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Torcidas organizadas e escolas de samba (VI): Camisa 12

Nota explicativa. Esta série é parte integrante do projeto “Territórios do Torcer – uma análise quantitativa e qualitativa das associações de torcedores de futebol na cidade de São Paulo”, desenvolvida entre os anos de 2014 e 2015, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. A proposta aqui é trazer os relatos orais das lideranças de torcidas organizadas, de modo a entender o processo de transformação desses subgrupos torcedores nas associações recreativas conhecidas como escolas de samba. Foram entrevistadas duas dezenas de líderes dessas associações, entre fundadores, ex-presidentes, lideranças e atuais presidentes de agremiações carnavalescas. À luz dos depoimentos, o objetivo é compreender como a memória coletiva desses subgrupos enquadra e justifica o surgimento dos grêmios associativos, quer seja como bloco quer seja como escola de samba. Para tanto, expomos os discursos nativos e as justificativas apresentadas por líderes de cada uma das torcidas-escolas.

Camisa 12 no desfile de 2018. Foto: Liga SP.

 

O G.R.C.E.S. Camisa 12 é vinculado à segunda torcida organizada na hierarquia dos torcedores corinthianos, abaixo apenas da Gaviões da Fiel. Possui um bloco carnavalesco desde os anos 1980 e, mesmo com a transformação em escola de samba, manteve seu grupo de percussão das ruas da cidade, mais precisamente no bairro de Vila Maria, de onde provinha seu fundador e ex-presidente, Cláudio Faria Romero.

Cláudio, apelidado de Vila Maria, foi do núcleo fundador da Gaviões em 1969, mas liderou uma dissidência dois anos depois, 1971, em meio à disputa das eleições para a presidência do Corinthians, quando criou a Camisa 12, que aderiu à chapa vencedora, encabeçada por Miguel Martínez.

Cláudio, apelidado de Vila Maria, foi do núcleo fundador da Gaviões em 1969. Foto: Museu do Futebol.

Vila Maria foi ainda uma notória liderança da extinta ATOESP, Associação das Torcidas Organizadas do Estado de São Paulo, articulada pela da Camisa 12 em conjunto com Flávio La Selva, da Gaviões da Fiel; com Cosmo Damião, da Torcida Jovem; e com Hélio Silva, da TUSP, quatro dos principais idealizadores da entidade entre as décadas de 1970 e 1980.

Militante de esquerda, Cláudio chegou a cursar História na Universidade de São Paulo (USP), e é ainda hoje sócio do clube, com participação ativa em sua vida política interna. Vila Maria presidiu a Escola de Samba Camisa 12 nos quatro primeiros anos de sua fundação (1996-2000) e procurou dar um tom político a muitos dos seus sambas-enredos, marca que permanece até os dias de hoje.

Exemplo da continuidade dessa característica da agremiação, qual seja, a de cultivar uma tradição de sambas por assim dizer politizados, no presente ano de 2019 seu enredo vem causando polêmica. Antes mesmo de os desfiles acontecerem, sua música circulou e causou frisson nas redes sociais.

Trata-se de um samba em homenagem à profissão dos professores, num posicionamento explícito de contrariedade ao projeto ideológico “Escola sem Partido”. Este movimento, como é sabido, em meio à ofensiva conservadora no país, procura criar uma série de constrangimentos à liberdade de expressão dos docentes, já achacados com péssimos salários e com aviltantes condições de trabalho, nas salas de aulas dos ensinos fundamental e médio no Brasil.

Para o texto da série de hoje, daremos voz a Cláudio Romero, ex-presidente da torcida organizada e da escola de samba. A entrevista ocorreu em março de 2015, no auditório do Museu do Futebol, situado nas dependências do estádio do Pacaembu, com mais de quatro horas de duração.

Em complemento ao caso da Camisa 12, para ilustrar um pouco mais o universo das torcidas-escolas corinthianas, daremos espaço também a outro torcedor, Rogério Maldonado, vulgo Bambu, presidente da Escola de Samba Estopim da Fiel, que desfila na cidade de Diadema, região metropolitana de São Paulo.   

Rogério Maldonado, vulgo Bambu, presidente da Escola de Samba Estopim da Fiel. Foto: Museu do Futebol.

Quanto ao primeiro depoimento, de início Claudio Romero conta que a escola de samba de sua torcida nasceu da inciativa primeira de formar um bloco de carnaval em 1984, plano que se concretizou no ano seguinte. Anos depois, segundo Romero, foi decidido que o bloco não seria fechado para dar lugar a uma escola de samba, mantendo a existência das duas em paralelo. O bloco só acabaria quando a agremiação sambística chegasse ao Grupo Especial, o que ainda não aconteceu. Trata-se de um procedimento diverso daquele praticado pela Gaviões da Fiel e pelas demais torcidas organizadas, que encerraram o bloco de carnaval assim que se criou uma escola de samba.

Cláudio afirma ainda que a Camisa 12 possui uma boa relação com as demais torcidas organizadas, especialmente no âmbito das escolas de samba, e que participa das comemorações de carnaval das outras escolas:

O primeiro desfile do bloco foi em 1985, e foi fundado em 1984. Depois fundou a escola. O Gaviões, quando fundou a escola, acabou com o bloco. Nós fundamos a escola e pusemos como norma que só íamos parar o bloco quando a escola chegasse no Sambódromo, no Acesso. Então paramos o bloco. E ganhar e chegar no Especial e perturbar. Porque a gente tinha ligação com sambistas de São Paulo todo. A gente tinha festa lá que vinha Vai-Vai. Fazia uma roda de samba depois dos jogos, com todos esses sambistas. Os caras gostavam de ir lá. E tinha uma feijoada com um pagode no sábado, que vendia 80 feijoadas, porque acabava, não tinha jeito de vender mais. Não tinha jeito, não tinha estrutura. Os últimos só comiam feijão já, a carne já tinha acabado. Mas era um ambiente gostoso. Às vezes, ia lá, punha um conjuntinho, pegava um surdo, uma caixa… A gente cansou de, no aniversário dos Gaviões, ser a única bateria convidada a ir lá. A Festa do Chopp do Vai-Vai, que é a maior de São Paulo, quatro anos seguidos, a única bateria convidada foi a da Camisa 12. Ia tocar no Rosas de Ouro, e eles vinham na sede, também. Tinha uma troca e nunca teve nenhum problema.

No que tange ao crescimento do carnaval de São Paulo, a partir da entrada das torcidas-escolas na UESP e na Liga, Vila Maria faz considerações a seguir, em tom ao mesmo tempo elogioso e crítico à postura dos Gaviões. Comenta também sobre a presença das torcidas organizadas no carnaval paulistano e critica a medida antidesportiva da Independente, que conseguiu junto à Liga permanecer no Grupo de Acesso em 2015, mesmo sendo rebaixada pelas notas dos jurados.

Vila Maria entende que a escola de sua torcida possui uma das maiores infraestruturas entre as agremiações originadas do futebol, mas afirma que foi perseguida pela entidade organizadora do carnaval, uma vez que esta não queria mais a ascensão de torcidas-escolas na elite paulistana:

O Gaviões é o maior responsável, na época de 1995, de o carnaval de São Paulo ter crescido. Porque os caras desfilavam com 1.500 [integrantes], com 1.600, a Vai-Vai, que era maior. O Gaviões chega lá e põe 4 mil. Um ano antes, 3 mil e pouco. Já merecia ter ganhado da Rosas de Ouro. Aquele: “ – Me dê a mão, me abraça” foi um arraso. Por que não manteve? O Vai-Vai foi atrás, a Mocidade Alegre, por que não manteve? Porque fugiu, na minha opinião, fugiu do que é o Gaviões. Gaviões tem que fazer samba para povo. A Imperatriz, lá do Rio, quando ganhava, não era desfile técnico? Era. A Caprichosos de Pilares pode fazer desfile técnico? Não. A União da Ilha, cada um tem o seu perfil. Uma torcida que nem a do Corinthians, o que você vai pôr num samba de enredo? Os caras vão virar motorzinho lá. Porque isso não se discute mais, Bernardo. A torcida tem que acabar? Nunca. Tem que se reciclar. Acabar é pior, porque vai aparecer coisa pior. A clandestinidade é pior. Por que uma Dragões da Real, que é diferente, no bom sentido, faz um carnaval daquele tamanho e o Gaviões está passando por fazer? Esse ano, até foi bem, o Gaviões. A Dragões da Real está ganhando dos Gaviões todo ano, e merecidamente. Por quê? Quem é Dragões da Real, com todo o respeito, perto dos Gaviões?

*

A Liga agora já abriu a porteira. Agora não tem jeito. A Independente é que não sei o que aconteceu esse ano[1]. Porque a Independente subiu rápido. A Independente se uniu com uma escola lá de Sapopemba, a Malungos. Eles estavam fora do carnaval, por causa daquela briga lá, que teve a morte. E se uniram com essa aí, uniram os estatutos, juridicamente… Que nem a Mancha, que pôs Mancha Alviverde. Encontrou uma brecha. Eu achava que a Independente não ia subir esse ano, não pode, não tem isso. Então vão abrir um precedente do caramba. Não existe isso. A ascensão da Independente seria um inferno. Desculpa. A Mancha, esse pessoal do carnaval ainda tem um controle do cacete, o pessoal do Carnaval, e eles colocam a Gaviões em um dia e a Mancha noutro. E como é que você vai fazer, se tiver a Independente? Onde você vai jogar a Independente?

*

A Camisa 12, nós estávamos lá, em sete desfiles de escola de samba, ganhou seis. E não subiu em um por meio ponto. Nós largamos a escola no Acesso. Houve o maior movimento aqui para que não tivesse mais torcida organizada, e o endereço era a Camisa 12. Porque a Camisa 12 estava atropelando mesmo. A nossa quadra era a maior de todas as quadras de torcida. E a gente sabia fazer. Aí a Uesp e a Liga se organizaram para não aceitar mais. Na hora que eu fui brigar com a Liga, a Independente caiu, a TUP caiu, a Camisa 12 caiu… a Mancha caiu. Quatro. O Pavilhão, nem se conta, a colocação que teve. Não deve ter caído. Mas o bloco também… A torcida do Andrés aí. Os caras são legais.

Cláudio Romero discorre em seguida sobre as dificuldades de manutenção da sede e, ao mesmo tempo, os desafios de ser, de forma concomitante, uma torcida organizada, um bloco carnavalesco e uma escola de samba:

Eu tive problemas com a sede lá, problemas políticos. Pediram a retificação, pois a sede está com perigo até hoje. Duas sedes que estavam com perigo, a da Jovem e a Gaviões também. Esta se mantém porque o Goulart e outros políticos ainda seguram. Cada prefeito que muda, você tem que conversar. Fui traído por esse tal de Walter Feldman. Então eu tive que me afastar, para não prejudicar a negociação da sede. E nesse ínterim foi o negócio da escola de samba também. Na hora que eu fui, já não tivemos mais espaço. Não é que eu não vá lá amanhã. Só que eu estou com 60 anos, não dá mais. Estou naquela que não tenho mais nada a perder. Porque as coisas começam a mudar. Eu fiquei uma vez em quinto lugar no bloco… O bloco foi três vezes campeão e um montão de vezes vice, porque a gente estava construindo a sede. A Camisa 12 foi a única escola, a única entidade de samba em São Paulo que, no mesmo ano, foi campeã do bloco e da escola. Tinha as duas entidades, em 1999. Foi campeã do bloco e ganhou da Mancha. A Mancha, com dinheiro, o carnaval patrocinado. Fizeram um carnaval lá sobre vinho, aquele argentino deu. Ganhamos, e ganhamos merecido. Como é que você vai lidar com isso?

Na sequência, Cláudio tece comentários sobre os sambas levados para a Avenida pela Camisa 12 nos anos 1990, quando estava à frente da escola, e de suas composições nesse período. Vila Maria enfatiza sua paixão pelo samba e relata que já escreveu diversos enredos. A maioria das letras, devido à sua trajetória combativa durante a ditadura militar, foi eivada de temas políticos. Arremata, por fim, que os desfiles das escolas de samba perderam em qualidade nos dias de hoje, com o fito de tão somente agradar ao público e à mídia:

A Camisa 12 ficou em quarto, com Gaviões. Você acredita nisso? Gaviões tinha caído aquele ano e desfilou junto com a Camisa 12. Não subiu por pouco. O samba era assim: “Quero esquecer o passado e cair na folia/ Explode a emoção, Corinthians campeão/ Meu povo se cansou dessa situação, miséria, desemprego, inflação/ Tem poucos com muito e muitos sem nada, a elite em campo, vivemos na arquibancada/ Levanto a bandeira da democracia. Suinga, minha bateria!/ És a minha sintonia. Nesse embalo, caio no real”, falando mal do Plano Real, da vida real. “Faço o carnaval para o povo sambar. Negros, brancos, ricos e pobres caem no meu pagode”. Você mistura as duas coisas. O outro fala: “Vou de Che Guevara, contra a opressão, é que eu sou do povo, eu sou Timão. Ó, não me canso de gritar, quero terra para minha gente plantar, quero educação e ter direito à saúde que é bom. A Justiça tarda e sempre falha, qual o corte cego da navalha. Eu quero ver”. Aí fala das bandeiras, que estavam proibidas nos estádios: “Eu quero ver minha bandeira tremular, porque o show tem que continuar”. Então você pega a temática e trabalha, o enredo é composição minha. A música, eu não entendo muito, não.

*

Porque, modestamente, eu conheço o Carnaval, faço enredo. Já escrevi uns dez enredos da Camisa 12. Com temas mais políticos, mais social. Já falamos do “Para não dizer que eu não falei das flores”; “Que país é esse?”. Pusemos o Che Guevara na avenida. [Risos] O pior é que a Independente põe o símbolo do Che Guevara lá e depois fala: “Porra! É o símbolo da Independente”. Símbolo da Independente o cacete! [Risos] O Che Guevara é um símbolo mundial! Tem tudo isso. Mas é só social. Fizemos o “Trabalhadores unidos”, falando da Revolução Russa. Foi lindo o desfile…

Depois do representante da Camisa 12, passamos à entrevista com Rogério Carlos Maldonado, o Bambu, atual presidente da Estopim da Fiel, terceira torcida organizada na hierarquia dos agrupamentos corinthianos. Ele conta que seu envolvimento com a Estopim veio da paixão pelo carnaval, já que fora anteriormente membro tanto da Gaviões quanto da Camisa 12 e participara das escolas de samba de ambas as torcidas.

Antes de detalhar a participação no carnaval, Bambu informa que a torcida tem 9 subsedes. São elas: Praia Grande, na Baixada; Cotia, na Zona Oeste; Botucatu, no interior do estado; Três Pontas, em Minas Gerais; Pouso Alegre, também no estado de Minas; Manaus, capital do Amazonas; Curitiba. A mais recente, em São Paulo, é a subsede da zona leste, uma extensão do novo estádio, em Itaquera. Por fim, menciona a nona subsede, no Vale do Ribeira, região sul do estado.

Bambu conta de início como foi o reerguimento da torcida e da escola, no início dos anos 2000. O grupo já existia, mas estava em declínio:

Falei: “Eu tenho um grupo de amigos. Perguntei pro Marcão: “Dá para a gente organizar isso?” Marcão falou: “Dá” Sem me conhecer, sem pestanejar… “Dá sim, fechado”. Aí eu reuni a galera que foi para o Mundial de 2000, no Rio, contra o Vasco. Foi em meses, assim. Depois de um mês. Falei: “Amigo, pintou a Estopim. A escola tem sede, tem bateria, é escola de samba. Só falta fazer umas faixas e umas bandeiras. Vamos?”. “Vambora, meu!”. “E aí, o que vocês acham?”. “Acho legal”. Aí a gente começou a organizar. Aí eu conheci um dos fundadores, que foi o Seu Osvaldo, hoje falecido. Fui buscar a história. Aí quando o Marcão falou: “Beleza…” A gente marcou um domingo de vir aqui na sede. Que era um bar, tinha um bar aqui e tinha um armário virado para a parede. Quando eu desvirei esse armário, a história da Estopim estava lá naquele armário, sabe? Só naquele armário virado de costas para a parede.

*

A gente voltou em janeiro. Aí o Marcão falou assim: “Olha, vocês vão desfilar com a gente já. Tem uma ala da torcida lá atrás.” Tinha umas bandeiras do Corinthians, aí pintamos Estopim na frente da bandeira. E a gente foi desfilar. E foi um fato curioso, porque eu, particularmente falando, tinha muita coragem, porque tinha uma prática muito grande. Nossa. Você não podia ser gay que saía faísca. E aí quando a gente foi reabrir a Estopim, só que esse cara é muito curioso, é um cara que foi vizinho da minha vó. Passei minha infância no Marilene, não é? Ele era sempre mais velho que eu. Eu passava lá com os corinthianos, ele ficava xingando: “Ei, corinthiano, filho da puta, arrombado.”

Bambu relata que foi aceito sem problemas dentro da nova torcida e da nova escola, o que contribuiu para seu novo ciclo ascendente. Em consequência de sua postura proativa, galgou postos e, em pouco tempo de filiação, passou a participar de maneira ativa da organização para o carnaval:

Aí eu passei a ser secretário da Estopim no geral. E fui de todos os postos. Até 2007, que teve eleição. Porque botaram no conselho e eu me candidatei. Fiz uma chapa única, eu e Coxa, e fui eleito presidente. Comecei a tomar conta da questão do carnaval também. Na torcida, fui primeiro secretário, depois tesoureiro, tesoureiro da torcida, secretário administrativo geral e presidente.

Bambu afirma que assumiu a presidência da torcida e, na esteira desta função, encarregou-se também da coordenação da escola de samba. A participação da torcida no carnaval começou de maneira modesta, com uma ala na Gaviões da Fiel. Conta que a Estopim leva equipamento utilizado pela torcida durante os desfiles, o que gerou confronto em um dos carnavais, devido à tentativa de roubarem a bandeira da torcida durante uma apresentação nas ruas de Diadema.

Aí no carnaval, a gente foi desfilar. Pegamos as bandeiras e tal, a Estopim estava no Grupo Dois, em Diadema. E aí um dos caras puxou a bandeira nossa da arquibancada. Aí invadiu a arquibancada, caiu todo mundo no pau. Foi uma briga… A Estopim perdeu 30 pontos, mas continuou no Grupo 2. E aí o pessoal foi com a gente, porque tinha acabado de chegar na entidade. Eles entenderam que foi uma forma de defesa… o cara estava puxando a bandeira. Era uma parada sagrada, ninguém pode pôr a mão. Aí os caras nos culparam. A gente queria ajudar a levantar a escola: “Não, não tem mais esse negócio de escola. É a Estopim. E nós vamos para cima.” No carnaval, eu faço caracterização, eu trabalhei muitos anos na Gaviões. Em 1999, 2000, 2001, sempre atuava na Gaviões.  A gente trouxe luxo, aí nós fizemos o nosso carnaval. Aí foi campeão em 2001 no Acesso, em 2002, nós fomos campeões no Especial, na sequência. Em 2003 a gente ficou em vice, mas a gente descobriu que um cara que julgou, que deu a menor nota que nós tivemos, era primo do casal que foi campeão. Em 2004, a gente foi vice, em 2005 terceiro, 2006 fomos campeões.

Segundo Bambu, à medida que sua escola garantia melhores colocações no carnaval, maiores se tornavam os investimentos financeiros de agentes externos, o que permitiu a melhoria da infraestrutura da escola. Para o presidente, o maior problema era a ausência de comprometimento com o desfile que, por vezes era prejudicado, devido à falta dos fornecedores na entrega de materiais, como as fantasias, os carros alegóricos e os adereços.

Depois a gente começou a cobrar também. A gente cobrava os caras que pegavam lá 30, 40 mil, 50 mil: “Vamos emprestar esse dinheiro aí, meu querido.” “O carro está feio, você ficou responsável, faz um carrinho mais bonito.” Começou a cobrar também dos caras no carnaval. Começou a criar uma estrutura maior. Começou a ganhar, primeiro, segundo, terceiro. Aí quando ela subiu, de 2007 para 2008, eu continuei seguindo. Em 2009 eu tomei um baque aí de um carnavalesco que não entregou as fantasias, a gente caiu. Aí falei: “Quer saber de uma coisa? Vou parar de fazer carnaval…”. vamos falar só do Corinthians. Em 2010 tinha caído, aí falei: “Falar do centenário, é óbvio.” Está aqui para falar do Corinthians. Aí a escola de samba descobriu que o Corinthians ia dar uma remuneração, como deu para todas as torcidas que migraram no carnaval. “Ah, não é justo, eu vou pegar no Carnaval 30, 40, eles vão pegar o dobro disso aí com o Corinthians e fazer carnaval.” Aí resolveu de não ter disputa. A maioria venceu e não teve disputa, teve só premiação. E aí de sete prêmios… De dez, ela ganhou sete. Mas não subiu. Aí em 2011 foi o Vicente Mateus: “Vicente Mateus – uma história em preto e branco.” Uma história construída em preto e branco. Falamos do Mateus e fomos campeões do grupo de novo em 2011 e subimos em 2012. Em 2012 falamos do Ronaldo. “O artista da bola: Ronaldo, o Fenômeno”. Fomos campeões no grupo especial.

A propósito, durante seu período como atacante do time, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno ajudou a Estopim a arrecadar recursos para montar o carnaval:

Ajudou, sim. Ele reconheceu e ajudou. Aí em 2010 a gente começou, mesmo sem o carnaval de Diadema, sem visibilidade, conseguiu captar recursos para o carnaval. Nunca teve isso. Era sempre a verba, tinha casos em que o cara ficava duro, aí “vamos fazer a bandeira lá”. A gente começou a captar recursos para usar o Corinthians no décimo centenário… Em 2011, ele também colaborou com a gente. 2012, aí mudou a gestão, mudou o prefeito, não teve mais carnaval na cidade. Mas mesmo assim a gente continua fazendo, continua seguindo. Em 2013 a gente homenageou o Sócrates. “És do Brasil o mais brasileiro: Sócrates”. Um samba muito bonito, um samba fantástico. Só a bateria foi fazer apresentação. Não tinha mais o desfile na cidade. Então falamos de Sócrates em 2013. Em 2014 falamos do time de 1990. “Neto, os guerreiros e a primeira estrela”. E a gente está com a impressão de agora, em 2015, de homenagear o Andrés Sanchez. Só que a gente não sabe se vai ter carnaval, se não vai ter. Acho que no comecinho dessa semana tem esse impasse aí resolvido. Então eu sempre priorizo falar de temas que você traz o cara da arquibancada para te defender também, para lutar mais pela escola de samba, que ele fala do Corinthians.

A maior parte dos recursos era comprada com verba captada de doações e do cofre da própria torcida. O desfile de carnaval era executado em Diadema, até que em 2010 a permissão foi cancelada:

Quando eu comecei a puxar temas ligados ao Corinthians, o sócio começou a: “ – Vamos lá, esse cara é bom. É o Corinthians”. Aí as subsedes começaram a vir para cá, as subsedes começaram a viajar para cá, para poder acompanhar o carnaval. Então a gente achou a fórmula. Porque aqui tinha muita comunidade, sabe? Acho que a única escola de samba que tem quadra na cidade somos nós, que tem uma estrutura somos nós. Só que o que acontece? As baianas estão sempre aqui periodicamente. Então a gente conseguiu consolidar. Só que a cidade está perdendo esse foco. Então eu quero em 2015, mesmo que não tenha carnaval aqui, se eu conseguir captar recursos, eu quero fazer o carnaval em outra cidade. Porque eu não queria sair… Não por vaidade, não. O carnaval dá muito trabalho e é muita encheção de saco. Mas pela entidade. Pelo o que eu explico, é a entidade. Eu queria deixar consolidada uma equipe de trabalho para 2016. Se voltar o carnaval aqui, então está pronto. “Estou saindo fora”. Sem mestre de bateria, sem casal, sem carnavalesco, sem comissão de frente, sem baiana, sem nada. Não, eu queria consolidar isso. Então estou até optando, se não tiver carnaval na cidade, desfilar em outra cidade vizinha. Já conversamos sobre isso. Para quê? Para que eu possa reagrupar o povo de novo. Quando foi campeão em 2012, eu estava com um grupo homogêneo. Estava perfeito o carnaval, estava tudo estruturado. Mas aí veio o prefeito e fodeu com a gente.

Com a proibição de desfile na cidade por parte do prefeito, a situação da escola de samba da Estopim é incerta. Bambu afirma que a torcida não se mudou para o carnaval da cidade de São Paulo, pois não estão preparados ainda, porém cogitam a possibilidade de migração nos próximos anos.

A gente tinha essa pretensão. Eu acho que esse ano agora, 2015, seria o ano que nós iríamos para São Paulo. Eu falei: “Mano, calma, tem que criar estrutura, falta uma coisinha aqui ainda. Ir para lá para passar vergonha? É uma entidade. 2012, ganhar mais uns dois anos aqui, firmar mesmo a estrutura e depois ir para São Paulo.


[1] Nota: foi rebaixada no grudo de Acesso em 2015, em função de uma tempestade que inundou o Anhembi e comprometeu o desfile. Conseguiu reverter o rebaixamento junto à Liga e desfilou no Acesso novamente em 2016, quando obteve o vice-campeonato e ascendeu ao Grupo Especial.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Luigi Bisso Quevedo

Pesquisador do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval. Mestrando em História e formado História e Ciências Sociais.

Como citar

HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; QUEVEDO, Luigi Bisso. Torcidas organizadas e escolas de samba (VI): Camisa 12. Ludopédio, São Paulo, v. 116, n. 15, 2019.
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