Se nos últimos trinta anos houve a intensificação do que se convencionou chamar de mercantilização do futebol, ao mesmo tempo, dão-se diversos movimentos de grupos de torcedores de enfrentamento da influência crescente do dinheiro na relação deles com os clubes de futebol. O presente artigo analisa um vídeo produzido por um grupo de torcedores do Internacional de Porto Alegre, denominado O Povo do Clube, que tem como objetivos a luta contra a elitização de seu estádio e o resgate das raízes populares do clube, tal como historicamente foi formada a visão sobre o Inter, em oposição ao “clube da elite”, o seu rival Grêmio. Tal material é apresentado na abertura das reuniões que visam cooptar novos integrantes ao movimento e é composto por imagens antigas do estádio Beira Rio, sobretudo do setor que ficou conhecido como Coreia, que ficava próximo ao gramado de jogo, onde não havia cadeiras, assistia-se aos jogos de pé e eram cobrados os preços mais baratos, mas que foi extinto em 2004, sob a acusação de falta de segurança aos seus frequentadores. Às imagens de torcedores chegando ao estádio, abraçando-se na Coreia, ouvindo seus radinhos de pilha, chorando ou sorrindo com as conquistas e derrotas do Internacional, é adicionada uma música de fundo, “Um dia, um adeus”, composta por Guilherme Arantes. Tal música fala de uma relação amorosa que foi terminada, que uma das partes perde parte de sua identidade pessoal ao não ter mais o contato com a outra pessoa, mas que, no fundo, a incompletude com o fim da relação é das duas partes. A música é utilizada como uma metáfora do que o grupo considera ser a relação atual do torcedor do Internacional, que ocupa o papel do cantor, com o estádio Beira-Rio, a pessoa à qual a canção é endereçada. Com as mudanças sofridas ao longo do tempo, o vídeo passa a ideia de que ambos, o torcedor e o estádio, sofreram também com essas transformações, pois não são mais os mesmos da época das imagens. A identidade histórica do clube, como sendo formado por torcedores das classes populares, é reforçada com as imagens e a metáfora estabelecida, pois o estatuto de ambos, torcedor e estádio, são alterados quando o setor que abrigava o que se considera ser a essência da torcida colorada, a Coreia, espaço do estádio reservado aos pobres e aos negros, foi substituída por um local com cadeiras e que cobra ingressos mais caros. Além da identidade de classe e racial, com esse vídeo, o grupo mobiliza noções a respeito da forma considerada típica de se assistir a uma partida de futebol, aliados a um sentimento de romantismo, de resgate de um passado de sociabilidades nas arquibancadas do estádio Beira-Rio que deve ser retomado.
Palavras-chave: futebol; torcida; estádio.