Nunca entendi porque não seguimos os antigos colonizadores no nome do ápice do futebol. Gritar golo me soava mais poético que o tradicional gol, herança do goal, da época em que futebol era football. Mesmo que as normas cultas da língua portuguesa sejam contrariadas quando o plural vira gols e não gois, com o passar do tempo aceitei a escolha vira-lata, contra a qual não podia lutar.
Por outro lado, nas vezes em que a bola na rede é fruto de uma jogada muito bonita, nada é melhor que golaço. Gastei uns bons trocados na conta telefônica ao ligar para um amigo português. “Goloaço” me parecia um nome bem estranho.
– Chamamos de “grande golo” ou “golo com nota artística”, ó pá – me tirou a dúvida com um sotaque inconfundível, não sem antes falar do gajo Cristiano e do Benfica.
Nesse estranho tempo de padrões patrocinados para comemorar os gols, é curioso não haver regras para a definição de um golaço. O superlativo indica um grau de excelência. E se a palavra geradora de gritos é sagrada, apenas obras de arte com a bola nos pés têm o legítimo direito de serem intituladas como o ápice do ápice.
Pois, reparem: o meia bate uma falta, a bola passa pela barreira que não salta, o goleiro pula com mãos de dinossauro, a pelota não sobe muito e sequer atinge o ângulo, balançando as redes em altura média; num golpe de sorte, o lateral carrancudo e desengonçado chuta de fora da área, ela desvia no zagueiro distraído, vai para a direção contrária e morre nas redes. Dois golaços, disseram. Apenas belos gols, eu digo.
Não consigo me conformar com o exagero. Vejo uma tabelinha bola envolvente, deixando o adversário tonto e finalizando antes que possamos piscar; o atacante cola a bola nos pés como um velho brinquedo do Gugu, passa por meio time e dá um leve toque para não parar embaixo das redes e gerar uma humilhação em praça pública; um chute, a curva Tamburello traçada no ar, um salto infinito com braços esticados é inútil; uma bicicleta com pneus cheios; um voleio. Isso é golaço!

Mas, talvez pelo baixo nível do esporte que aqui se pratica, os critérios para a definição de um golaço parecem cair ano após ano. Um candidato a, no máximo, golão, vira uma lindeza até a semana seguinte.
Os verdadeiros golaços e só os verdadeiros golaços poderiam até valer por dois. Daqueles que, ao vermos, sentimos a necessidade de sair da arquibancada, voltar para a bilheteria e pagar mais um ingresso depois de uma pintura nos gramados. O dia em que dei um chute revoltado na quadra da escola, com os pés voltando lentamente ao solo enquanto os olhos arregalados seguiam a redonda atingindo o encontro das traves não entraria nessa conta.
Num futuro, o golaço poderia até servir como melhor critério de desempate. É a única forma possível de qualificar um tento. Em caso de igualdade, quem tivesse o gol mais bonito passaria à próxima fase. Para isso, teríamos que usar uma escala rígida: gol, belo gol, golaço e GOLAÇO!, assim, com a exclamação acoplada à palavra maiúscula e superlativa. Nem todo chute desviado se enquadraria em algo além da segunda adjetivação, bem como as boas bicicletas seriam obrigatoriamente gigantescas.
Nas tabelas de classificação, seria o segundo critério, abaixo apenas de número de vitórias. Prezaríamos mais pela qualidade em campo e não só pelos resultados como um cumprimento de tarefa de escritório. O futebol ficaria melhor, mais bonito. Ninguém mais se contentaria com um gol simples.
– Golo é golo e ponto final! – gritou meu amigo português, antes de desligar o telefone.