Um outro futebol em Paris: uma breve história do Red Star Football Club
O texto de hoje é dedicado em especial para a turma de “Enzos”, os fanboys do futebol europeu e também os curiosos de outro futebol, conhecido como Lado B da bola, como este que vos escreve. Acompanhamos o cenário do futebol mundial globalizado e pós-Lei Bosman, com clubes milionários como Paris Saint-Germain, Manchester City, Real Madrid, Juventus, Barcelona e Liverpool dentre outros, com suas legiões de craques estrangeiros bancados por milionários brincando de football manager.
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Falaremos de um futebol em Paris para além do badalado PSG e da grife que o time se tornou. O time em questão é o Red Star FC[1], fundado em 1897 pelo famoso dirigente Jules Rimet em um pequeno café de Paris. O nome do clube e o símbolo da estrela vermelha são supostamente atribuídos a governanta inglesa que tomou conta de Rimet em sua infância. Lembrando que o nome Red Star não tem nenhuma ligação direta com o socialismo. Vale lembrar aqui que Rimet ganhou notoriedade como dirigente da FIFA, era entusiasta da Copa do Mundo e deu nome à taça do torneio mundial, a qual teve seu triste fim sob vigilância precária nas mãos da CBF, sendo furtada e derretida por ladrões brasileiros nos anos 80. Mas, ao longo do tempo, a classe trabalhadora local com tendências à esquerda identificou-se com os símbolos do clube, dando-lhe outro significado.

Atualmente, o Red Star disputa a Ligue 2, a segundona do futebol francês, e nem de longe faz frente ao seu primo rico de Paris, o PSG. A história do Red Star é bem interessante e vai além dos seus poucos títulos, inclusive o mais recente foi a conquista do Campeonato Francês da terceira divisão em 2018, somado às históricas conquistas de cinco Copas da França. Entre os anos de 1920 e 40, o Red Star viveu sua melhor fase, quando venceu cinco vezes a Copa da França nas temporadas 1920-21, 1921-22, 1922-1923, 1927-28 e 1941-42. Também venceu por duas vezes o Campeonato Francês da Segunda Divisão nas edições de 1933-34 e 1938-39. Essa lacuna de conquistas foi resolvida recentemente quando o Red Star venceu a Terceira Divisão do futebol francês nos anos de 2014-15 e 2017-18. Vale ressaltar que o clube nunca conquistou a taça da primeira divisão do futebol na França.

Porém, a história do Red Star ganhou mais visibilidade quando o clube se envolveu na resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, inclusive alguns de seus membros notabilizaram-se pela luta Resistência Francesa na cidade de Paris ocupada pelas tropas nazistas. Destacando dois deles, o médico Jean-Claude Bauer e o goleiro italiano Rino Della Negra, que viraram símbolos do clube e da torcida, ambos executados pelos nazistas na época da guerra por envolvimento com a Resistência. Nesse contexto, o Estádio do Red Star serviu de esconderijo para as armas dos membros da Resistência, tendo sido, também, local onde o próprio médico Bauer foi executado pelos nazistas. Não por coincidência, ele dá nome atualmente ao estádio como uma referência histórica. Já Rino Della Negra, um promissor goleiro e membro ativo das tropas da Resistência, foi preso e executado pela Gestapo e tornou-se um dos símbolos da torcida dos Ultras do Red Star, com bandeiras e faixas em sua homenagem.
A história do Red Star é recheada de curiosidades, inclusive com a quase contratação de Garrincha no início de março de 1971. Em uma espécie de tour pela Europa, e já em grande decadência física e técnica, Garrincha chegou a treinar no Stade Bauer, mas as partes não chegaram a um acordo financeiro e o “Anjo das Pernas Tortas” não vestiu as cores do time de Saint-Ouen. Aliás, nos anos 1970, a torcida do Red Star viu nascer o clube do Paris Saint-Germain, a partir da fusão do Paris Football Club, criado um ano antes, e do Stade Saint-Germain, fundado em 1904. Com grande aporte financeiro e ligações de torcedores ligados à extrema-direita francesa, PSG e Red Star já se distanciaram ao longo do tempo. Dentro de campo, Red Star e PSG encontram-se poucas vezes, sendo a última em 1975 pela primeira divisão do Campeonato Francês.

Em matérias recentes a torcida do Red Star enaltece o time como uma alternativa à bolha financeira do PSG, mas também um time que se preocupa com os imigrantes e a população no bairro de Saint-Ouen, subúrbio de Paris, onde o time está sediado. O simpático Stade Bauer, com capacidade para pouco mais de dez mil torcedores, sediou um amistoso entre as seleções de Brasil e Andorra como preparação para a Copa do Mundo de 1998. Os brasileiros venceram por 3 a 0, diante de mais de cinco mil torcedores, e chamou a atenção da comissão técnica brasileira, de jogadores e da imprensa a simplicidade das instalações do Stade Bauer.
O clube, inclusive, abraça a comunidade do entorno no bairro, com cursos profissionalizantes e culturais para os jovens da base, como culinária e artes, reforçando horizontes para o entendimento do clube de futebol como fenômeno social. Mesmo sem disputar a primeira divisão francesa desde 1975, o Red Star mantém-se vivo com sua torcida pela identidade local, mesmo tendo um orçamento modesto. Outro aspecto interessante são as campanhas do clube nas redes sociais, apresentando-se como uma alternativa ao futebol de resultados e milionário, preocupando-se com causas afirmativas, étnicas e sociais. Diria que, em certa medida, o Red Star equivaleria ao St. Pauli, mas sem a badalação do mainstream hipster que cerca o time alemão. Em tempos de isolamento social por conta do coronavírus (COVID-19), dê uma pesquisada no Red Star, um time modesto, mas um gigante na história e nas suas ações sociais.

Nota
[1] Para mais informações sobre o Red Star, indico a leitura do livro “À sombra de gigantes”, de Leandro Vignoli, que faz um tour por alguns dos clubes alternativos do futebol europeu.