Violência no futebol: quem é o culpado? (parte I)
Procurar os culpados pela violência no futebol nos faz pensar sobre a participação dos próprios jogadores. O desempenho durante a partida, envolve o antes e o depois, afeta a emoção dos torcedores fora de campo, o que permite comparar o futebol como um concerto. Uma grande orquestra, os torcedores são os músicos e os jogadores estão na condição de maestros do espetáculo.
Ao lado das quatro linhas o torcedor reproduz o que vê em campo. As muitas brigas, xingamentos e ameaças entre atletas, usadas para desestabilizar o adversário, inflamam animosidades do lado de fora do gramado e que não ficam restritas ao período da partida.
O torcedor na arquibancada acompanha seu maestro com atenção, respondendo a cada indicação da nota mais aguda ou grave, principalmente quando essa é expressa através do comportamento agressivo e ríspido contra outro companheiro de trabalho.
A importância da regência dos jogadores é reconhecida na frase: “vocês da imprensa”. Proferida para se referir aos profissionais da mídia esportiva – virou até nome de podcast esportivo[1] – e provoca uma manipulação obducta, pois, os profissionais do futebol sabem que agindo assim promovem o engajamento em suas redes sociais e deixam de assumir sua responsabilidade.
O que perguntamos de maneira repetida, é: vai acabar a violência no futebol? Presumivelmente, não! Para acabar a violência no futebol, há necessidade de a sociedade deixar de ser violenta, uma utopia. Entretanto, lutamos para fazê-la diminuir, pois, como espaço de confraternização a cólera não é condizente.
Muito se discute em punir, mas pouco se fala em prevenir. Afinal, quem devemos punir? O delinquente disfarçado de torcedor? O clube? Os dois? Segunda questão: como punir? Restringir a liberdade ou incentivar trabalhos voluntários? Pagamento de multa? Redução de pontos dos clubes durante o campeonato? Expulsão do clube da competição? As dúvidas existem e soluções práticas podem ser aplicadas, entretanto, se as autoridades não levarem a sério os casos de violência no futebol, não teremos respostas para elas, mesmo que todos entoem incessantemente o refrão de uma música.

Se desejarmos diminuir os casos de violência no futebol, precisamos organizar ações e estipular prazos. Um exemplo, é a punição que se faz importante no curto prazo. Muitos atos violentos ocorridos no “calor do momento”, justificam que o torcedor comum não é agressivo, mas se deixou levar pela regência, isto é, animosidade durante o jogo, raiva acumulada de uma ou várias derrotas, mensagens acaloradas em redes sociais, fake news esportivas e rivalidade clubística. Atos cometidos nas mais diversas competições, um crime que compensa.
O torcedor mesmo sabendo que comete um crime, tem consciência de que não será prejudicado, pois, os casos são geralmente esquecidos após o período de comoção ou até uma nova situação ocupar o seu lugar.
Pesquisas mostram que a prevenção é mais eficaz do que a repressão, seus resultados podem ser consagrados no médio e longo prazo. Portanto, os clubes devem elaborar campanhas de combate à violência no futebol a partir dos seus próprios jogadores, orientando sobre o comportamento violento dentro e fora dos gramados. O que não significa diminuir a intensidade do jogo e o desejo de vitória, mas rever a regência da orquestra ao ritmo da melodia do jogo limpo.
Precisamos tirar as ideias do papel e ver elas na prática, aplicar a redução da violência no dia a dia, ensinar para nossos filhos desde cedo que o futebol não é uma abertura para cometer crimes e infrações. Há necessidade de intervir toda vez que alguém cometer violência verbal ou física no futebol. Inclusive, expressando não apoiar a depredação dos espaços nas arenas e estádios, carros e ônibus dos clubes.
Somente assim, a longo prazo, conseguiremos proporcionar a reeducação, fazendo com que o futebol deixe de aparecer nas páginas policiais. A beleza do futebol deve ser exaltada por meio da análise dos embates (conquistas e derrotas), lances, passes e jogadas extraordinárias. O que significa apreciar uma música mais alinhada com o espetáculo e condizente com o conceito de arte.
Hoje, infelizmente, o Brasil continua no topo do ranking dos países com maior número de mortes cometidas por grupos violentos associados as torcidas de futebol. Uma hipótese indica que a melodia produzida pela orquestra está carregada de racismo, homofobia, misoginia, xenofobia e intolerância religiosa. Situação que afirma estarmos sendo embalados ao ritmo do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda,[2] fazendo questão de dançar com coreografia ensaiada ou, mais moderno, dancinha/passinho. Destarte, a violência presente na sociedade encontra no futebol uma orquestra afinada com os atos de violência cada vez mais naturalizados.
Notas
[1] Disponível em: https://interativos.ge.globo.com/podcasts/programa/voces-da-imprensa/.
[2] HOLANDA, Sérgio Buarque. O homem cordial. São Paulo: Penguin Classics; Companhia das Letras, 2012.