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Uma carreira e suas reviravoltas (e uma injustiça): Paulinho Wissmann

Já faz umas boas décadas que conheci um personagem do qual nunca esqueci. Não era a primeira vez que eu encontrava um jogador de futebol profissional, mas sua capacidade narrativa e a história que contava me deixaram impressões muito nítidas daquela noite em que, como convém em casa de gaúchos, foi servido um churrasco. Foi na casa de um professor importante para minha formação, Elenor Kunz, que a coisa aconteceu. Paulo Roberto Wissmann, o Paulinho, estava naquele verão de 1989 por assinar contrato com o Avaí Futebol Clube, de Florianópolis, que não vivia seu melhor momento, apesar da vitória no Estadual do ano anterior, título até hoje celebrado. Ainda não era a equipe que venceria a Série C do Campeonato Brasileiro de Futebol em 1998, tampouco a que se estabeleceria como contumaz participante, com algum sucesso, da segunda e primeira, divisões nacionais. A agremiação da Ilha de Santa Catarina já figurava, no entanto, como um clube tradicional em Santa Catarina.

A trajetória de Paulinho, que fora aluno de Elenor em uma escola em Ijuí, era das mais interessantes. Sem ter frequentado categorias de base, aparecera para o futebol jogando em times amadores, pulando para uma equipe profissional, a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul, apenas aos 22 anos, em 1984. Dali foi para o Esporte Clube São José, o Zequinha, onde atuou por dois anos na segunda divisão gaúcha, ao mesmo tempo em que frequentava, em Porto Alegre, um curso universitário à noite e dava expediente de oito horas em outro emprego. Para Caxias do Sul ele voltaria para a disputa do Gauchão de 1987, mas a nova permanência não durou mais do que meio ano, porque ao final do campeonato veio o empréstimo para o Internacional.

Apresentou-se no Colorado numa manhã de sábado e embarcou para a Europa na terça-feira, para a disputa de torneios de verão, o que vários times brasileiros costumavam fazer. De um dia para o outro, o lateral-esquerdo (que também atuava na direita) estava ao lado de jogadores que conhecia por enfrenta-los e por vê-los nas páginas da revista Placar, como Cláudio Taffarel e Luís Carlos Winck. Foram trinta dias, com partidas em Portugal, Espanha e Escócia, país em que o Inter venceu o Ajax Amsterdam, então treinado por Johan Cruijff e com Frank Rijkaard no meio de campo. Na volta ao Brasil, o time do Sul enfrentaria a Copa União, campeonato nacional patrocinado pela Coca-Cola, com 16 clubes, realizado à revelia da Confederação Brasileira de Futebol.

Na competição brasileira, o jovem time do Inter, treinado pelo bruxo Ênio Andrade, comandante no invicto título de 1979, avança como pode, e vai ganhando consistência. Paulinho, que começara na reserva, depois de um período afastado por causa de uma fratura na mão, volta ao time titular nas semifinais contra o Cruzeiro e nele permanece para as partidas decisivas, contra o Flamengo. Em dois jogos o campeonato seria decidido, o primeiro no Beira-rio, o segundo no Maracanã.

Paulinho Wissmann
Paulinho Wissmann quando era jogador do Internacional. Foto: Reprodução.

O Rubro-negro é um timaço. Zico, treinando no campo uma vez a cada três dias, e concentrando-se na fisioterapia nos outros, comanda, com Andrade, Leandro e o ex-Fluminense Edinho (ele atuara com o Galinho na Udinese), um time que também é formado por jovens: o gol é defendido por Zé Carlos, nas laterais atuam Jorginho e Leonardo, no meio está Aílton, enquanto o ataque é formado por Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho. Em Porto Alegre, o Inter resiste e o resultado é o empate em um gol. Paulinho, que atua mais recuado, quase como um terceiro zagueiro, compensando os avanços de Winck, ouve de Renato que o Colorado perdera sua chance, já que no Maracanã o Flamengo não deixaria o título escapar.

De fato. No Maracanã, aos 16 minutos do primeiro tempo, Aloísio (zagueiro que atuaria com sucesso no Barcelona e no Porto) tira de cabeça uma bola lançada na área, e ela sobra na direção da bandeirinha de escanteio, do lado esquerdo da defesa do Inter. Paulinho posiciona-se corretamente para a proteção da pelota, deixando-a afastar-se da meta colorada, mas Renato rouba-a e a recoloca em disputa. O bate-e-rebate começa e a pelota cai nos pés de Andrade, o volante dos passes precisos. Ele lança Bebeto que, em velocidade, vence o zagueiro Nenê (Carlos Roberto Santos, hoje treinador nos Estados Unidos) e marca na saída de Taffarel.

Renato estava em sua melhor fase na carreira de jogador, mais maduro em relação ao Grêmio de 1983, campeão da Libertadores e da Copa Intercontinental. Zico conta que contra as demandas dos companheiros de time para que o atacante ajudasse na marcação, ele mesmo, o grande ídolo, dizia que se incumbiria de acompanhar o lateral adversário, para que o camisa 7 ficasse, com Bebeto, pronto para dar suas arrancadas em direção ao gol.

Foi um lance o que bastou para que Paulinho não ficasse no Inter ao final do empréstimo, mesmo atuando como titular nas finais do Brasileiro de 1987. Décadas depois, ainda carregando a tristeza pelo acontecido, Paulinho ouviu do amigo Nenê que no lance do gol Taffarel gritou que estava na jogada, o que evitou que ele tivesse entrado duro em Bebeto. Galvão Bueno, em narração muito bonita, comenta que o grande goleiro (Bola de Prata de melhor jogador da posição naquele ano) demorara um pouco para sair em direção ao atacante rubro-negro. Mas nada disso parece ter importado, há coisas que o futebol não supera. E não foi só um erro frente ao excelente jogador que foi Renato, mas a disputa de um colorado perdida para o maior ídolo gremista. Insuportável.

Sim, tudo poderia ter sido diferente.

Ilha de Santa Catarina/Montevidéu, março de 2023.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Uma carreira e suas reviravoltas (e uma injustiça): Paulinho Wissmann. Ludopédio, São Paulo, v. 165, n. 25, 2023.
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