163.26

Zé Maria (e Fernando Lázaro): salve o Corinthians

Foi com alegria e esperança que a Fiel Torcida recebeu o nome de Fernando Lázaro, no final do ano passado, como novo treinador do Corinthians Paulista. O anúncio foi feito em 20 de novembro, dia da consciência negra, e ele se soma agora a uns poucos não brancos que atuam na profissão. Antes auxiliar-técnico fixo do Timão, o profissional já atuara como analista de desempenho e coordenador do centro de inteligência do clube, entre outras funções. A boa expectativa tem a ver com as qualidades do jovem comandante, que também já compôs as comissões do Lyon, na França, e da seleção brasileira, além de ter se mantido invicto nas sete partidas em que dirigira interinamente o Alvinegro.

Mas há algo mais na empolgação dos corintianos. Lázaro é, no clube da Zona Leste paulista, um herdeiro: é filho de Zé Maria, o maior dos maiores laterais-direitos do Corinthians, campeão paulista no célebre 1977, quando o time saiu da fila de 23 anos sem títulos, em 1979 e no bicampeonato da Democracia Corintiana, em 1982-1983. No primeiro título, foi ele quem iniciou a jogada que culminou no histórico gol de Basílio, no terceiro jogo das finais contra a Ponte Preta (no time de Campinas, aliás, jogava na ponta-esquerda, ironicamente, seu irmão, Tuta). Neste 2023 completam-se 40 anos de sua despedida do Timão, depois de encerrar a carreira e atuar, por breve período e por escolha dos jogadores, como treinador.

No mesmo 1977 da saída do jejum, o Corinthians estreou na Copa Libertadores da América, competição que apenas em 2012 venceria. Na primeira partida o adversário foi o Internacional, que vencera os paulistas na final do Campeonato Brasileiro do ano anterior. No empate em um a um, o gol foi de Zé Maria. Quando o time entrou em campo, o lateral ostentava a camisa quatro e não a usual   de número dois, o que me fez perguntar por que se dava coisa tão estranha. Foi quando fiquei sabendo que naquele torneio jogava-se com numeração fixa, o que é muito comum hoje, mas não há quarenta e tantos anos. Registro que ver os jogadores em campo de um a onze me agradava muito. Suponho que o Santos foi o último dos grandes clubes brasileiros que sucumbiu ao fim dos clássicos números dos titulares.

Apesar da artilharia bissexta, Zé havia feito outro gol que me impressionara. Fora na semifinal do mesmo Brasileiro de 1976, vencido pelo Inter, na disputa de pênaltis em que o Corinthians eliminou o Fluminense em uma de suas melhores formações, aquela que é chamada de Máquina Tricolor. Coube ao jogador mais experiente da equipe do Parque São Jorge cobrar a penalidade decisiva que colocou seu time na primeira final nacional de sua história. Não deixa de ser irônico que um dos pênaltis perdidos pelo Flu tenha sido cobrado por Carlos Alberto Torres, que em 1970 fora o capitão do Tricampeonato Mundial, tendo como suplente, exatamente, o lateral-direito paulista.

Fernando Lázaro
Fernando Lázaro, treinador do Corinthians, passa instruções para Renato Augusto. Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians.

Zé Maria foi, portanto, campeão na Copa disputada no México, assumindo a titularidade na edição seguinte, na Alemanha Ocidental. Deveria ainda ter ido à Argentina em 1978, mas acabou cortado por lesão pouco antes da viagem. Toninho, do Flamengo, e Nelinho, do Cruzeiro, figuraram na lista final de Cláudio Coutinho. Foi, aliás, pouco antes da conquista de 1970 que o jogador trocou a Portuguesa pelo Corinthians, onde faria história, não só pelos títulos, mas pela liderança, técnica e entrega de si a cada jogo.

Heiner Müller escreveu um belo um poema dedicado a Pina Bausch, em que se lê que quando a grande coreógrafa e bailarina está em ação, “há sangue na sapatilha”. Pois bem, ele também poderia ter se referido a Zé Maria, que nas finais do Paulistão de 1979 saiu do campo com o supercílio aberto, voltando a ele rapidamente para recompor a equipe, agora com a camisa manchada de vermelho. Era, para a alegria e orgulho dos corintianos, o Super Zé em ação. Há um ano e meio, o Corinthians inaugurou um busto para homenageá-lo no Parque São Jorge, e lá está, em forma de obra, a camiseta ensanguentada.

“Super Zé!” dizia meu pai, quando éramos crianças, ao lançar a bola para que a cabeceássemos, meu irmão e eu, de peixinho. Todos corintianos, vivíamos o jejum de títulos e nossa esperança começava pelo jogador de número dois nas costas. Assim como fez o meu com seus dois filhos, o pai de Fernando Lázaro legou-lhe o gosto pelo futebol. Zé Maria foi um grande jogador e Lázaro – inteligente, articulado e estudioso, além de conhecedor da cultura corintiana – tem tudo para se tornar um excelente treinador. Entre a experiência de um e de outro, o futebol mudou muito, dentro e fora do campo. Então, que a contemporaneidade do jovem técnico esteja a serviço das vitórias, mas, especialmente, do futebol que, assistindo seu pai a cada jogo, aprendemos a desfrutar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Zé Maria (e Fernando Lázaro): salve o Corinthians. Ludopédio, São Paulo, v. 163, n. 26, 2023.
Leia também: