momentos dão até suas vidas pelos seus clubes deveria ser o norte para qualquer agremiação ou instituição futebolística, mas sabemos que na prática não é bem assim que funciona, e é por essas e outras que essa ação conjunta da torcida santista mostra o caráter coerente e aguerrido que não deveria faltar nos torcedores de clubes de futebol e nos brasileiros como um todo, afinal, lutar é urgente, em todos os campos da vida.

Em seu manifesto, a COPAV também diz que “se coloca à disposição da Diretoria, Comitê Gestor e Conselho Deliberativo do Santos Futebol Clube para um diálogo participativo, de construção e que sirva como ponte entre a torcida santista e o clube, firmando uma parceria genuína capaz de garantir o sucesso da nossa futura nova casa”, ou seja, a partir disso as atenções se voltam para os novos posicionamentos do presidente do Santos Andrés Rueda, que até então havia se pronunciado dizendo que as negociações com a W/Torre estão bem avançadas e que uma reunião acontecerá no dia 20/04/21 para dar prosseguimento ao projeto.

Rueda também havia dito que o projeto passará por uma assembleia de sócios do clube para ser aprovada ou não, e é aí que entra a pressão da COPAV para que o torcedor também tenha voz neste processo, garantindo uma obra que vá além das conhecidas padronizações que não tem compromisso algum com a história dos clubes de futebol, afinal, a força da grana que ergue e destrói coisas belas costuma chegar com uma voracidade avassaladora e veloz, colocando o capital na mesa e dominando as diretrizes dos projetos, mesmo não tendo nenhuma ligação histórica com o clube em questão, como é o caso da W/Torre.

Outro ponto muito importante a se destacar é a reunião de tantos grupos oriundos das arquibancadas para se defender o legado da cultura do torcedor santista, de forma ampla e democrática, fator destacado no manifesto da COPAV, ressaltando algo que anda muito esquecido no ideário do povo brasileiro, que são os reais significados da palavra “democracia”, essa que cotidianamente sofre tão duros golpes em um país de escândalos, falácias e tenebrosas transações.

Sabemos que o sistema político em que vivemos hoje, com as tais “democracias” capitalistas e neoliberais, nem de longe proporciona que as lindas teorias de igualdade e liberdade ocorram na prática. Sabemos também que o que geralmente ocorre são cúpulas organizadas em prol da geração de mais lucro e de mais poder, enquanto o povo pouco opina e muitas vezes nem sabe o que está acontecendo, e isso vale para todas as instâncias, do Congresso Nacional ao futebol, que funciona como um espelho perfeito da sociedade, seus atos e contradições.

É dentro desse contexto todo que ressaltamos que as reivindicações da COPAV são também um questionamento direto em relação a essa tal “democracia”, é a exigência do funcionamento de fato, é a busca pela abertura de espaço onde só existem muros, é uma atitude corajosa em cima de uma causa árdua e extremamente necessária para nossa sociedade.

A tarefa é complexa também pelo fato de que é notório que uma boa parte dos torcedores de clubes do Brasil são plenamente favoráveis a esse tipo de arena moderna, mas não se atentam a fatores cruciais referentes ao legado e a história de um clube e sua torcida, pois vivemos tempos em que o capital dita tendências e caminhos sem gerar grandes questionamentos. Infelizmente esses torcedores se esquecem que existem pontos que são (ou ao menos deveriam ser) inegociáveis e que não podem ultrapassar nem soterrar a história popular dos clubes, como é o caso do Santos Futebol Clube. As atitudes desse tipo de torcedor nada mais são que sintomas clássicos do neoliberalismo, pois ele quer tanto esse caminho desenvolvimentista para o seu time do coração, mas esquece-se que se ele não reivindicar e lutar pelos seus direitos como torcedor, daqui há pouco nem entrar na arena que ele defendeu com unhas e dentes, conseguirá. Infelizmente esse é o retrato da elitização do futebol brasileiro.

Levando em conta todo esse cenário, lançamos as seguintes perguntas: é isso que o tal “futebol moderno” tem a nos oferecer? Novas arenas que parecem shoppings centers e não consideram a história e as raízes de um clube? Ou a elitização constante do futebol brasileiro expulsando os torcedores mais pobres dos estádios? O caminho então seria pisar e apagar a história popular dos clubes usando para isso alguns (muitos) punhados de dólares? Será que exigir participação efetiva e mudanças nesse sentido é “pedir demais”? Ficam as reflexões.

Por fim, ressaltamos que com uma população que em muitos momentos parece que se esqueceu de que possui o direito de voz e de decisão em instâncias políticas como um todo, o manifesto da COPAV chama atenção ao fato de que sim, é possível, que o povo tem caminhos para participar politicamente, mas que precisa se organizar e criar esses espaços, afinal, ninguém fará isso por ele senão ele mesmo.

COPAV

A seguir, a íntegra do manifesto da COPAV:

Carta pública de fundação da

COMISSÃO POPULAR ALÇAPÃO VIVO – COPAV

Ao Santos Futebol Clube,

À Torcida Santista

No dia 14 de abril de 2021, data que simboliza o nascimento do glorioso Santos Futebol Clube, foi formada, por meio de assembleia que contou com a participação de diversas Torcidas, Associações e Movimentos oriundos da arquibancada santista, a Comissão Popular Alçapão Vivo – COPAV

Qual a importância da COPAV?

A ampliação da Vila Belmiro e sua adaptação aos novos desafios do esporte são sonhos antigos da torcida santista. No entanto, a importância secular do Estádio Urbano Caldeira para o futebol mundial, suas características únicas e a mítica que ele carrega são partes indissociáveis da vida do Santos e motivo de profundo orgulho de toda a nação alvinegra.

A Vila Belmiro é um dos maiores patrimônios do Santos, uma grandeza imensurável reverenciada nos dois hinos do Clube. Sua evolução será um marco histórico, um processo de imensa responsabilidade que precisará integrar, indubitavelmente, dirigentes, conselheiros e torcedores na busca de um ‘Novo Alçapão’, ou seja, um estádio que assuma o legado da Vila Belmiro e não apenas uma obra padronizada sem qualquer ligação com a nossa essência.

A Comissão Popular Alçapão Vivo surge com o compromisso de formar uma frente ampla e democrática, capaz de sintetizar todos os anseios da arquibancada santista em relação a este momento histórico. A COPAV, respaldada pela experiência inegável dos movimentos que a compõem, se coloca à disposição da Diretoria, Comitê Gestor e Conselho Deliberativo do Santos Futebol Clube para um diálogo participativo, de construção e que sirva como ponte entre a torcida santista e o clube, firmando uma parceria genuína capaz de garantir o sucesso da nossa futura nova casa.

Quem integra a COPAV?

A Comissão segue aberta para receber a participação de outros grupos e torcedores do Santos em geral, integrantes ou não de movimentos organizados, que entendam a necessidade e importância de compor este processo histórico na vida do Santos Futebol Clube.

Na ocasião da fundação, a Comissão foi composta por dezoito grupos que assinam esta carta:

Torcida Jovem do Santos

Sangue Jovem do Santos

Força Jovem do Santos

Camisa 10 do Santos

TUSA Velha Guarda

B.B.F.

ASSOPHIS

Punk Santista

Associação Família 1912

Cachasantista

Portão 1 e 2

Portão 17

Bancada das Sereias

Cervejeiros

Torcida Santos Sempre Santos

Santistas de Blumenau

Elas nas 4 Linhas

Não Canso de Te Ver Jogar

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Como citar

CARLOSCARLOS, . Torcedores do Santos exigem participação em nova arena. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 40, 2021.
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