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Violência nos estádios

Victor de Leonardo Figols 15 de dezembro de 2013

Pensar nos motivos que levam um grupo de pessoas a agredir outro não é tarefa fácil, ainda mais quando essa agressão vem carregada de significados simbólicos, como é o caso de violência entre torcidas. Na busca por uma explicação, sociólogos, antropólogos, psicólogos, e até historiadores, se debruçaram sobre o tema.

A violência nos estádios pode ser interpretada de diversas maneiras, a partir de diversos pontos de vistas. A agressão ao outro nunca é gratuita, em linhas gerais, pode ser vista como um momento de libertação, de descarga das frustações cotidiana, de sentimento passional doentio pelo clube, de um comportamento irracional das massas, de reflexo da violência do mundo contemporâneo, ou até mesmo de puro sadismo.

Agredir o outro, a partir dessas interpretações, nos leva a pensar que no fundo o prazer está na derrota do outro do que na própria vitória, ainda que essa derrota não seja nos gramados e sim em uma batalha campal. Enxergar o outro como inimigo a ser eliminado está sempre presente nos discursos desses torcedores violentos. Entretanto, vale lembrar que, para que haja a exortação de um grupo, obrigatoriamente é necessária a derrota do outro. Nesse sentido, um grupo depende do outro para garantir a sua existência, uma vez que toda vitória é celebrada em cima da derrota do outro.

No Brasil, a violência nos estádios está associada às torcidas organizadas, já em outras regiões do globo, a imagem violenta que as torcidas assumem é identificada nos hooligans, nos barra bravas e nos ultras. A denominação hooligan é comumente usada nos países anglo-saxões, principalmente na Inglaterra. Os barra bravas são grupos da América do Sul, sobretudo na Argentina e Uruguai. Já os ultras são encontrados nos países latinos da Europa (principalmente na Espanha e na Itália) e em países do leste europeu (principalmente em países da ex-URSS e ex-Iugoslávia).

O que torna esses grupos semelhantes é o fato de estarem associados a um clube de futebol e por serem compostos de torcedores jovens de classe média baixa. A distinção encontra-se na filiação política, o caso dos ultras é muito mais evidente; esse grupo de torcedores exalta o nacionalismo e na maioria dos casos, estão ligados à ideologia de extrema direita, como o fascismo.

O exemplo mais trágico da ação dos hooligans ação dos hooligans aconteceu em 1985, em um jogo válido pela Taça dos Campões da Europa, na Bélgica. Na ocasião, Liverpool da Inglaterra e Juventus da Itália se enfrentaram em campo. Nas arquibancadas, devido a uma divisão fraca entre o hooligans do Liverpool e os ultras da Juventus, as torcidas entraram em confronto, que gerou tumulto em todas as regiões das arquibancadas. A briga entre os dois grupos e a confusão gerada, pressionou diversos torcedores em um muro, que devido à pressão, caiu. O saldo negativo desse confronto foi 38 mortes.

Como consequência da confusão, e por entender que a briga teve origem por parte dos torcedores ingleses, a UEFA (federação máxima do futebol europeu) decidiu por proibir equipes britânicas de participarem das competições europeias por um período de cinco anos. Além disso, Margaret Thatcher, primeira ministra britânica na época, criou diversos mecanismos para acabar com a violência entre torcidas dentro e fora dos estádios.

Thatcher entendia que o futebol inglês desse período era uma questão de segurança pública. As medidas tomadas pela primeira ministra, de certa forma, surtiram efeitos. A violência nos estádios britânicos diminuiu drasticamente, principalmente nos anos 1990, e ainda é possível notar essa diminuição nos dias de hoje.

Na América do Sul existem diversos exemplos do choque entre torcidas. Pensando nos casos mais latentes, temos como exemplo a morte do menino Kevin Espada durante um jogo válido pela Copa Libertadores da América, entre Corinthians e San Jose da Bolívia, em Oruro, no dia 20 de fevereiro de 2013.

Na ocasião, um sinalizador de navio partiu da torcida organizada do Corinthians (Gaviões da Fiel) em direção à torcida do San Jose. O projétil atingiu o rosto de um menino de 14 anos, matando-o na hora. Após uma pequena confusão entre a torcida do Corinthians e a polícia local, foram detidos 12 torcedores do Corinthians, supostamente acusados de terem atirado o sinalizador.

Ilustração: Anna Bohigas – cargocollective.com/nnbohigas.

Depois de cinco dias, um jovem membro da torcida, de 17 anos se entregou a polícia brasileira afirmando que o disparo do sinalizador ocorreu de maneira acidental. Entretanto, mesmo com a confissão do jovem torcedor, os 12 torcedores permaneceram presos em Oruro durante cinco meses, sendo liberados no último mês de agosto.

Um pouco mais de 20 dias após a liberação dos 12 corintianos, três torcedores desse grupo foram identificados em uma briga entre torcedores do Vasco da Gama e do Corinthians, em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro, que foi realizado no recém-construído Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Nas arquibancadas do novo estádio entraram em confronto membros das duas torcidas organizadas. Devido aos recentes acontecimentos envolvendo a torcida organizada do Corinthians, o Ministério Público pediu a dissolução da Gaviões da Fiel, alegando o descumprimento de um termo de conduta assinado por 50 torcidas em 2011.

Fim das organizadas?

Por duas vezes o Ministério Público pediu a dissolução da torcida organizada do Corinthians. Em 2012, após uma briga entre torcedores da Mancha Alviverde (do Palmeiras) e da Gaviões da Fiel próxima a um terminal metropolitano de ônibus, casou a morte de dois torcedores do palmeiras.

Na prática o pedido de dissolução de uma torcida organizada não traz efeitos práticos, na verdade obriga à reestruturação da torcida organizada, mudando o seu nome e sua razão social.

A título de exemplo, tais mudanças já aconteceram em outras ocasiões, com a Mancha Verde, que passou a se chamar Mancha Alviverde (em 1995), e com Independente (do São Paulo), que passou a se chamar Torcida Independente (em 1998). Aliás, essas duas últimas torcidas citadas se envolveram em uma briga no estádio do Pacaembu em jogo válido pela já extinta Supercopa de Futebol Júnior, em 1995. Ao final da confusão, havia mais de 100 feridos e um morto, até hoje nenhum responsável pela briga foram punidos.

Portanto, a dissolução de uma torcida organizada não significa de fato o seu fim, pelo contrário, a “dissolução” força a organizada a mudar determinadas coisas, que na prática não surge efeito nenhum para combater a violência nos estádios.

Ainda que o Ministério Público consiga acabar, parte desses torcedores violentos que compõem as organizadas será colocada na clandestinidade, dificultando ainda mais a identificação dos envolvidos em brigas. Também existe a possibilidade do surgimento de diversas torcidas organizadas que tenham como matriz a extinta organizada, ou seja, ocorreria à descentralização da torcida, o que não significa o fim da violência nos estádios.

Pensando no espetáculo do futebol, acabar com as torcidas organizadas significaria acabarem com as músicas, os cantos, as faixas, as bandeiras e todos elementos que ornam os estádios. O fim das organizadas aplicaria acabar com formas específicas de torcer que já fazem parte da identidade do clube, da identidade coletiva dos torcedores daquele clube.

Por fim, o que quero chamar a atenção é para a importância das torcidas organizadas no Brasil, no que diz respeito ao espetáculo. Também quero ressaltar que torcidas organizadas não são violentas por natureza, e que nem todo membro de organizada é violento. Deste modo, a discussão não deve ser baseada no fim das torcidas organizadas, na verdade deve-se combater a violência nos estádios, não as torcidas.

Esse texto foi originalmente publicado no blog O Campo e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Violência nos estádios. Ludopédio, São Paulo, v. 54, n. 5, 2013.
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