Procurar os culpados pela violência no futebol nos faz pensar sobre a participação dos próprios jogadores. O desempenho durante a partida, envolve o antes e o depois, afeta a emoção dos torcedores fora de campo, o que permite comparar o futebol como um concerto. Uma grande orquestra, os torcedores são os músicos e os jogadores estão na condição de maestros do espetáculo.

Ao lado das quatro linhas o torcedor reproduz o que vê em campo. As muitas brigas, xingamentos e ameaças entre atletas, usadas para desestabilizar o adversário, inflamam animosidades do lado de fora do gramado e que não ficam restritas ao período da partida.  

O torcedor na arquibancada acompanha seu maestro com atenção, respondendo a cada indicação da nota mais aguda ou grave, principalmente quando essa é expressa através do comportamento agressivo e ríspido contra outro companheiro de trabalho.

A importância da regência dos jogadores é reconhecida na frase: “vocês da imprensa”. Proferida para se referir aos profissionais da mídia esportiva – virou até nome de podcast esportivo[1] – e provoca uma manipulação obducta, pois, os profissionais do futebol sabem que agindo assim promovem o engajamento em suas redes sociais e deixam de assumir sua responsabilidade.

O que perguntamos de maneira repetida, é: vai acabar a violência no futebol? Presumivelmente, não! Para acabar a violência no futebol, há necessidade de a sociedade deixar de ser violenta, uma utopia. Entretanto, lutamos para fazê-la diminuir, pois, como espaço de confraternização a cólera não é condizente.

Muito se discute em punir, mas pouco se fala em prevenir. Afinal, quem devemos punir? O delinquente disfarçado de torcedor? O clube? Os dois? Segunda questão: como punir? Restringir a liberdade ou incentivar trabalhos voluntários? Pagamento de multa? Redução de pontos dos clubes durante o campeonato? Expulsão do clube da competição? As dúvidas existem e soluções práticas podem ser aplicadas, entretanto, se as autoridades não levarem a sério os casos de violência no futebol, não teremos respostas para elas, mesmo que todos entoem incessantemente o refrão de uma música.

Torcida
Foto: Fabio Soares/ Futebol de Campo

Se desejarmos diminuir os casos de violência no futebol, precisamos organizar ações e estipular prazos. Um exemplo, é a punição que se faz importante no curto prazo. Muitos atos violentos ocorridos no “calor do momento”, justificam que o torcedor comum não é agressivo, mas se deixou levar pela regência, isto é, animosidade durante o jogo, raiva acumulada de uma ou várias derrotas, mensagens acaloradas em redes sociais, fake news esportivas e rivalidade clubística. Atos cometidos nas mais diversas competições, um crime que compensa.

O torcedor mesmo sabendo que comete um crime, tem consciência de que não será prejudicado, pois, os casos são geralmente esquecidos após o período de comoção ou até uma nova situação ocupar o seu lugar.

Pesquisas mostram que a prevenção é mais eficaz do que a repressão, seus resultados podem ser consagrados no médio e longo prazo. Portanto, os clubes devem elaborar campanhas de combate à violência no futebol a partir dos seus próprios jogadores, orientando sobre o comportamento violento dentro e fora dos gramados. O que não significa diminuir a intensidade do jogo e o desejo de vitória, mas rever a regência da orquestra ao ritmo da melodia do jogo limpo.

Precisamos tirar as ideias do papel e ver elas na prática, aplicar a redução da violência no dia a dia, ensinar para nossos filhos desde cedo que o futebol não é uma abertura para cometer crimes e infrações. Há necessidade de intervir toda vez que alguém cometer violência verbal ou física no futebol. Inclusive, expressando não apoiar a depredação dos espaços nas arenas e estádios, carros e ônibus dos clubes.

Somente assim, a longo prazo, conseguiremos proporcionar a reeducação, fazendo com que o futebol deixe de aparecer nas páginas policiais. A beleza do futebol deve ser exaltada por meio da análise dos embates (conquistas e derrotas), lances, passes e jogadas extraordinárias. O que significa apreciar uma música mais alinhada com o espetáculo e condizente com o conceito de arte.

Hoje, infelizmente, o Brasil continua no topo do ranking dos países com maior número de mortes cometidas por grupos violentos associados as torcidas de futebol. Uma hipótese indica que a melodia produzida pela orquestra está carregada de racismo, homofobia, misoginia, xenofobia e intolerância religiosa. Situação que afirma estarmos sendo embalados ao ritmo do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda,[2] fazendo questão de dançar com coreografia ensaiada ou, mais moderno, dancinha/passinho. Destarte, a violência presente na sociedade encontra no futebol uma orquestra afinada com os atos de violência cada vez mais naturalizados.

Notas

[1] Disponível em: https://interativos.ge.globo.com/podcasts/programa/voces-da-imprensa/.

[2] HOLANDA, Sérgio Buarque. O homem cordial. São Paulo: Penguin Classics; Companhia das Letras, 2012.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Iasmin Dias da Conceição

Graduanda em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bolsista de Extensão do programa de bolsas UDESC. Membra do grupo Núcleo de Estudo em Gestão e Marketing Esportivo (NEPEGEM).

Daniel Machado da Conceição

Doutor em Educação, Mestre em Educação e Cientista Social pela UFSC. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (NEPESC/UFSC), Grupo Esporte & Sociedade.

Como citar

CONCEIçãO, Iasmin Dias da; CONCEIçãO, Daniel Machado da. Violência no futebol: quem é o culpado? (parte I). Ludopédio, São Paulo, v. 155, n. 28, 2022.
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