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Volker Ippig: ídolo da contracultura no futebol alemão

Leila de Melo Universidade do Esporte 23 de janeiro de 2021
O goleiro alemão Volker Ippig. Foto: Reprodução.

Minha admiração por atletas e times que se posicionam além das quatro linhas não é de hoje. Recentemente, me deparei com a história de um deles, Volker Ippig, que fora goleiro do cultuado clube de resistência e contracultura, FC St. Pauli alemão.

Existem poucos clubes no mundo com ideias e visões tão revolucionários no futebol quanto o St. Pauli da Alemanha. O time de Hamburgo é local de acolhimento das mais diversas facetas da minoria ética, sexual e também é o braço esportivo de alguns partidos militantes da esquerda. Neste cenário lhe apresento um de seus ídolos, o goleiro Volker Ippig.

Volker Ippig não foi um goleiro brilhante, fato. Inclusive, esteve muito longe de ser um dos grandes nomes da posição em seu país, mas fez algo que poucos jogadores no mundo fizeram: ajudou a transformar a cultura de um clube. Em oito temporadas defendendo as cores do St. Pauli, único time em que atuou na carreira, Ippig simbolizou a mudança do modesto clube de Hamburgo para um sucesso internacional, símbolo da contracultura no futebol profissional.

Entre os anos de 1979 e 1991, Ippig foi o arqueiro titular do clube. Àqueles eram tempos de ouro de uma cidade que vivia a alegria do Hamburger SV de Kevin Keegan e Felix Magath, sob a batuta do técnico austríaco Ernst Happel. Se por um lado o grande clube da cidade conquistava o país e Europa, por outro o modesto St. Pauli sonhava em conquistar o mundo, mas por motivos que iam muito além do futebol.

O bairro em que se situa o St. Pauli é famoso em toda a Europa. Conhecidíssimo pela rua de Reeperbahn, habitada por proletários, trabalhadores do porto, pelos punks e por suas prostitutas. Mas nem sempre houve uma forte identificação entre o povo que ali habitava e o seu clube.

No começo dos anos 1980, o estádio do St. Pauli, Millerntor-Stadion, recebia em torno de 1.500 torcedores. No entanto, a chegada de Volker Ippig ao bairro mais “vermelho” de Hamburgo mudaria as coisas. Nascido e criado na pequena Eutin, a 100 km de Hamburgo, Ippig, que não tinha uma clara posição política, foi se transformado ao melhor estilo St.Pauli. Nascido em 28 de janeiro de 1963, Volker chegou a Hamburgo com apenas dezoito anos para ser goleiro do time do bairro portuário.

Arqueiro titular do St.Pauli, Volker, que ia para os treinamentos de bicicleta ou de ônibus e entrava em campo com o punho erguido, foi um dos grandes elos entre o sentimento da comunidade e o clube St.Pauli. O atleta foi adquirindo consciência política ao conviver com as pessoas da região e consequentemente usou de suas ideias para transformar o clube. Símbolo da revolução que acontecia no Millerntor, Volker viu o seu clube se transformar em seu povo.

Durante a sua passagem no clube, Ippig interrompeu por três vezes a sua carreira futebolística para se envolver em projetos sociais. No ano de 1982, deixou o clube para se tornar monitor de crianças órfãs com incapacidades motoras.

Já em 1984 fez uma nova parada para abrir um centro espiritual num terreno que adquiriu nos subúrbios de Hamburgo, onde se dedicava ao cultivo de produtos macrobióticos e a recitar poesia revolucionária para quem o quisesse ouvir. A terceira “aposentadoria”, e também a mais emblemática de todas, aconteceu no em 1987 quando viajou à Nicarágua para ajudar a reconstruir aldeias destruídas pelo exército governamental.

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Cada vez que retornava à cidade, o clube o readmitia imediatamente e, no primeiro jogo em casa, era sempre o último jogador a subir ao gramado, com o punho bem alto, recebendo uma ovação dos torcedores que o tinham como ídolo.

Ipping era um ídolo acessível, algo pouco habitual no mundo do futebol moderno. Em seu cotidiano, o goleiro batia bola com as crianças do bairro nos parques, ajudava idosos que moravam sozinhos, levando comida e fazendo companhia a estes. Já nos pubs do bairro ele debatia política com torcedores e pagava ingresso de alguns que não podiam assistir aos jogos.

Em 1991, na reunificação alemã, Ipping foi uma das vozes mais contundentes contra os problemas de discriminação que os cidadãos do lado oriental iriam encontrar na Alemanha Ocidental e também foi o ano em que sofreu uma lesão grave que o faria se aposentar em definitivo dos gramados. Ele tinha apenas vinte e nove anos.

Ao pendurar as chuteiras, o jogador iniciou sua carreira como treinador de goleiros, ele atuou em vários clubes do norte da Alemanha. Mas, à medida que os anos passavam e a mecânica dos cifrões do futebol moderno iam se enraizando, os espaços para um idealista como ele iam se tornando cada vez menores. Ippig teve de voltar a trabalhar com as mãos, mas desta vez no porto.

O antigo ícone do St. Pauli confessou ter se desiludido com o rumo que o clube tomou, mercantilizando demais a sua própria ideologia, tornando-se num símbolo cool da contracultura, bem como a as camisas com a imagem do seu ídolo de infância, Che Guevara. Para ele, o espírito original que transformou o clube e a cidade num caldeirão de emoções, que ferveu intensamente durante a década de oitenta, são apenas lembranças.

Torcida do St. Pauli, da Alemanha, em dia de protesto em favor do movimento LGBTQIA+. Foto: Divulgação.

A história de Volker Ippig se confunde com a do St. Pauli, com sabores e dessabores. O clube que hoje tem cerca de 11 milhões de simpatizantes apenas na Alemanha e tem média de 22 mil torcedores em seu estádio. Apesar de não ir bem das pernas na temporada atual da segunda divisão da Bundesliga, o St. Pauli segue sendo um ícone do futebol alemão.

Quanto a Ippig, ele continua vivendo no bairro que lhe abriu os olhos para as mazelas do mundo. Divide seu tempo entre a família, uma escola de goleiros e um trabalho no porto de Hamburgo, segue sendo o que sempre foi, um homem simples, um em meio a tantos de seu povo.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leila de Melo

Ex-atleta frustrada e jornalista por vocação. Fã de Kobe Bryant e de esquema 4-4-2. Escreve sobre esporte, porque a vida não  é o bastante. Jornalista formada em comunicação social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Como citar

MELO, Leila de. Volker Ippig: ídolo da contracultura no futebol alemão. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 41, 2021.
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