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Leituras para uma análise do torcer em Alagoas

Este texto representa a discussão inicial realizada para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica (Pibic 2022-223) “A importância da transmissão audiovisual do Campeonato Alagoano de futebol masculino (2007-2023): padrões tecnoestéticos e incentivo ao torcer a times locais”. A coordenação é do grupo de pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (CEPCOM), com desenvolvimento com estudantes da Unidade Educacional Santana do Ipanema da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). 

A partir do plano de trabalho 2, “A importância econômica da transmissão audiovisual do Campeonato Alagoano de Futebol masculino (2007-2023) e o incentivo ao torcer”, fez-se nos primeiros dois meses a leitura de três textos: “Os três pontos de entrada da economia política no futebol” (SANTOS, 2014); “O Brasil na arquibancada: notas sobre a sociabilidade torcedora” (CAMPOS; TOLEDO, 2013); e, “A identidade torcedora alagoana no século XXI: CSA, CRB e ASA, na tela, no campo e nas pesquisas” (SANTOS, 2021). 

Conforme essa divisão, que segue o método de abordagem dedutivo, partimos de discussões gerais sobre o futebol a partir dos estudos da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC) e caminhamos para tratar da sociabilidade torcedora e a identidade da torcida alagoana. 

Apresenta-se a seguir fichamento de comentário a partir de cada um dos textos, concluindo com a relação entre eles e a importância do desenvolvimento do plano de trabalho.

Torcida do CSA – 2019 – Wikipédia


A Economia Política e o futebol 

Observando o cenário atual do futebol, pode-se afirmar que ele sofreu/sofre um processo de metamorfose com o decorrer dos anos. Para essa análise, Santos (2014) aborda em seu texto um relato através dos três pontos de entrada da economia política no futebol, fazendo com que se possa entender o desenvolvimento do futebol enquanto esporte com a importância mundial que se conhece hoje. 

Ao buscar uma categoria analítica para tratar da indústria infocomunicacional, o autor explica como ocorreu o desenvolvimento da Indústria Cultural. É citado o crescimento da quantidade de bens simbólicos, que anteriormente eram apenas utilizados para aprimorar a venda de produtos industriais; mas acabam sendo apropriados enquanto produtos, processo esse que também ocorreu no cenário do futebol.  

Santos (2014) se atenta em contextualizar a constituição do que se tornou o futebol atual, ou seja, um produto midiático, que, ao passo que se tornou uma mercadoria, consequentemente gerou uma teia de consumo. Assim, o capitalismo liberal é apontado para tentar entender como o esporte que era apenas utilizado como uma atividade de lazer tornou-se um produto da sociedade industrial e urbana, que acarretou por aglutinar as massas. 

A primeira onda de expansão é exposta por Santos (2014) através do marco histórico da liderança naval britânica, que ocasionou na evolução dos transportes e assim, encurtou o tempo e o espaço.  

A estruturação do futebol ocorre de forma diferente em cada parte do mundo e no Brasil não foi diferente. Apesar dessa vinda de fora, o país acolheu o esporte com muito nacionalismo. Porém, é preciso considerar ainda como é criada a relação de trabalho e, principalmente, o momento em que é permitido a presença de negros nos times. Isso se reflete ainda hoje com uma maior participação enquanto trabalhadores que em espaços de gestão. 

No que tange à mercantilização, ainda que iniciada antes da relação com a Indústria Cultural, esta serve como uma alavanca para o futebol. Santos (2014) resgata de Miller et al. (2001, p. 8) que a representação desse processo é a partir de um “complexo esportivo-cultural-midiático”. 

Com a midiatização do futebol e essa transformação em produto para consumo, a geração de aficionados não se restringiu apenas aos torcedores, mas também as empresas interessadas em sua divulgação a partir do esporte. Sobre isso, Santos (2014), traz um momento de liderança da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado) por um brasileiro, João Havelange, que inicia esse processo de ligar as marcas das empresas com os eventos futebolísticos. 

Assim, a Indústria Cultural permite novas etapas de espacialização especialmente quando há extensão de mercantilização no capitalismo a partir da década de 1970, o que interfere diretamente no futebol profissional, cuja estrutura mantém certa elite no controle, mas recebendo agora lideranças de outros países, independentemente de modelo societário. 

A sociabilidade torcedora 

Torcida do CSA


A estruturação também passa pelas mudanças nos padrões da sociabilidade torcedora. É preciso considerar quanto à manutenção do futebol profissional que o clubismo é elemento muito importante para se considerar. Não apenas com o intuito de produzir torcedores, mas também como dinâmica de rivalidade. 

A partir disso, Campos e Toledo (2013) trazem um estudo a partir dos elementos da sociabilidade torcedora dos seguidores de equipes que disputaram as séries B e C no Campeonato Brasileiro de 2012 e os comportamentos dos torcedores mediante a Copa do Mundo em 2014.  

Os autores tratam de alguns fenômenos decorrentes das mudanças vivenciadas no futebol, com o clubismo tendo uma dinâmica ligada a rivalidades, mas sem esquecer da presença de negociatas e arranjos políticos com interesses específicos. 

Com a extensão da mercantilização sobre o futebol, cada vez mais ligado ao consumo, há um aumento da imposição de situações para que o consumismo possa ter mais viabilidade. Os autores citam o “padrão Fifa”, que faz parte da Copa do Mundo, que acaba impactando de maneiras diferentes as divisões do campeonato brasileiro. 

Tema principal do artigo para o que nos interessa na pesquisa desenvolvida na UFAL, Campos e Toledo (2013) tratam do conceito da “bifiliação clubística”, quando um torcedor tem afinidade com um clube de fora do Estado em que moram. Às vezes, pode ser com dois diferentes, com a manutenção de um local, ou apenas de fora. 

Apesar de ser fenômeno bastante presente no futebol brasileiro, existem discursos da mídia e até dos próprios torcedores que não levam em consideração os processos que levaram à adesão de tais escolhas. Fenômenos como regionalismo, familismo, a representação política e o comprometimento local do torcer mais para a cidade do que propriamente para um time são citados como justificativas pelos autores para que possa ser melhor compreendida a escolha pela bifiliação clubística. 

Quanto à pesquisa de campo realizada pela rede coordenada pelos autores com torcedores de times que disputaram série B e C no Campeonato Brasileiro em 2012, foi possível verificar que tanto a bifiliação está muito presente, principalmente quando se trata do torcer para times cariocas e paulistas; como também existem torcedores que se recusam a torcer a times que não sejam de sua região, assim como, repudiam quem o faz. 

Dentre outros casos levantados, apontam a experiência em assistir a uma partida meio à torcida alagoana da Associação Sportiva Arapiraquense (ASA). Dado importante para a nossa pesquisa é que foi lá onde: “se registraram mais ocorrências de dupla filiação clubística. Além de uniformes de clubes de São Paulo e Rio de Janeiro, camisetas mistas, divididas ao meio, entre o ASA e outras agremiações” (CAMPOS; TOLEDO, 2013, p. 131). 

Isso nos leva ao terceiro texto que nós lemos e discutimos. 

A identidade torcedora em Alagoas 

Estádio Rei Pelé, em Maceió, Alagoas, Brasil – Wikipédia


Santos (2021) em seu texto consegue reafirmar algumas pautas expostas em seu primeiro texto, tanto sobre a movimentação de torcedores e empresas, quanto ao ato de torcer também presente no texto de Campos e Toledo (2013). A identidade coletiva em torno da paixão de torcer por um clube está diretamente ligada ao pertencer. 

O autor apresenta alguns pontos procurando explicar motivos que acarretaram nos polos do Rio de Janeiro e São Paulo estarem com os maiores times nacionais brasileiros e são três pontos de vista: econômico, capital político e mídia. Para concluir essa linha de pensamento, traz também a situação do desenvolvimento dos principais grupos midiáticos do país, cujas sedes também estão nesses dois estados. 

Não obstante, o clubismo ser um dos movimentos primordiais para geração de aficionados pelo futebol, ainda assim, existe uma grande dificuldade em constituir torcedores em estados menos favorecidos, seja pela economia ou pela midiatização.  

Santos (2021), realiza uma análise mediante a construção da identidade torcedora de futebol no estado de Alagoas e trabalha a hipótese da mudança de identificação do torcedor local.  

O autor apresenta levantamento de algumas pesquisas realizadas para realizar uma análise – ainda que com limitações de metodologia de cada uma delas para o caso alagoano -, para que assim pudesse explicar melhor a questão de torcedores do estado de Alagoas, como também a presença da bifiliação clubística. 

Santos (2021, p. 249) conclui que “mesmo o sucesso dentro de campo de CSA [Centro Sportivo Alagoano] e CRB [Clube de Regatas Brasil] na década de 2010 não faz com que os torcedores, em curto prazo, identifiquem-se mais com a dupla de Maceió”.  

Porém, a transmissão dos jogos do Campeonato Alagoano a partir de 2007 e dos clubes locais nas divisões do Brasileiro, especialmente no caso do CSA a Série A de 2019, pode mudar o cenário de preferência ao time de fora do Estado em Alagoas. Essa hipótese é um dos elementos que pretendemos verificar na nossa pesquisa diretamente com torcedoras/es locais. 

Considerações parciais 

Dado o exposto, é possível inferir que compreender o contexto histórico do futebol, a partir de uma síntese de alguns acontecimentos, foi de grande relevância para chegar ao estágio atual desse esporte. 

A midiatização é um ponto primordial para o alavancamento de um clube e, consequentemente, pode-se analisar que times de regiões menores sofrem com essa escassez, esta que irá interferir diretamente no capital do time. 

A bifiliação clubística que se faz presente em quase todos esses torcedores, ainda assim, não é algo incomum nas mesmas localidades, de acordo com resultados em campo e visibilidade nacional. Assim que se pretende observar a partir de alguns clubes de Alagoas, que sofreram e sofrem diretamente com a falta de midiatização e até mesmo na constituição de torcedores “firmes”. 

Referências bibliográficas 

CAMPOS, F.; TOLEDO, L. H. O Brasil na arquibancada: notas sobre a sociabilidade torcedora. Revista USP, São Paulo., n. 99, p. 123-138, set./nov. 2013. 
MILLER, T. et al. Globalization and sport: playing in the world. Londres: SAGE, 2001. 
SANTOS, A. D. G. dos. A identidade torcedora alagoana no século XXI: CSA, CRB e ASA, na tela, no campo e nas pesquisas. In: HELAL, R.; COSTA, L.; FONTENELLE, C. Esporte, mídia, identidades locais e globais: uma produção do Seminário Copa América. Rio de Janeiro: Autorale/FAPERJ, Rio de Janeiro, 2021. p. 238-251.  
SANTOS, A. D. G. dos. Os três pontos de entrada da economia política no futebol. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, Florianópolis., v. 36, n. 2, p. 561-575, abr./jun. 2014. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SANTOS, Anderson David Gomes dos; SOUZA, Viviane Silva de. Leituras para uma análise do torcer em Alagoas. Ludopédio, São Paulo, v. 161, n. 22, 2022.
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