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Uma proposta radical, mas necessária

Filipe Fernandes Ribeiro Mostaro 11 de janeiro de 2016

A eleição realizada no dia 7 de dezembro no clube mais popular do Brasil foi pautada nas narrativas midiáticas pela escolha de dois treinadores: Muricy Ramalho e Jorge Sampaoli. Obviamente que embates políticos estavam em disputas e, além disso, os sentidos que cada treinador proporciona no cenário futebolístico. “Campeão”, “competente”, “adepto de futebol bonito” são algumas das associações imediatas que ambas chapas pretendiam realizar e influenciar o sócio na decisão do voto. Em outro post, destacamos nossa pesquisa doutoral que visa identificar as representações dos treinadores na narrativa midiática. Hoje vamos desenvolver de forma mais específica temas basilares em nossa tese que estão em constante discussão no ambiente esportivo-midiático.

Em 38 rodadas no Campeonato Brasileiro de 2015, 32 técnicos foram demitidos – um recorde desde quando o torneio passou a ser disputado na fórmula de pontos corridos e com 20 clubes participantes.  A média de quase um por rodada indica uma falta de planejamento dos clubes brasileiros. Os treinadores fazem parte de um sistema que pode ser exemplificado pelo clube de futebol. A Teoria dos Sistemas entende que nenhum fenômeno acontece sozinho, de forma única e exclusiva. Os acontecimentos não estão isolados, sem relação com outras condições que o circundam. Além da estrutura interna de um sistema, o ambiente externo também influenciaria essas interações. Essa teoria foi apresentada pela primeira vez pelo biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy em 1947 e ganhou o nome de Teoria Geral dos Sistemas. Deste modo, acreditamos que o treinador não é o único responsável no caso de vitória e também no caso de derrota. Muitas vezes os dirigentes se aproveitam para direcionar a culpa de maus resultados em uma única pessoa. Como é mais fácil trocar o técnico do que mudar 22 jogadores, ele constantemente é alvo da ira e de enquadramentos na imprensa que o moldam como vilão.

Estaríamos, então, eximindo sua culpa? Certamente que não. O que pretendemos é destacar que seu papel no futebol atual pode ser entendido como um ponto de partida para iniciar um planejamento para o clube. Cada equipe possui uma característica, um modo de jogar, mesmo que tais construções sejam flexíveis, porém são necessárias ao montar um time e escolher quem vai compor este sistema, neste caso os jogadores. As principais perguntas que os clubes não se fazem são: “Onde eu quero chegar?”, “O que eu pretendo?”, “Como vou fazer?”, “Qual modelo de jogo vou escolher?” Mesmo sabendo que tais questionamentos são maneiras de tentar “dominar” e “estabilizar” algo instável que é um jogo de futebol, acreditamos que as repostas a estas perguntas surgem como um pontapé inicial do time. Em resumo, é preciso pensar o clube em todos os aspectos.

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Muricy Ramalho quando treinou o Fluminense em 2010-2011. Foto: Wallace Teixeira – Photocamera.

Um grande exemplo é o Barcelona. O clube catalão possui uma identidade, maneira de jogar própria e exercida em todas as categorias. A escolha de seu técnico não é entendida como o salvador da pátria e sim se ele se encaixa no sistema já desenvolvido e o que ele pode contribuir para que as outras partes melhorarem seu desempenho dentro do que o Barcelona entende como futebol. O resultado importa? Sim, mas não deve ser o único fator de análise para atribuir sucesso ou não. Quem não se lembra da seleção de 1982? Jogou o que a imprensa costuma determinar como “verdadeiro estilo nacional”, com um futebol ofensivo e dinâmico. Perdeu, mas até hoje é lembrada como um grande time brasileiro em Copas do Mundo. Focar apenas no resultado é algo simples demais, e infelizmente, construído pelas narrativas midiáticas como fundamental. A mesma imprensa que pede planejamento e tempo de trabalho é a mesma que pede a saída de um treinador após três derrotas seguidas.

Sabemos que modificar um mapa cultural já sedimentado de criar “um fato novo” dentro do clube ao demitir o treinador é complexo, mas como qualquer mudança dentro de um sistema, deve ser iniciada e reajustada ao longo do tempo e das transformações do ambiente externo, sob pena do sistema se extinguir. Não queremos enfatizar o planejamento como “o salvador da pátria”, todavia acreditamos que sem ele o sistema se desmonta aos poucos, sem que se perceba ou note-se. O 7 x 1 ocorreu por vários motivos que não nos cabe aqui desenvolver, porém um deles julgamos importante: a falta de capacidade em notar que o ambiente externo está se alterando e nós, “maior futebol do mundo” não nos adaptamos a essas mudanças externas. Alguns vão esbravejar que alguns títulos de clubes foram conquistados no meio a bagunças administrativas. Sim, é claro, afinal o futebol é um jogo de incertezas e não pretendemos defender que quem planeja vai ganhar. De maneira alguma concordamos com o “planejamento” como maneira de chegar ao resultado final e ponto. Ele é muito mais do que isso, por mais que a lógica capitalista de resultados imediatos engendre este pensamento no futebol. Nosso foco é defender que ao se planejar você analisa todos os aspectos que são determinantes no sistema, que são muitos, e não privilegia apenas um.

A proposta que sugerimos é radical, mas entendemos como necessária para começar a organizar o futebol nacional. Nossa ideia é: nenhum clube poderia trocar de técnico durante o ano. Caso, por algum motivo específico, o treinador seja demitido ou peça demissão, nenhum outro poderia ser contratado, nem ele treinar outro clube, ficando a cargo da comissão técnica o comando do time. Seria um passo importante para entender o planejamento de um clube, não como meio para chegar a resultados e sim para defender uma ideologia de futebol dentro das equipes para preparar o terreno para mudanças na seleção nacional. Dentro da Teoria dos Sistemas, acreditamos que uma mudança como essa desencadearia uma séria de transformações dentro do sistema clube de futebol, interferindo decisivamente no futebol nacional.

Mas e se o treinador for muito ruim? Perder todos os jogos? É o preço que o clube pagaria por ter feito uma escolha errada, sem pensar no todo, e se os atributos do treinador são compatíveis com elenco e estrutura. Mas o clube seria rebaixado? Sim. No outro ano o clube precisaria pensar de maneira ampla na escolha dos componentes de seu sistema. O que precisa terminar é este troca-troca insano de treinadores “tapa-buracos”, que sabidamente chegam para ficar pouco tempo, esperando outro treinador ser demitido para ser cortejado. Essas transações endividam os clubes e desestruturam o planejamento físico e psicológico dos atletas. O futebol brasileiro precisa retirar essa “muleta” explicativa para toda derrota, que encobre outros problemas mais graves dentro dos clubes, que influenciam nos resultados e não são abordados. Retirando a “muleta” será possível constatar mais claramente as “doenças” que os clubes passam, principalmente pela falta de visão em planejar o que este clube quer.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Filipe Mostaro

Doutorando em Comunicação pelo PPGCOM - Uerj com bolsa CAPES. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ (2014). Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2006), especialização em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte pela FACHA-IGEC-RJ (2012). Foi bolsista de Apoio Técnico a Pesquisa do CNPq - Nível 1A no projeto LEME (Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte) - UERJ de 2014 a 2015. Pesquisador do Grupo Esporte e Cultura da UERJ. Integra também o Grupo de Pesquisa Comunicação e Esporte, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Autor do livro GARRINCHA X PELÉ: influência da mídia na carreira de um jogador (2012). Atua principalmente nos seguintes temas: comunicação com ênfase em Rádio, TV, Jornalismo Esportivo, Copas do Mundo, representações, narrativas midiáticas e identidade nacional.

Como citar

MOSTARO, Filipe Fernandes Ribeiro. Uma proposta radical, mas necessária. Ludopédio, São Paulo, v. 79, n. 5, 2016.
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