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Um último tango? A trajetória de Lionel Messi e a seleção argentina na Copa de 2022

Falar sobre Lionel Messi pode parecer algo fácil, defini-lo em uma palavra, mas é mais que isso. Escreve esse texto em um período pós título mundial, uma conquista que mexe com uma nação, um continente e o mundo. Muitas vezes as redes sociais estavam colocando-o nos panteon do futebol, que neste tempo apenas Maradona e Pelé estão. Uma narrativa de uma nação que estava desde 1986, que foi seu último título mundial até agora sem uma conquista desse tamanho. No caminho dessa geração que pode ser conhecida por um nome a frente de outros jogadores, viveu de fracassos e até o abandono do grande craque de sua geração e a sua volta. Ganhou no Brasil o título da Copa América em 2020, no país que tem uma construção de rivalidade imagética no âmbito futebolístico. Chegou ao mundial como invicta e uma das favoritas, com Brasil, França, Argentina e Inglaterra.

O ritual da copa do mundo que acontece em quatro em quatro anos, é um evento mágico, que faz até os piores jogos serem os melhores. Poucos são os que conseguiram conquistar o campeonato e tocar na taça. Sendo este um ato simbólico, pois apenas aqueles que foram campeões podem pegá-la. Cada nação representa uma comunidade imaginada, nos termos de Anderson (2008), tem uma história construída em meio a difusão do nacionalismo, marcada por uma identidade, sentimento e fronteiras. Por falar em fronteiras como construções imaginárias, Messi vai além e rompe com isso. Em seus jogos, os grandes craques recebiam apoio de outros sujeitos e até de nações.

A identidade nacional é uma construção imaginada, talvez grandes jogadores fazem com que alguns atletas, torcedores, técnicos, etc. Torçam para uma determinada seleção. No caso do Brasil, podemos notar que a paixão atravessa fronteiras é se constroem através de uma memória afetiva de identificação com a nação. Bosi (2003) traz uma reflexão sobre a construção dessas memórias coletivas que prefazem identidades. Pollack (1992) coloca que a identidade é construída para si, por si e para os outros. A Copa, como um universo mágico, faz um confronte de jeitos de torcer, diferentes sistemas de jogo, confronto entre jogadores, entre outros. Perfazem confrontos de identidades nacionais que podem ganhar suas batalhas que não foram ganhas no campo de guerra, mas foram ganhas no campo de futebol. Temos como exemplo aquele jogo em que a Argentina ganha da Inglaterra com um gol de mão e o outro gol, simplesmente uma pintura de Marradona, vingando a derrota nas guerras da Malvinas e conquistando o campeonato em 1986.

Caro leitor (a/e) quero mostrar que a construção narrativa da memória coletiva, quando se fala em Copa do Mundo extrapola o campo ou o próprio evento. Quero aqui falar da Argentina de Lionel Messi nessa Copa do Mundo no Catar em 2022. O chaveamento da Argentina na primeira fase, provaria confrontos com Arábia Saudita, México e Polônia. O grupo C era um grupo dito pelo lúdico do futebol como um “grupo da morte”. O primeiro jogo a Argentina perde uma invencibilidade de trinta e seis partidas para a Arábia Saudita, colocando em xeque a seleção dita como uma das favoritas. Nesse jogo, a Argentina marca seu primeiro gol com Lionel Messi aos 10 minutos do primeiro tempo, mas no segundo tempo, acontece algo que só pode haver em um esporte imprevisível como o futebol, a Arábia Saudita com gols de Saleh aos 48 e Salem Al-Dawsari aos 53 do segundo tempo derrota a seleção. Com isso, o segundo jogar era essencial ganhar para poder avançar na Copa.

No segundo jogo tínhamos um clima de que era o jogo da sobrevivência para esses atletas. Um jogo dramático entre duas boas seleções, Argentina contra México. Neste jogo dramático, aos 64 do segundo tempo, Lionel Messi marcar um gol, em meio a muitos jogadores mexicanos, um tiro colocado de fora da área, decretou o 1 x 0. Quando Enzo Fernández entra também marca outra pintura aos 87 do segundo tempo, ganhando a posição de titular. Mas havia mais um jogo, e era contra a Polônia, a mídia criou um clima de Messi x Lewandowski; contudo nos sabemos que uma partida não se resume a dois jogares. Neste jogo, é marcado por um grande atuação de Messi e um Lewanndowski anulado pelo esquema Argentino. Tendo gols de Mac Allister aos 46 e Julián Álvarez aos 67 do segundo tempo. Neste jogo, o jovem atacante Argentino ganha a posição de titular de outra estrela do futebol, Lautaro Martínez.

Chegando as oitavas de final, a seleção Argentina enfrentou a Austrália. Neste jogo tivemos outra atuação brilhante de Lionel Messi, marcando um gol aos 35 do primeiro tempo. Fazendo também uma jogada que lembrou Maradona, driblou muitos jogadores e quase fez um gol ontológico. Também tivemos o gol aos 57 do segundo tempo do atacante Julián Álvarez. Sendo um jogo que se tornou fácil para a seleção. Já nas quartas de finais, tivemos um grande confronto entre nações com declarações polêmicas sobre o craque Argentino antes da partida e sua seleção, em tom de revanche da última eliminação na Copa do Mundo de 2014. A resposta do craque foi simples é direta, sem falar muito como de costume antes da partida, ajudou seu time a marcar o primeiro gol com Nahuel Molina aos 35 do primeiro tempo e fazendo outro gol de pênalti aos 73 do segundo tempo. Na comemoração, provocou Van Gaal, levando as mãos aos ouvidos. Relembrando a comemoração de outro Argentino que foi o camisa 10 da seleção antes dele, Riquelme. Mas no fim a partida esquentou, com dois gols de Wout Weghorst aos 83 e nos acréscimos dados no último minuto, em uma linda jogada ensaiada levou a Holanda para a prorrogação. Na prorrogação houve muita entrega dos jogadores de ambos os times, até com a expulsão de Denzel Dumfries aos 128 minutos. Chegando as penalidades, brilhou a estrela de Emiliano Martínez, defendendo cobranças de penalidades. Com isso coube apenas aos jogadores converterem suas cobranças e passar de fase.

No final do jogo, ocorreu uma cena inusitada, na zona mista, Messi se desentendeu com o atacante Wout Weghorst, onde o argentino olha para o holandês que passava e proferi as seguintes palavras: “Está olhando o que, bobo? Vai para lá”. Uma atitude pouco vista, dado ao histórico jogo, e ainda disparou contra o técnico holandês: “Sofremos demais injustamente. Van Gaal vende que joga um bom futebol”. Saindo com um ânimo maior desta partida, a Argentina se prepara para enfrentar a vice campeã mundial, a Croácia com seu craque Luka Modric.

Passando pelo Brasil nos pênaltis, a Croácia, com moral elevado teve sua chance de chegar a segunda final seguida. A partida se desenvolveu com a Argentina se sobrepondo a Croácia a maioria do jogo, com uma atuação de gala de Lionel Messi, fazendo um gol de pênalti aos 34 minutos do primeiro tempo e tendo participação nos gols de Julián Álvarez aos 39 do primeiro tempo e 69 do segundo. O terceiro gol é marcante nessa partida, em uma arrancada excepcional, acelerou e parou no momento certo, dando um drible desconcertante no zagueiro Gvardiol, que não havia sido driblado nessa competição até então; e assim entregou um passe para o atacante argentino fazer o terceiro gol, uma pintura.

Chegando em um final, um duelo entre a seleção da França e Argentina. Lembrando que está trajetória passada pela seleção Argentina no mata a mata teve três confrontos com europeus, fora a disputa com a Polônia na fase de grupo. Sendo que em alguns meses atrás o atacante e principal jogador da seleção francesa Kylian Mbappé deu uma entrevista que gerou um desconforto no continente sul-americano. A repórter Isabela Pagliari fez uma pergunta relacionada em nível de enfrentamento na América do Sul, o atacante francês respondeu que da seguinte forma:

“Eu penso que o Brasil também, que o Brasil é uma boa equipe. Existem várias equipes europeias também. Porque a vantagem que nós temos aqui é que sempre jogamos partidas de alto nível. Temos a Nations, por exemplo. Quando a gente chega na Copa estamos prontos. E a Argentina e o Brasil não têm isso. Na América do Sul, o futebol não é tão avançado quanto na Europa. E é por isso que quando você olha as últimas Copas, sempre são os europeus que ganham”,

Destacando assim, um pensamento eurocêntrico do jogador e de todos aqueles na Europa que creem e criaram uma liga apenas para europeus, acreditando ter as melhores seleção em sua maioria e desconsiderando o futebol praticado na América do Sul e no mundo.

Messi 2022
Fonte: Wikipédia

Criou-se um clima para essa final, muitos sul-americanos torceram para a Argentina ou para Lionel Messi ganhar a Copa do Mundo. Sendo o único troféu que faltava para o jogador. Mas muitos brasileiros e pessoas de outras nacionalidades também torciam para a França. Um confronto de nações imaginadas se aproximava. Quando o juiz apitou, começou a disputa da final do maior torneio do mundo, a seleção Argentina impôs sua dança lúdica e de garra. Com uma partida magistral no primeiro tempo, Di Maria sofre um pênalti e a batida foi delegada a Lionel Messi. O jogador em uma batida calma caminhava para a cobrança de pênalti passando perto de Mbappé. Cobrou e fez, um a zero aos 23 minutos do primeiro tempo. No segundo surge de uma jogada excepcional, onde a bola e tocada para Messi, e ai ele faz uma jogada que só grandes jogadores conseguem fazer, ele para dominando a bola, atraí a marcação e dá um passe para o lado, acelerando o jogo andando, e em seguida Mac Allister lança Di Maria que marca o segundo gol da seleção argentina. Controlando o primeiro tempo todo.

No segundo tempo, saiu nas redes sócias um vídeo de Kylian Mbappé, exercendo um papel de liderança atuou com palavras e com ações na final, enfatizando que a Copa do Mundo é de quatro em quatro anos e era inaceitável a atuação de sua seleção até o momento. A partir deste momento, no segundo tempo a partida ficou equilibrada e no final do jogo, Mbappé decidiu, em duas jogadas marcou gols aos 80 minutos, em um pênalti cometido por Otamendi, onde converteu com perfeição a penalidade. O segundo gol é feito logo após, em uma tabela do craque, fazendo um golaço de voleio e empatando o jogo. Levando assim a partida para a prorrogação.

O embate de estilos de futebol continuava, também na área técnica no jogo todo, com mudanças que impactaram diretamente a partida. Já na prorrogação o jogo se fez equilibrado, em uma jogada aos 108 minutos, com participação e criação, Messi faz um passe para Lautaro Martínez que chuta e Messi pega um rebote com a perna direita e faz o gol que coloca a Argentina a frente novamente da França. Contudo essa dança dramática estava longe de acabar, aos 118 minutos do segundo tempo da prorrogação, Mbappé chuta e pega na mão de Montiel e é declarado pênalti para a seleção francesa. Mbappé cobra e marca, se tornando o primeiro jogador a fazer 3 gols em uma final de Copa do Mundo, levando a disputa para os pênaltis.

Em uma final dramática, talvez a maior final de todos os tempos de uma Copa do Mundo, consagra um goleiro, é seu nome é Emiliano Martinez. As primeiras cobranças são convertidas pelos melhores jogadores de cada equipe. Contudo, na segunda cobrança Kingsley Coman vai para a bola, bate no canto direito do goleiro, e então Martinez salta para defender o pênalti, vibrando muito após o feito. No segundo pênalti da Argentina, Paulo Dybala bate no meio do gol e faz. No terceiro pênalti, Aurélien Tchouaméni chuta para fora, visando o canto direito do guarda redes argentino. Em seguida Paredes converte. Na última parte das penalidades, Randal Kolo Muani, chuta uma bola forte no meio do gol e converte seu pênalti. Contudo, aquele que a bola tinha batido em seu braço, que cominou no pênalti convertido por Mbappé que deu a França a chance de ir as penalidades era o responsável por esta penalidade. Não titubeando, Gonzalo Montiel bate no canto direito, por baixo para consagrar-se campeão mundial pela seleção Argentina.

Alguns diriam que o enredo séria ainda mais impactante se tivessem eliminado a Inglaterra; contudo após 36 anos de espera, a Argentina se tornou campeã mundial pela terceira vez, passando pelos pês de Lionel Messi. Um jogador que por muito está entre os melhores da história ou é o melhor da história. Quebrando recordes como o de maior artilheiro argentino em Copas do Mundo e o único jogador a ser eleito duas vezes o melhor jogador de uma Copa do Mundo, em 2014 e 2022. Criando assim uma narrativa contada dentro de uma memória coletiva em comunidades imaginárias, criando vínculos afetivos com a geração que viu o jogador atuar e consequentemente, se tornando o maior jogador de sua geração.

Referência

ANDERSON. Benedict. Introdução. In: Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução: Denise Bottman – São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

BOSI, Éclea. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

DUNNING, Eric. Sociologia do esporte e processos civilizatórios. São Paulo: Annablume, 2014.

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TNT, Sports Brasil. Mbappé explica porque escolheu o PSG e não o Real Madrid!. Youtube, 23 de Mai. 2022. Acessado em 08 de Janeiro de 2023.

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Gabriel Sulino Martins

Graduado em Ciências Sociais - Licenciatura pela Universidade Federal de Goiás. Mestrando em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) pela Universidade Federal de Goiás. Foi bolsista pelo Centro de Ciência e Tecnologia em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da Região Centro-Oeste. Participou como voluntário, na modalidade Programa Institucional Voluntário de Iniciação Cientifica (PIVIC), de 2017 à 2019. Tem especial interesse pelas áreas de antropologia do consumo, educação e esporte. Fazendo parte como colaborador de dois grandes projetos de pesquisas: "Saberes, práticas e soberania alimentar da cultura regional do Centro-Oeste do Brasil" e "Centro de Ciência e Tecnologia em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da Região Centro-Oeste", coordenados pela professora Dra. Janine Collaço. É filiado ao Grupo de Estudos de Consumo, Cultura e Alimentação (GECCA) e Grupo de Estudos Aplicado ao Futebol (GEPAF).

Como citar

MARTINS, Gabriel Sulino. Um último tango? A trajetória de Lionel Messi e a seleção argentina na Copa de 2022. Ludopédio, São Paulo, v. 167, n. 16, 2023.
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