Nos últimos anos o São Paulo Futebol Clube vem sendo apontado como o principal adversário do Corinthians Paulista, talvez porque tenham sido importantes as contendas recentes entre ambos, talvez porque com esse clássico atualiza a narrativa de que o primeiro é um time de elite e o segundo, um clube popular. A história registra partidas memoráveis, como a final do Campeonato Brasileiro de 1990, primeiro título nacional do Timão, ou a do centésimo gol de Rogério Ceni, em 2011. Quanto às origens dos clubes e sua radicação social, as coisas são mais complexas do que a mitologia reafirma.

Também são emblemáticas as disputas entre os dois alvinegros, o do Parque São Jorge e o da Baixada. Dois santistas, cada um em sua época, infernizaram a vida do Corinthians. Há poucos anos era Robinho que, salvo engano, não foi derrotado pelo alvinegro da capital enquanto atuava pelo Peixe. Ademais, não há quem não se lembre da final do Brasileiro de 2002, quando ele e Diego, entre outros meninos, despontaram como os futuros craques que nenhum deles, no entanto, chegou a ser. Foram oito pedaladas do atacante para cima do lateral Rogério, cujo resultado foi um pênalti e logo o primeiro gol da vitória e do título santista. Pelé, por sua vez, teria feito cinquenta e dois gols em cinquenta jogos, mantendo uma invencibilidade de onze anos do time praiano. Não é à toa que o jogo que deu fim àquela década e tanto de infortúnio seja cultuado como um dos mais importantes da história corintiana, o 2 x 1 de 1968, com gols do artilheiro Flávio Minuano e de Paulo Borges, ponta-direita em seu terceiro jogo pelo time depois de ser contratado a peso de ouro junto ao Bangu Atlético Clube.

Sim, são importantes para o Corinthians os confrontos contra o Tricolor, assim como os que têm o Santos como adversário. Mas derby, mesmo, para os corintianos, é contra o Palestra Itália, a Sociedade Esportiva Palmeiras, como o da última quarta-feira (um péssimo jogo de futebol, aliás, e sem torcedores presentes) e como o de hoje, que define o campeão paulista de futebol de 2020.

Rivellino.

Em minhas recordações, o primeiro derby é o de 1974, partida final do Paulista, o que fez o Corinthians completar vinte anos sem um título. A grande esperança era Roberto Rivellino, o maior jogador da história corintiana, mas que não jogava sozinho, tampouco podia vencer sem a colaboração dos outros dez jogadores. Muito criticado pela imprensa que o responsabilizou pela derrota, ele foi praticamente expulso do clube poucas semanas depois, transferindo-se para o Fluminense carioca. Com avô italiano, dono de uma olaria no então longínquo Brooklin Paulista, onde crescera, Riva era palmeirense na infância e tentou jogar pelo Palestra, optando mais tarde pelo rival porque encontrara pouco acolhimento para seu futebol no Parque Antártica.

Em 1999 e 2000, aconteceram os dois derbies mais difíceis para os alvinegros, depois do de 1974, quando foram desclassificados da Libertadores, competição que ainda não haviam vencido. O título brasileiro de 1999 e o do I Mundial de Clubes organizado pela FIFA, em 2000, não tiraram o gosto amargo daquelas derrotas. Nos pênaltis, a consagração foi de Marcos, goleiro mais que identificado com o Palmeiras.

Marcos defende pênalti de Marcelinho Carioca. Foto: Reprodução.

A rivalidade entre os clubes é grande, como todos sabem. Uma vez ouvi o goleiro Sérgio, que na maior parte da carreira foi suplente de Marcos, dizer que gostava das camisas de jogo mais escuras. Perguntado duas vezes se havia alguma proibição do uso da cor preta, não respondeu, deixando claro que seria intolerável para os palmeirenses testemunharem um dos seus com a cor do maior rival. Por outro lado, toda uma vidraria da Arena Itaquera teve que ser trocada, ainda antes da inauguração, em 2014, porque contra a luz ela parecia ganhar tons de verde.

De qualquer forma, não foram poucos os que atuaram por um e outro clube, às vezes mudando de lado sem estadias intermediárias em outras agremiações. O meia-atacante Neto talvez seja o caso mais famoso, mas o lateral e volante Rogério fez o mesmo percurso, o da Água Branca para Itaquera; Paulo Borges, por sua vez, jogou no Palmeiras por empréstimo durante seus tempos de Corinthians. Elias foi dispensado ao final de sua formação nas categorias inferiores do Palmeiras e anos depois foi o motor do meio-de-campo alvinegro nos títulos da Copa do Brasil e do Paulista em 2009. Weverton concluiu sua formação na base corintiana e hoje é titular da meta palmeirense. Luizão, Müller, Freddy Rincón, Paulo Nunes, Edmundo, Marcão, Edílson, Edu Dracena, Antônio Carlos, Viola, Gabriel, Bruno Henrique, Willian, entre tantos, atuaram lá e cá. Mais ainda: Vanderlei Luxemburgo foi campeão fora das quatro linhas por ambos, assim como Osvaldo Brandão, este o técnico vencedor do fatídico Paulista de 1974 e igualmente três anos depois, pelo Timão, tirando-o da fila de mais de duas décadas sem títulos.

Luiz Adriano, atacante palmeirense, e Gil, zagueiro corinthiano, disputam bola no primeiro jogo da final do Campeonato Paulista 2020. Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas.

Hoje é dia de derby, mas não teremos em campo Rivellino, tampouco Luís Pereira, o zagueiro que comandava a zaga alviverde nos primeiros anos da década de 1970, para depois ser o xerife da defesa do Atlético de Madrid. Foi dele, após um desarme em Riva (ou falta, segundo outra interpretação), o começo da jogada que resultou no gol de Ronaldo, o da vitória e do título de 1974. Restam-nos Luan e Felipe Melo. Não, não é a mesma coisa. Mas ainda é um Palmeiras x Corinthians.

Ilha de Santa Catarina, agosto de 2020.


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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. O verdadeiro Derby: Corinthians x Palmeiras. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 18, 2020.
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