O objetivo deste estudo é descrever o processo de entrada, ascensão e consolidação dos negros e mestiços no futebol brasileiro, bem como analisar os mecanismos de sustentação do poder empreendidos por determinados grupos sociais. A partir da análise dos sentidos das metáforas veiculadas pela mídia, focaliza-se a construção dos significados produzidos e partilhados por ela, em relação às questões de identidade, linguagem e discriminação. O estudo prioriza as notícias veiculadas pelos jornais após as derrotas da seleção brasileira em Copas do Mundo e discute o papel da mídia na reprodução e construção do racismo no futebol brasileiro. O referencial teórico metodológico é o da etnometodologia, no que concerne à construção da realidade pelos agentes sociais. Em relação aos mecanismos de sustentação, utiliza-se a teoria das representações sociais. A unidade de análise neste trabalho é a subjetividade coletiva (universos de significados compartilhados) construída pela mídia esportiva brasileira. Foram analisadas as notícias veiculadas nas Copas do Mundo de Futebol de 1950, 1982, 1986, 1990 e 1998. Cinco jornalistas esportivos de evidência foram entrevistados: Luís Mendes, Sérgio Noronha, Tino Marcos, José Ilan, Carlos Gil e ainda o jogador Jair da Rosa Pinto, que disputou a final da Copa de 50. A conclusão é que o sentido construído socialmente para determinadas metáforas, como por exemplo – amarelão, sem fibra, sem raça, tremedor, acovardado, tem como foco a desclassificação do indivíduo, sobretudo, como ser humano e não apenas como atleta. Esse sentido desclassificatório dirige-se com mais ênfase a determinados grupos de jogadores, que em geral são negros ou mestiços. A hipótese sustentada é que existe no Brasil um tipo de discriminação que é reforçada através de metáforas que desclassificam o indivíduo de pele escura. Nas derrotas da seleção brasileira, verifica-se uma reatualização do ritual sacrificial de vítimas inocentes, com a sua punição; a morte simbólica. Com o objetivo de aplacar a ira da multidão enfurecida, elege-se um bode expiatório. Assim, com o sacrifício do bode expiatório restabelece-se a unidade social, pelo menos por algum tempo. Este sacrifício tem por objetivo descarregar sobre alguém as frustrações, ódios e tensões acumuladas. No futebol brasileiro busca-se sempre um responsável, um culpado que personifique a derrota; este é um processo de objetivação realizado pela comunidade. Há necessidade de concretização e personificação da derrota. Assim, atribui-se a alguém a culpa. Utilizam-se metáforas para realizar o processo de objetivação. O dado é que os jogadores de pele escura não são apenas criticados por terem apresentado um futebol de má qualidade, as críticas vão além de seus papéis como jogadores; ferem também o ser humano. Por outro lado, os jogadores brancos podem até ser criticados, mas as críticas não são desclassificatórias. O processo é mimético. Todos querem ser campeões do mundo. Mídia, governo e população se projetam nos jogadores. O mimetismo gera a insatisfação, 7 pois não é sempre que podemos ser campeões do mundo. À insatisfação se associa o ódio e se ameaça o equilíbrio social. O equilíbrio é restabelecido mediante o sacrifício de um inocente. Esse rito ao mesmo tempo encobre e reproduz uma violência. Os jogadores negros e mestiços, efetivamente, se consolidaram no futebol brasileiro, apesar de todas as dificuldades que lhes foram impostas. Os relatos, entretanto, evidenciam que há um imaginário negativo em relação aos negros, quando se trata da posição de goleiro e dos jogadores que atuam na defesa. Em relação aos treinadores negros, estes ainda têm dificuldade de acesso a esse mercado de trabalho, principalmente no primeiro escalão do futebol nacional.