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Vozes veladas nas políticas de esporte

Enrico Spaggiari 17 de fevereiro de 2010

Nos últimos anos, as atenções do mercado de futebol e da mídia têm se voltado não só para os atores envolvidos diretamente nos jogos profissionais, mas também para o processo de formação e seleção de novos jogadores. Acredita-se ainda que muitos dos jogadores profissionais são formados nos campos de futebol de várzea, reconhecidos historicamente como “celeiros de craques”. Porém, ocorreu, nas duas últimas décadas, uma proliferação das escolinhas de futebol, onde a prática futebolística é ensinada como um “saber” a ser aprendido.

Afirmava-se que os jogadores começavam a jogar nas peladas, nas ruas da cidade, nas areias das praias, etc. Porém, com o processo de urbanização e especulação imobiliária, diminuem gradativamente as áreas de prática de futebol varzeano nas regiões centrais do espaço urbano de São Paulo. Com a restrição das áreas centrais da cidade, os campos de várzea deslocaram-se para as periferias paulistanas. Esse processo de deslocamento das práticas de futebol varzeano configura novas formas de vivência das práticas futebolísticas, encarnadas pelas escolinhas, quadras de futebol society, etc. Portanto, faz-se necessário um mapeamento inicial para superar algumas análises que as caracterizam simplesmente como uma modalidade de aprendizado do futebol e uma experiência voltada para determinados setores da sociedade, que impõe certos critérios mais elitistas e mercadológicos à prática.

Próximos de mais uma eleição municipal, faz-se necessário, também, um mapeamento mais amplo que observe os inúmeros programas sociais e campeonatos esportivos ministrados por toda a cidade de São Paulo. Programas e projetos criados e geridos por diferentes gestões, dos mais diferentes partidos, ao longo das últimas décadas na cidade paulistana, que merecem ser conhecidos e utilizados pela população.

Em setembro de 2007, por exemplo, a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação (Seme) oferecia várias opções esportivas para os paulistanos, como: a fase municipal dos Jogos da Cidade, V Campeonato Mais Esporte, 2° Festival Mais Esporte de Capoeira Infanto-Juvenil, Sampa Skate, entre outros. O V Campeonato Mais Esporte, realizado desde o ano de 2003, começa com uma etapa regional, disputada simultaneamente em cada uma das subprefeituras da capital, cujo campeão qualifica-se a disputar a etapa municipal, que consagra o campeão do torneio.

Além das disputas regionais e municipais, também são realizados festivais específicos. Ao longo do ano, outros campeonatos foram realizados. O mais famoso deles talvez seja a Taça Cidade de São Paulo, disputada ao longo do ano, e que aponta como objetivos o incentivo da prática do futebol entre crianças e jovens do município; promover saúde através da prática esportiva; utilizar o futebol como fator de inclusão social; propagar o espírito de equipe; formar cidadãos e revelar novos talentos. É voltada para garotos de 12 a 17 anos, divididos três categorias – Mirim (12 e 13 anos), Infantil (14 e 15 anos) e Juvenil (16 e 17 anos) –, praticantes em clubes esportivos, clubes municipais e estaduais da cidade, associações comunitárias, academias e escolas de futebol. Com jogos realizados sempre aos sábados, tal Taça apresenta uma primeira fase regional, da qual saem as vencedoras que disputarão a etapa municipal em confrontos eliminatórios. Embora organizada pela Prefeitura da cidade de São Paulo, ocorre a participação de outras equipes da Grande São Paulo e de outros municípios.

Outro campeonato que reúne um número menor de participantes e de dias de competição, porém, uma maior diversidade de modalidades, são os Jogos Infanto-Juvenis da Cidade de São Paulo de 2007, realizados em abril e maio, com diversas modalidades individuais (Atletismo) e coletivas (Basquetebol, Handebol, Futebol de Salão e Voleibol) e participação de estabelecimentos de ensino, entidades, agremiações e clubes amadores, sediados no Município de São Paulo. Dividido em duas categorias: infantil, para os nascidos nos anos 1992 e 1993, e juvenil, para os nascidos nos anos de 1990 e 1991, tanto do sexo masculino e feminino. Entre seus objetivos, enfatiza-se, também, o aspecto socializador da prática, como o desenvolvimento da autodisciplina, o caráter educativo da prática desportiva, incentivar à prática de várias modalidades esportivas e a revelação de novos talentos.

Durante o ano de 2007, diversas iniciativas, assim como o Programa Arena no Vale, ganharam espaço na mídia, entre elas os projetos: Esporte Boêmio, Virada Esportiva, Ruas de Lazer, Projeto Noite Esportiva e Programa Ludicidade. Mas talvez a principal manchete ao longo do ano de 2007, por aspectos positivos e negativos, tenha sido o projeto Clube-Escola. O programa Clube Escola tem como objetivo transformar os equipamentos esportivos da cidade em extensões das escolas paulistanas, com a oferta de atividades esportivas, recreativas e culturais. Não só os Clubes da Cidade, CDM´s e campos de futebol municipais, como também os grandes equipamentos esportivos: Estádio da Aclimação, Estádio do Pacaembu, Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, Parque das Bicicletas e o Estádio de Beisebol Mie Nishi. Incentiva-se, ainda, a inclusão digital e a melhora no desempenho escolar das crianças paulistanas. A proposta é de receber os alunos em períodos foras das salas de aula, não apenas para a prática de esportes, como também programas culturais e de saúde. Com a educação oferecida em tempo integral, concebe-se uma rotina na qual, nos termos da Seme, a criança e o jovem ficam mais tempo em atividade educativa e menos tempo exposta aos riscos da rua. A integração das áreas esportivas e educacionais, como se os clubes fossem uma extensão das escolas, apresenta-se como uma tipo de liame das políticas públicas e das ofertas comunitárias de cada bairro.

O Programa Arena no Vale, realizado entre os meses de maio e julho de 2007 no Vale do Anhangabaú, realiza, na parte da manhã, oficinas de futebol society para crianças e adolescentes das escolas e clubes municipais, das casas de abrigo, de comunidades carentes e moradoras de rua. Nos períodos noturnos, grupos organizados de adultos utilizam a quadra de futebol society para a realização de campeonatos, como: Motogol (campeonato de futebol society para motoboys), Copa Feminina de Futebol Society (para jogadoras de futebol), Copa Seme Interempresas (para trabalhadores das diversas categorias) e Ponto a Ponto (para taxistas). Trata-se, assim, de uma iniciativa que une um programa de atividades sociais a um sistema de campeonatos que procura atingir diferentes segmentos sociais.

Os discursos destes programas e projetos pouco variam; colocam entre seus objetivos a intenção de proporcionar lazer e a inclusão social, aprimorar as condições físicas, de saúde e educacionais, ou seja, o desenvolvimento integral do ser humano, para um melhor desempenho profissional ou escolar, maior bem-estar e satisfação de vida. Para além do discurso compartilhado por estas iniciativas, é preciso observar e “levar a sério” o que os beneficiados por estas políticas pensam e defendem. Pesquisar, assim, as vozes inaudíveis das políticas públicas (paulistanas ou brasileiras), representadas em maior número no contingente de crianças e jovens urbanos e não-urbanos. E, por fim, representadas no cinema pelo jovem Dario, do filme Linha de Passe, que não desiste de seu sonho, sempre bem colocado, ansioso para completar a tabela.

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1- Usar os clubes municipais para prática do lazer e esportiva durante a madrugada. O objetivo é propor diversão e, ao mesmo tempo, diminuir a violência e o crime na cidade, a partir da apropriação dos espaços pelas crianças e jovens.

2- Organizada nos moldes da Virada Cultural, as Viradas Esportivas pretendem colocar atividades esportivas à disposição do público por 24h, inclusive durante a madrugada.

3 – Ruas autorizadas para serem fechadas para atividades de lazer em dias específicos, aos finais de semana.

4 – Proposta de abrir os parques municipais durante a madrugada para atraírem jovens para os locais para a prática do esporte.

5 – Tem como objetivo estimular a espontaneidade e criatividade infantil, valorizando o direito da criança brincar. O programa é composto pelos projetos: Brinquedotecas nos Clubes da Cidade, encontros para formação de ludo-educadores, brinquedoteca Itinerante Ônibus Brincalhão, Tenda do Brincar e Praças Ludo Esportivas.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Enrico Spaggiari

Mestre e doutor em Antropologia Social pela USP.Fundador e editor do Ludopédio.

Como citar

SPAGGIARI, Enrico. Vozes veladas nas políticas de esporte. Ludopédio, São Paulo, v. 08, n. 5, 2010.
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