olê olá negrada olha a linha
sustenta essa pisada nosso rei nossa rainha
toada de maracatu de Leão Coroado
Se o “futebol arte” é aquele das jogadas bonitas em campo, e seria o oposto do “futebol força”, aquele que joga na marcação e destruição de jogadas, hoje em dia só se fala em “futebol moderno”, um futebol que tenta fazer as duas coisas, e não consegue nenhuma. Além do mais, o tal futebol moderno só se faz possível com muito dinheiro, para controle de corpos dos chamados atletas de alta performance. Coisa pra quem tem capital né não? Espetáculo pra consumidor assistir. O futebol não é isso. Nunca foi.
Fico cá preferindo que ainda existisse um futebol folguedo.
A palavra folguedo vem do latim follere, e está ligada com o fole, instrumento utilizado para se inflar de ar, e soprar o fogo, atiçando suas chamas. Também é desta raiz que surge o termo folgar, pois follere também queria dizer “respirar, tomar fôlego depois de um esforço”.
O termo folguedo, no Brasil, virou sinônimo de festas populares, como os reisados, congadas, bumba-meu-boi, maracatus, marujadas, entre tantos. E ainda, os que participam destes folguedos são os foliões, estes que caem na folia, ou têm a cabeça cheia de ar, termo aliás que na França virou folie sinônimo de loucura.
Eu fico olhando a bagunça que o menino Vinícius Júnior anda fazendo na Espanha, e penso que ainda existe uma fagulha de futebol folguedo por aí.
Os protestos de Vinícius Júnior contra o racismo são a coroação de um rei negro que exige que seja reconhecida sua realeza. Segura a pisada forte, na linha, impõe seu lugar de nobreza. E, como nos maracatus e congadas, ele se nega a parar de dançar. Ele coloca seu corpo e o utiliza do jeito que quiser, onde quiser.
Vinícius Júnior é um guardião do futebol folguedo.
Um guardião é aquele que protege os saberes anestrais. E para ser um guardião, é preciso saber escolher aquilo que se deve lembrar, e aquilo que se deve esquecer. Muitas vezes, como nos maracatus, a estratégia para preservar um saber, não é esconder, mas sim transformar-se em guardião coletivo. Vinícius, como tantos outros jogadores de futebol (raros atualmente, é verdade) é guardião coletivo de segredos. Dos saberes dos dribles, da resistência, da dança improviso, do desimportante, da desobediência de corpos que não se sujeitam a serem tratados como simples peças de reposição.
Nos maracatus de Recife, todas as nações são guardiãs dos segredos dessa cultura popular. Mas dentro deles, o Leão Coroado se finca como um guardião especial de tradições. Tanto que desde 2000, por decisão de Mestre Afonso, que recebeu o maracatu de Mestre Luiz de França, não disputa mais carnavais na avenida. Reconhecido como um patrimônio imaterial, o Leão Coroado não se rende às pressões do carnaval, que exige das nações cada vez mais, um espetáculo para consumidores, e cada vez menos folia sagrada e profana.
Leão Coroado não disputa campeonato, porque sabe que existem coisas mais importantes do que quantidade de títulos. Coisas que não se compram, nem se vendem.
Vinícius Júnior é Leão Coroado. É realeza que não se rende ao capital do espetáculo.
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