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Esquema tático: o Villarreal de 2005/06

Lucas Ivoglo Castro 13 de junho de 2020

De uma canção dos Beatles, vem a alcunha do Villarreal, um dos clubes mais tradicionais do futebol espanhol. Não tão grande quanto Barcelona e Real Madrid, mas respeitado como poucos, o “submarino amarelo” fez uma campanha marcante na temporada 2005/06, quando chegou à semifinal da Liga dos Campeões e foi eliminado pelo Arsenal. Mas antes disso acontecer, o time de El Madrigal não era nada badalado, tampouco conhecido e só foi estrear na elite do futebol espanhol em 1998, após 65 anos de sua fundação.

Entretanto, seu debute na primeira divisão espanhola não foi como se esperava, ainda que tenha sido um momento histórico, “Los Amarillos” acabaram rebaixados para a segunda divisão novamente, amargando a 18ª colocação do campeonato. Mas seu retorno estava com data marcada, na temporada 1999/00, a equipe da província de Castelló conseguiu sua classificação na divisão de acesso para a principal e começaria uma história surpreendente em território nacional e, posteriormente, continental.

Conseguiu um sétimo lugar logo no primeiro ano depois do retorno e continuou em ascensão, garantindo vaga dois anos depois na Copa da UEFA ao vencer a Copa Intertoto, torneio de qualificação onde participavam times que não alcançavam a classificação para as principais competições européias, ou seja, a Liga dos Campeões e Copa da UEFA, agora com a denominação de Liga Europa. E a escalada rumo ao sucesso não parava.

O Villarreal na Liga dos Campeões

Sob o comando do treinador chileno Manuel Pellegrini, a magia começou a fluir naturalmente. Com a melhor campanha de sua história e um marcante terceiro lugar na temporada 2004/05 do Campeonato Espanhol, o Villarreal disputaria pela primeira vez a Liga dos Campeões no ano seguinte. Pellegrini viu na América do Sul um meio de obter sucesso e atingir seus objetivos de conquistar a Europa, quase que um troco em tom de justiça poética com os colonizadores europeus que fizeram do continente americano sua fonte de renda por muito tempo.

Os jogadores sul-americanos encantavam na Espanha, davam o brilho necessário ao submarino amarelo, sendo que os torcedores privilegiados se rendiam aos encantos de: Riquelme, Forlán, Sorín, Arruabarrena, Marcos Senna, Sebastián Viera, Peña e Gonzalo Rodríguez, todos titulares durante toda ou grande parte da temporada. 

A estreia no torneio europeu mais cobiçado da Europa foi diante do Everton, da Inglaterra, na fase pré-eliminatória. Com duas vitórias pelo mesmo placar de 2 a 1, o time espanhol avançava à fase de grupos, onde enfrentaria os gigantes Manchester United e Benfica, além do tradicional Lille, da França. Os três primeiros jogos do Villarreal foram três empates. A primeira vitória saiu no quarto jogo, fora de casa, diante do Benfica. Depois um novo empate contra o Manchester, na última rodada veio a segunda vitória em casa, contra o Lille, garantindo-se nas oitavas de final do torneio.

O submarino amarelo do Villarreal. Arte: Revista Pelota.

Nas oitavas outra equipe tradicional do velho continente, o Rangers, da Escócia. Com dois empates, em 1 a 1, na Espanha e 2 a 2, na Escócia, os espanhóis avançaram para as quartas, onde iriam enfrentar a gigante Internazionale. A parceria entre Riquelme e Forlán ditava o ritmo do submarino amarelo, que até então estava invicto. Porém, o primeiro revés chegou na partida de ida das quartas contra os italianos, que venceram por 2 a 1. Na volta, com uma exibição de gala do argentino Riquelme, o Villarreal venceu por 1 a 0, com gol de Sorín e fazia história ao se classificar para a semi.

Faltando apenas três jogos para o tão sonhado título, o adversário seria o Arsenal que vivia o melhor momento de sua história na Premier League e também brigava pelo título inédito na Liga dos Campeões. A segunda derrota na competição aconteceu no primeiro jogo do confronto diante dos ingleses, pelo placar de 1 a 0 no estádio Highbury, com gol de Kolo Touré. Uma semana depois, na Espanha, o mundo estava voltado ao confronto que daria uma vaga inédita à final do torneio continental.

O jogo começou muito amarrado, no entanto a equipe espanhola começou a se soltar mais no decorrer da partida. No começo do segundo tempo acontece um pênalti e a expectativa era enorme em cima do maestro do time, Juan Román Riquelme. Acabou que o argentino parou na frieza do goleiro alemão, Jens Lehman, que fez a defesa e garantiu o 0 a 0 no placar. A penalidade perdida frustrou os torcedores do Villarreal que acabou sendo eliminado, mas em nada diminuiu o orgulho de terem presenciado o melhor time de toda a trajetória do clube fazer história, mesmo sem uma eventual conquista importante de título. Aquele plantel recheado de sul-americanos definitivamente ficou na memória de cada amante do clube.

Para ilustrar como o Villarreal enfrentava seus oponentes, tentamos destrinchar da maneira mais fiel possível o campo de jogo e a função de cada jogador. Com um esquema 4–4–2, Pellegrini tinha algumas cartas na manga para confundir os adversários. No desenho tático, a formação do time parecia não fugir dos padrões do clássico sistema de jogo, porém o chileno fazia de seu sistema defensivo uma linha de quatro, segurando os laterais Arruabarrena e Javi Venta, liberando Sorín para atuar de ala e apoiar o ataque. O boliviano Peña revezava com o espanhol Quique Álvarez na realização de seu dever básico de defender. Como quarto zagueiro, Gonzalo Rodríguez era o titular absoluto da posição. Josico ficava na contenção e Marcos Senna se tornava uma peça fundamental, encaixando-se no esquema como um segundo volante ou por vezes desempenhando a função de terceiro homem de meio campo, com investidas ofensivas e distribuição de jogadas.

A orquestra amarela era regida pelo grande maestro, Juan Román Riquelme. O camisa dez que usava a número 8 manteve seu espetacular futebol que o consagrou alguns anos antes no Boca Juniors e, com justiça foi considerado o craque do time. No ataque Diego Forlán teve um dos melhores senão o melhor ano de sua trajetória futebolística. Ora centroavante, ora segundo atacante, o uruguaio, ao lado de Henry, foi o jogador que mais marcou gols na Europa em 2005, dividindo o prêmio “chuteira de ouro” com francês, marcando um total de 25 gols naquela oportunidade. Ao lado de Forlán, com menos fama mas não menos importante, o espanhol José Mari. O ponta que começou despontando de forma meteórica no Sevilla e depois Atlético de Madri, foi desbravar seu futebol no Milan, não se adaptou e retornou à Espanha, encontrando seu bom futebol no Villarreal. Sempre precisando fazer alguma intervenção aqui e acolá, Manuel Pellegrini tinha total confiança em seus suplentes que, quando fosse solicitados, supririam as determinadas funções em questão.

Riquelme, o destaque

O estilo de jogo de Riquelme era uma forma de beleza cênica, sempre foi uma alegria assisti-lo atuar. Mas o que mais chamava a atenção era sua notória quietude em campo. Como se ele fosse um monge, que não se importasse com sucesso ou fracasso no campo de jogo. Ele nunca sorria, nunca se irritava; em vez disso, deixava sua marca nas partidas com uma concentração sólida. Pode ser descrito melhor como um “conto” de futebol, que não termina mesmo depois de terminar.

O monge Riquelme pelo Villarreal

Antes de puxar a cortina final, daquele pênalti defendido por Lehmann, precisamos ressaltar a importância que Román constituiu e conquistou em El Madrigal. Assim como Maradona e Zico, que fizeram o mundo notar Napoli e Udinese, Riquelme fez os amantes da bola notarem e se apaixonarem um pouco pelo time amarelo da província de Castelló.

Tanto taticamente quanto tecnicamente, o meia argentino ditava o jogo e tornava a vida de seus companheiros um pouco mais fácil. Claro que o momento e brilho de Forlán ajudava de maneira descomunal, porém quando a orquestra necessitava de um maestro para regê-la corretamente, Riquelme logo aparecia.

Foi a temporada inteira dessa forma, até chegar na semifinal da Liga dos Campeões diante do Arsenal. Da partida de ida, com a vitória do time inglês por 1 a 0, até o jogo da volta no momento da penalidade a favor do Villarreal, só se pensava quando e como Riquelme iria resolver e colocar o time espanhol na história do torneio.

E na caminhada do craque até o encontro a bola, nada poderia combinar mais que Carlos Gardel cantando “Por una Cabeza”. Na Argentina, o tango tornou-se sinônimo de paixão, melancolia e tristeza. Conforme sentencia uma famosa expressão “o tango é um pensamento triste que se pode dançar”. Assim, Riquelme partiu pra bola e… Leminski se fez presente recitando seu mais belo e triste poema:

“Um homem com uma dor é muito mais elegante. Caminha assim de lado como se chegando atrasado. Andasse mais adiante, carrega o peso da dor. Como se portasse medalhas, uma coroa, um milhão de dólares ou coisa que os valha. Ópios, édens, analgésicos, não me toquem nessa dor. Ela é tudo o que me sobra. Sofrer vai ser a minha última obra”.

Lehmann defendeu! Assim como os Beatles, o sonho havia acabado naquele momento com a eliminação após o apito final. Contudo esse pênalti perdido não tirou o brilhantismo da passagem de Juan Román Riquelme pelo Villarreal, em especial naquela temporada, falando diretamente do mundo do futebol onde tudo é possível.


* Seguindo os clamores populares, a música que acompanha a campanha histórica desse Villareal só poderia ser Yellow Submarine dos meninos de Liverpool.


A Revista Pelota em parceria com o Ludopédio publica nesse espaço os textos originalmente divulgados em sua página do Medium.

 

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Lucas Ivoglo Castro

Criador e idealizador do Canal Mais Cinco Minutos e do Documentário "Voltaremos".

Como citar

CASTRO, Lucas Ivoglo. Esquema tático: o Villarreal de 2005/06. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 29, 2020.
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