A madrugada era fria. Os mais prevenidos levaram repelentes para se proteger dos mosquitos. Distraídos pediam emprestado e lambuzavam braços e pernas com o que parecia uma pomada.
Barracas e sacos de dormir já estavam posicionados, a fogueira esquentava casais jovens e amigos entusiasmados. Havia conversas paralelas em voz baixa, enquanto a maioria prestava atenção em quem tentava convencer o restante que sua história era assustadora.
Michael estava calado, em seu canto, meio isolado.
– Maiquinho, tá quieto. Vai, sua vez agora. Conta uma história de terror bem assustadora pra deixar a gente em pânico.
– Mas, fala alto!
– Deixa ele, Bruninha.
– Posso mesmo, Lê?
– Claro, manda ver!
– Então, a história mais aterrorizante que eu conheço é uma lenda do jogador humilde e fora de moda…
– Credo! Jogador de futebol?
– Sim! É sério! Meu pai me contava essa lenda quando mais novo, morria de medo. Era um jogador de futebol que não ressaltava humildade o tempo todo. Isso o fazia humilde. Nas vitórias, não era de ficar levantando as mãos pro céu e agradecendo seu deus de preferência, dando a entender que o deus alheio era menos poderoso. Todos o olhavam estranho nos vestiários e nos confrontos. Tal medo fazia ele se destacar ainda mais nos jogos. Nas entrevistas, reconhecia sua irrelevância perante os problemas importantes da sociedade. Não se achava acima do bem e do mal. Dizem até que ele se posicionava publicamente sobre assuntos políticos que afetavam o torcedor de seu time. Isso aumentava uma idolatria incontrolável…
O silêncio era ensurdecedor. Olhos arregalados miravam Michael. O interesse era geral, ainda que nem todos acreditassem na história.
– E tem mais: reza a lenda que ele não usava fones gigantescos para fugir de entrevistas, tampouco fazia questão de ostentar carrões e roupas caríssimas para demonstrar superioridade ao trabalhador comum. Até porque ele foi mais um daqueles que começou no futebol vindo de uma favela e se preocupava com algo além de seu umbigo. Sabia que melhores condições para o lugar onde nasceu eram mais relevantes que correntonas grossas. Houve uma vez em que ele se recusou a postar um vídeo de preleção, alegou que ninguém vê essas imagens depois de uma derrota e não curtia ser oportunista. Criticava dirigentes corruptos, tinha personalidade forte e pavor dos companheiros que se resumiam a falar em “superar as adversidades” e coisas do tipo. Peitava empresários e assessores, odiava o individualismo geral e…
– Para, Michael, para! Tá bom, você conseguiu. Essa foi a história mais aterrorizante de hoje. Ave Maria…
– Por isso ele tava ali, quietinho, só aguardando a gente baixar a guarda. Que horrível!
Michael sorriu de lado, trocou olhares com um flerte antigo. Foram para a mesma tenda, montada havia algumas horas. Ninguém conseguiu dormir naquela noite.