11.7

Afonsinho

Equipe Ludopédio 11 de setembro de 2014

Em maio de 2014, realizou-se a mesa “Engajamento, democracia e bom senso”, realizada durante o II Simpósio Internacional de Estudos Sobre Futebol. Expressões, Memórias, Resistências e Rivalidades – organizado pelo Museu do Futebol, pelo Ludens (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas, do Departamento de História da Universidade de São Paulo), pela Biblioteca Mário de Andrade e pela Fundação Getúlio Vargas. Com coordenação do Prof. Dr. José Paulo Florenzano (PUC/SP), a mesa contou com a participação dos ex-jogadores Afonsinho, Reinaldo e Nando. Ao longo do mês de setembro, publicaremos as falas dos palestrantes.

Afonso Celso Garcia Reis, conhecido como Afonsinho, foi um dos jogadores mais importantes do futebol brasileiro. Iniciou a carreira no XV de Jaú. Entre 1965 e 1970 atuou pelo Botafogo, com uma passagem vitoriosa e polêmica. Após divergências com a diretoria do Botafogo, relacionadas à barba e aos cabelos compridos que ostentava e que resultaram no afastamento dos treinos e atividades do clube, Afonsinho reivindicou o passe livre. Foi o primeiro jogador do Brasil a ganhar o direito ao passe livre no Superior Tribunal de Justiça Desportiva em 1971 (vinte e sete anos antes da Lei Pelé). Posteriormente atuou pelo Santos, Flamengo, Vasco da Gama, América-MG, Madureira e encerrou sua carreira no Fluminense em 1981. Formado em medicina pela UERJ, trabalhou como psiquiatra por trinta anos, ao mesmo tempo em que mantém uma forte atividade política dentro e fora do futebol. Atualmente é colunista na revista Carta Capital. 

Boa leitura! 

 

Em 1974, foi lançado o documentário “Passe Livre”, retratando a história de Afonsinho. Foto: Max Rocha.

 

Afonsinho:

A necessidade de mudança da sociedade brasileira é e era tão grande que o próprio golpe militar vai fazer outros projetos que acabam reconhecendo a necessidade de mudanças imperiosas na sociedade brasileira. Isso em vários setores, só para em,endar ali com a questão do Mobral. Então, o próprio nome, querer chamar, dar a um golpe o nome de revolução é um reconhecimento dessa necessidade inadiável das mudanças da sociedade. Por que vai promover uma revolução se não quer que mude nada? Uma situação extrema, absurda. Bom, vou ser breve em me apresentar, vou falar alguma coisa da minha trajetória para restar mais tempo no interesse das pessoas e que possa despertar maior interesse de um ou de outro e aproveitar melhor o tempo.

Eu fui me profissionalizar exatamente nesta época do Golpe Militar. Eu nasci aqui em São Paulo, mas nunca morei. A família da minha mãe era daqui; os dois primeiros filhos ela teve aqui, mas eu fui criada a infância em Marília, meu pai era ferroviário, telegrafista da estrada de ferro e meu avô era maquinista, imigrante português. Meu pai era telegrafista, minha mãe professora primária, por isso ela foi daqui para o interior e… Então, eu sei que na minha trajetória, nos acontecimentos da minha vida foi muito importante a minha vivência de infância, ali entre os ferrroviários. Era um período de mudança. A Estrada de Ferro… eram estrangeiros e então eu garoto, muito novo, via aquela movimentação, meu pai era da cooperativa dos ferroviários e começaram a acontecer algumas greves que os dirigentes, os funcionários pouca coisa mais especializados eram estrangeiros, mister não sei o que e as greves depois ainda acabaram dando na… As estradas de ferro passaram, foram embora os estrangeiros e passaram ao Estado, foram encampadas. E algumas figuras foram importantes na minha formação, aquilo foi muito importante. Em seguida, meu pai tambném era uma pessoa muito inteligente e se dedicou, daí para frente, o resto da vida ao campo educacional; se tornou professor primário, depois diretor de escola primária e por isso a mudança de Marília para Jaú. Pois ele quis fazer o curso de administração de escola e só tinha aqui na Capital e lá em Jaú. Como um homem do interior ele não quis vir aqui para a capital, foi para Jaú, e essa foi a nossa mudança.

Afonsinho foi o primeiro jogador a conquistar o direito ao passe livre na justiça, em 1971 Foto: Max Rocha.

Então eu comecei a jogar profissionalmente, embora sem contrato lá no XV de Jaú, até sair com 17 anos pro juvenil, como o Nando falou. O que hoje chamamos de juniores, chamava juvenil naquela época. A legislação também permitia que os clubes profissionais utilizassem até quatro amadores, que eles estivessem escritos. Quer dizer, a equipe profissional podia recorrer aos amadores. Acho que isso hoje não existe mais. Mas nessa condição eu comecei a jogar lá no XV de Jaú e vim embora para o Rio. Estou dizendo isso a raiz desta história do passe ela já vem daí, do interesse pela causa social e o inconformismo com esse tipo de relação. Eu já lá mesmo na minha própria saída do XV de Jaú (pro Botafogo – voz ao fundo), eu joguei os dois primeiros anos na equipe profissional do Botafogo sem a condição de profissional porque havia um recurso, um artifício que era o chamado contrato de gaveta. Então você escrevia o jogador no seu clube e aquilo já era um vínculo. Havia ainda a figura de um estágio. Você para ter que ficar um ano de estágio para você se desvincular. Quer dizer, já era um “passe”. Nessa condição eu saí do XV de Jaú pro Botafogo sem assinar esse contrato de gaveta. Então a semente já estava ali no núcleo familiar. Essa idéia de “passe”, de você ter um vínculo definitivo com o empregador, embora não seja claramente estabelecida este tipo de relação. Mas chegou um momento que eu tinha que me profissionalizar. Não podia mais, pois na prática era profissional, mas oficialmente não. E também foi na época quando saí de Jaú para ir pro Botafogo já tinha 17 anos e ia ter que fazer o vestibular, o terceiro ano, aquela coisa naquele momento. Então já fui também com essa seria em 1965. Tinha havido o golpe em 64, no auge daquilo. Então já com esse tipo de preocupação. E uma vida universitária, dentro daquilo tudo eu naturalmente fui reagindo à medida que vai se instalando o Regime, que ele vai se aprofundando, e vai entrando em todas as instâncias da vida da sociedade. Aquilo foi em todos os campos, não só na escola, como dentro do próprio futebol, foram avançando e avançando. E isso ia chocando, até com a própria formação. A gente foi formalizando as melhores gerações. Pra mim os meus “santos” são os jogadores de 58. Eu tenho mesmo uma admiração, são os meus “santos” que me movem, minha fantasia. É isso aí. E as medidas iam chocando muito. Então os atritos foram se tornando mais assíduos e essa relação foi se deteriorando e eu acabei em um determinado momento… também padrinho estava indo para o quarto ano e eu fui junto, coisa pensada, não uma reação explosiva de momento. A coisa foi se aprofundando, ficando muito difícil. Eu morava na Rua General Severiano, em frente ao campo do Botafogo e para atravessar a rua e ir lá era um martírio. Cheguei em uma condição de pressão que eu já não suportava mais e a coisa que eu mais gosto é jogar futebol, é a coisa principal da minha vida, mas se não dá certo, não vai, eu tenho que ir por outro caminho. E depois de muito pensar resolvi abandonar e a frequentar hospital, práticas e tal. Então falei “vou por outro caminho, não deu certo”. Me preparei e havia esse “passe”. Iria começar um campeonato e o Olária, lá do Rio de Janeiro pediu autorização da direção para me fazer uma proposta para jogar o campeonato. Eu tive uma reunião, lá na Praça XV, no Algamarra, aquele restaurante. Então els queriam fazer uma proposta para eu jogar por empréstimo. Foi consultado o Botafogo. E eu agradeci, disse que era uma coisa que estava firme, que eu não pretendia mais jogar, não dava mais, não suportava. E eu só voltei a jogar realmente… e a intenção era de castigar. Depois, quando a coisa correu bem no Olaria, eu retomei o gosto, aí a intimidade, o relacionamento mais próximo. Ah, os caras naquela ocasião disseram “é bom que ele vá mesmo para o Olaria para ser enterrado de pé”. Até falaram o ditado errado. A expressão é ser enterrado vivo. Ser enterrado de pé. Pra aprender e tal. Foi aí que eu retomei o gosto. O Olaria fez uma campanha muito boa, nas condições piores possíveis, que o campo estava em obra, ía treinar na refinaria Duque de Caxias, lá perto, lá em Caxias. O campo em obra, vestiário, tudo enlameado. Verão, começo. Tinha que atravessar a Avenida Brasil, uma hora da tarde, sem comer, morava em Botafogo. Eu fazia aquilo com maior prazer, com a maior alegria, retomei aquele gosto. E aí quando eu voltei para querer resolver tinha que ir para algum lugar, ser vendido, emprestado, dado, alguma coisa. Tinha que resolver aquilo. Eu fui então emprestado lá para o Olaria e eles não aceitaram a minha volta, porque quando eu retornei do Olaria eu tava começando uma barba, um cabelo, tem até uma foto lá; e associava aquilo à imagem de subversão, e teve um papo assim… Chegou na hora de resolver, também tem foto lá de um diretor, o treinador e eu: “Você não está vendo que os caras estão treinando aí, e você é diferente de todo mundo”. Eu tinha me apresentado administrativamente à direção e eles disseram “lugar de jogador é no campo, chega amanhã 3 horas da tarde, você vem aí e tal”. Foi quando eu fui e aconteceu isso. À semelhança que acontecia também com os estudantes. eles diziam que estudante tinha que estudar, não tinha que ter participação política, interesse em nada. Aquela forma de pensar. Então eu disse “eu estou aqui, forçado. Quero resolver esta situação”. Aí fiquei afastado. Nesse primeiro momento eles impediram a rouparia de me dar material e aí ficou aquele impasse e eu acabei prosseguindo, e tendo que ir à Justiça do Trabalho pelo “passe” e em linhas gerais foi isso que aconteceu.

O Botafogo impediu Afonsinho de treinar enquanto não retirasse a barba e os cabelos compridos. Foto: Max Rocha.

José Paulo Florenzano:

Por conta então dessa história de enfrentamento dele no Botafogo com o diretor Xisto Toniato, com o Zagallo. Esse trecho do documento confidencial dos órgãos de repressão diz que o jogador Afonsinho “ia se constituindo num dos possíveis líderes do movimento subversivo junto aos seus colegas de profissão”. Você era um agente subversivo, Afonso.

Afonsinho:

O engraçado é que eu, quando começaram a liberar esses arquivos (não é possível entender). Aí um amigo disse “vamos lá, vamos pegar”. Chegou lá tinha um relatório, umas coisas simples. Acompanhar, principalmente as universidades. Eram muito vigiadas. Aquela coisa lógica, né? Depois eu fui a um programa da ESPN, aí eles me deram lá um outro relatório que tinha mais alguma coisa. Umas coisas que tinham a ver e tal e umas coisas fantasiosas, meio esquisitas, dizendo que eu tinha, na excursão do Olaria, que eu tinha ido à Coreia do Norte (risos). Então a excursão tinha a Coreia do Sul, Indonésia, Tailândia, Hong Kong e depois agora com o jornalista do Estado, que me ligou e “tem aqui uma coisa”. Aí ele me mandou e tinha mais um não sei o que, disseram que vai no jogo um órgão da Marinha, outro do exército. Um dizia uma coisa, outro dizia outra. E algumas coisas até internas, isso me chamou atenção, o episódio de reivindicação interno, que tinha sido feito na viagem, não era nem Irã, era Pérsia ainda. Então, uma reivindicação… A coisa estava lá relatada. Estranho.

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