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Uma hipótese para a popularização do futebol no Brasil

João Paulo Streapco 4 de setembro de 2009

Quando as primeiras modalidades esportivas surgiram na cidade de São Paulo, no fim do século XIX, a cidade vivia um processo dinamizado de transformações que apagaria quase todos os registros materiais da cidade colonial no espaço de poucas décadas.

No decorrer daquele século e início do século XX, profundas transformações alteraram a fisionomia da cidade e os hábitos dos moradores, principalmente a elite, que aspirava a modernização prometida pelo advento da economia do café e a chegada da estrada de ferro.

A presença de imigrantes, inicialmente britânicos envolvidos na construção da estrada e em outras atividades relacionadas ao comércio de café e à expansão urbana, e, posteriormente, outros grupos nacionais, em especial os italianos, permitiu a introdução de novas práticas culturais até então desconhecidas da população tradicional.

Em 1897, por ocasião da Festa da Penha, a mais popular festa de São Paulo naquele período, o jornal “A Platéia” anunciava que “todos que ali vão, uns por devoção, outros simplesmente por espírito de curiosidade, encontram ali os melhores atrativos, a começar pelos conhecidos cavalinhos de pau, e a terminar no Coliseu Festa Alegre, que tem feito as delícias dos que ali vão, atenta a concorrência de amadores, não só do esporte pelotar como do ciclismo”.

Nessa citação verificamos que a festa religiosa por volta da década de 1890 atraía inúmeras pessoas, não apenas pela religião, mas por outras modalidades lúdicas e de lazer de caráter laico. Pelota, ciclismo, natação, basquete, pedestrianismo e todas as modalidades esportivas começavam a despertar a atenção da população que aos poucos passava a se dividir entre os festejos religiosos e as práticas laicas.

O futebol foi uma delas. Praticado como modismo pelas elites paulistanas ou como instrumento pedagógico em algumas escolas, a partir dos anos de 1880 e 1890, popularizou-se nas décadas seguintes, quando se transformou numa expressão cultural de grande vulto em nossa sociedade. Essa popularização não ocorreu fortuitamente ou por consentimento dos grupos dirigentes da cidade, mas como um processo de lutas simbólicas envolvendo os grupos sociais, étnicos e nacionais que viviam na cidade naquele período. O próprio documento mencionado mostra que as preferências locais neste período se davam para o ciclismo em detrimento do futebol.

É preciso ressaltar que o futebol não era a modalidade preferida dos britânicos que residiam no Brasil; o críquete gozava dessa posição e era praticado no Rio de Janeiro e em São Paulo desde a década de 1870. Em carta publicada na Revista da Banister Court School Vol.III, nº31, de março de 1904, Charles Miller chamava a atenção para a popularidade que o futebol tinha entre os brasileiros e o descrédito do críquete entre os mesmos.

Já naquela ocasião, os jogos entre ingleses e brasileiros atraíam até seis mil espectadores. Na decisão do segundo campeonato organizado pela Liga Paulista de Futebol, em 1903, segundo o próprio Charles Miller, cerca de 6 mil pessoas (uma enormidade para a época) assistiram ao jogo e fizeram grande algazarra quando o time paulistano fez um gol, indício de que a modalidade despertava interesse e seus fundamentos já eram dominados por setores variados da sociedade. No entanto, nada que fosse comparável ao fenômeno ocorrido em 1919, quando Paulistano e Palestra Itália se enfrentaram e mobilizaram a cidade em pleno feriado de Corpus Christi.

Se hoje podemos falar em mimetismo no caso do futebol em nossa sociedade, esse ocorreu porque a população brasileira dominava determinadas técnicas do corpo que lhe permitiram se servir do futebol como instrumento de lazer, de atividade social ou identitária.

Assim, num período de tempo que vai de 1895 a 1920, os espaços públicos como terrenos, largos, ruas e várzeas dos rios foram se transformando em espaços para que a população pobre da cidade pudesse jogar futebol, ainda que de maneira improvisada, da mesma forma que a elite se utilizava das Chácaras, do Velódromo Municipal ou do Parque Antarctica.

 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Paulo Streapco

Mestre em História Social pela FFLCH - USP, onde apresentou a dissertação intitulada "Cego é aquele que só vê a bola. O futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S.C. Corinthians Paulista, S. E. Palmeiras e São Paulo F. C. (1894 - 1942)."

Como citar

STREAPCO, João Paulo. Uma hipótese para a popularização do futebol no Brasil. Ludopédio, São Paulo, v. 03, n. 2, 2009.
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