Boa parte dos textos acadêmicos que se ocuparam de compreender as relações raciais no futebol brasileiro não objetivaram reconstruir uma narrativa sobre o racismo a partir de fontes da época em que o futebol foi implantado no país. Ao invés de buscar entender os mecanismos de sua construção ou a lógica interna como operou – e ainda opera – a forma específica de discriminação racial no espaço do futebol, a preocupação daqueles autores, com raras exceções, limitou-se em buscar indícios de racismo, segregação ou em denunciar os preconceitos explicitados. Embora haja uma ampla consciência da existência do racismo entre os brasileiros, pouco se sabe como ele foi – e ainda é – vivenciado no futebol. Esforços significativos ainda não foram investidos para interpretar como a singularidade do racismo que se desenvolveu no Brasil opera no futebol local. Diante disso, a tese aqui apresentada objetiva analisar o “preconceito de marca” e a ambiguidade do “racismo à brasileira” no futebol. Minha hipótese é a de que o futebol brasileiro desenvolveu moralidades próprias que não deixaram de dialogar com a especificidade do preconceito existente no Brasil. Esta tese está organizada em duas partes. Na primeira delas, realizei uma leitura do “racismo à brasileira” partindo de um artigo publicado por um jornal da imprensa negra que, sem citar nomes ou provas, denunciava o fato de que jogadores de cor escura eram excluídos dos “matches representativos” do estado de São Paulo. Compreender essa tensão é o objetivo do 1º capítulo. Utilizando os escritos da imprensa negra sobre o esporte, no 2º capítulo observei as estratégias utilizadas pelas pessoas de cor da cidade de São Paulo para praticarem futebol e atletismo. Na segunda parte da tese foi analisado um ritual esportivo em particular: os jogos “Preto X Branco”, em dois períodos separados. Entre 1927 e 1939, os jogos eram realizados em São Paulo a cada 13 de Maio. Depois de alguns anos sem ser realizado, o “Preto X Branco” foi retomado e ocorre há 37 anos na periferia de São Paulo. Esses jogos simbolizam a ambivalência do racismo no Brasil. Concluo que a tensão sobre a popularização do futebol em São Paulo refletia o tipo de discriminação que se desenvolveu no Brasil, o “racismo à brasileira”. Ao denunciar que os pretos eram preteridos de participar de alguns esportes, os escritos da imprensa negra revelam uma posição frontalmente contra o “preconceito à brasileira”. A primeira versão do ritual do “Preto X Branco” foi idealizada justamente para contestar esse preconceito. Se o Brasil opera com a lógica do “diferente, mas junto”, como ensinou DaMatta (1990), o “Preto X Branco”, em cada um dos seus contextos, reproduz essa máxima, além de marcar as diferenças pensadas sobre pretos e brancos na cultura brasileira.
Palavras-chave: preconceito de marca; “racismo à brasileira”; futebol.