A partir de uma tradição de estudos da linguagem no escopo da Análise Crítica do Discurso, através da análise da coesão lexical em textos da mídia impressa, dentro do projeto CORDIALL da Faculdade de Letras da UFMG, este trabalho abordou o campo discursivo das relações raciais brasileiras como representadas em corpus de jornal impresso. Foi destacada a opção de conceito de discurso como adotada em Fairclough (1992), onde esse é definido como práticas e relações sociais, como construção social da realidade e como forma de conhecimento. Isso possibilitou que se verificassem, nas escolhas no domínio da coesão lexical do discurso mediado, a natureza idelógica da construção de significados. Foi realizada uma análise das relações lexicais da palavra-chave racismo e de itens lexicais e colocações semanticamente relacionadas, organizadas em campos semânticos. Os conceitos centrais nesse campo discursivo foram analisados quanto a sua ocorrência no corpus, em contraste com seus usos e definições em dicionários e em publicações acadêmicas especializadas. Tais campos foram nomeados campo semântico das relações raciais naturalizadas, campo semântico das identidades sociais, com ênfase em identidades sócio-raciais, e campo semântico das relações raciais em reconstrução. O enfoque principal da pesquisa recaiu sobre as tendências no léxico, seccionado nesses campos semânticos, em termos de orientações para a diferença (cf. FAIRCLOUGH, 2003), ou seja, as tendências discursivas de um jornal impresso quanto à abertura, acentuação, tentativa de resolução, suspensão ou consenso acerca das diferenças, aspectos privilegiados na observação de padrões de interdiscursividade. Foram tomadas as bases metodológicas de Fairclough (2003), visando à identificação de tensões discursivas, assimetrias de poder, e tendências a mudanças discursivas para conceitos centrais das relações raciais no Brasil, como racismo, raça, cor da pele, étnico, preconceito, discriminação, ação afirmativa, sistema de cotas e democracia racial. Outro foco da pesquisa foram os movimentos de comodificação, de tecnologização, e de democratização do discurso. A escolha do corpus de mídia impressa levou em consideração três momentos de grande impacto nos debates sobre as relações raciais brasileiras: a comemoração do tricentenário da morte (imortalidade) de Zumbi dos Palmares, em 1995; a Conferência de Durban, em 2001; e os episódios de racismo no futebol no Brasil, a partir do caso Grafite, em 2005. Esses três anos foram destacados pela grande quantidade de textos contendo a palavra-chave racismo publicados no jornal eleito para o corpus, a Folha de São Paulo, significativamente maior do que dos outros anos da década entre 1995 e 2005. No primeiro momento, 1995, o destaque foi uma tendência à comodificação do discurso, tendo o principal marco daquele ano, o tricentenário de Zumbi, uma importância secundária em relação à publicação da Folha, o Racismo Cordial. Ficou evidenciado um elevado índice de auto-referenciação que permeou as práticas discursivas da Folha e seu grupo de empresas, possibilitando a constituição de discursos que se fizeram auto-sustentáveis, dando ao léxico daquele ano características marcantes. No segundo momento, teve destaque um grande teor de tecnologização do discurso, envolvendo a preparação brasileira para, e a participação na Conferência de Durban. Essa tecnologização foi resultado de esforços por uma intervenção organizada dos movimentos sociais e dos órgãos oficiais brasileiros, buscando também uma sintonia com discussões em outros contextos culturais, visando convergência política. No terceiro momento o destaque voltou-se para episódios de racismo no futebol, no Brasil e alhures, tendo sua culminância com o episódio de racismo do jogador argentino Desábato contra o jogador brasileiro Grafite, fato catalisado pela nacionalidade do agressor. Foi percebida uma aproximação significativa do item lexical crime em relação à palavra-chave racismo, provável resultado de uma maior divulgação e criminalização de fatos corriqueiros de racismo, no futebol e em outras esferas da vida civil, em muito influenciados por jurisprudências (ainda que não de fato, mas morais) desencadeadas pelo caso Grafite. Algumas determinações contextuais foram evidenciadas no léxico das relações raciais e tendências a mudanças mais permanentes foram apontadas, bem como a sobrevivência de noções anacrônicas e conceitos já refutados na literatura especializada, mas que exercem grande pressão sobre os discursos que a mídia impressa veicula.