Depoimento de Armando Giesta (1928-2011), torcedor-símbolo do Fluminense, ex-presidente da Young-Flu e fundador da ASTORJ (Associação de Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro), em 1981.


– Entrevista concedida a Bernardo Borges Buarque de Hollanda
– Gravada em áudio no dia 2 de março de 2005
– Local: Biblioteca do Fluminense Football Club.
– Transcrição: Bernardo Buarque de Hollanda

– Edição: Pedro Zanquetta Junior.

 

 

Armando Giesta, torcedor símbolo do Fluminense. Foto: Bernardo Belfort (Reprodução Youtube)

 

 

Quarta parte 

 

Ao longo de todas essas décadas em que você acompanha o Fluminense, quais partidas mais marcaram sua vida?

As mais importantes foram três, todas contra o Flamengo. Primeiramente, o “Fla-Flu da Lagoa”, em 1941, no Estádio da Gávea. Foi um duelo realmente dramático. No primeiro tempo, abrimos 2 a 0 no placar, contudo, na etapa seguinte, sofremos o empate. Nos últimos seis minutos, os rubro-negros estavam avassaladores e parecia que iriam marcar a qualquer momento. Então, um de nossos zagueiros, o Renganeschi (Armando Federico Renganeschi, defensor argentino que atuou pelo tricolor carioca entre 1941 e 1944) chutou a bola lá na Lagoa Rodrigo de Freitas. [Risos] Como só havia uma, os flamenguistas custaram para trazê-la de volta ao campo. Quando conseguiram, o Pedro Amorim (ponta-direita do Fluminense de 1939 a 1947) deu um bico e a mandou de volta para lá. [Risos] Os nossos jogadores fizeram isso seis vezes! Nas três últimas, nós descemos a arquibancada e atiramos pedras em quem buscava a bola para atrasá-los ao máximo. Tivemos êxito e o jogo acabou 2 a 2 com o tricolor campeão.

A segunda partida marcante foi o clássico de 1963, que registrou um dos maiores públicos da história do Maracanã (naquela ocasião, mais de cento e setenta e sete mil expectadores acompanharam o jogo). O empate em 0 a 0 persistia até o final do jogo, quando o Escurinho (Benedito Custódio Ferreira, ponta-esquerda do tricolor entre 1954 e 1964) recebeu a bola sem marcação. Ele a levantou e encobriu o goleiro. Todo mundo gritou gol, mas quando percebemos o arqueiro estava com ela nas mãos. Embora batido no lance, ele fechou os olhos, se dobrou para trás e defendeu. Por muito pouco não vencemos…

A terceira foi o derby de 1969, em que ganhamos por 3 a 2. Um confronto inesquecível, no qual saímos à frente no placar e sofremos o empate duas vezes!

Você assistiu a alguma partida da Copa do Mundo de 1950?

Sim. Naquele mundial, realizei algumas aventuras para conseguir entrar no estádio. [Risos] Na partida entre Brasil e Espanha no Maracanã, a multidão jogou abaixo aquele muro grosso que fica ao lado da estátua do Bellini. A força contra ele foi tão grande que cedeu, e muita gente entrou por ali. Afora isso, da arquibancada era possível ver uma grande quantidade de torcedores passando por cima das roletas. A polícia nada podia fazer e ficou apenas olhando. Na final, contra o Uruguai, cortei um papel verde da cor do ingresso e o segurei até alcançar a catraca. Uma vez lá, não havia mais como voltar sem ser esmagado e, assim, entrei.

Que idade você tinha nessa ocasião? Não era perigoso fazer isso?

Eu estava com 22 anos. Não tínhamos medo, pois essa era uma prática que acontecia desde a década de 1940 no campo do Vasco. Naquela época, as ruas no entorno de São Januário ficavam lotadas de pessoas com ou sem ingresso. Quando abriam os portões, toda a multidão era empurrada… [Risos] Com isso, muita gente conseguia invadir sem bilhete. Eu não costumava comprar ingresso, mas entrava de qualquer maneira. O estádio ficava abarrotado. Nas fotografias antigas do Jornal dos Sports é possível observar o que acontecia. A arquibancada ficava tão cheia que algumas pessoas no topo desmaiavam por causa do calor e caíam lá embaixo, na pista. Ao longo dos noventa minutos era impossível se deslocar. Ninguém conseguia sequer ir ao banheiro. Era um inferno!

Você presenciou a invasão corintiana ao Maracanã, em 1976?

Sim, porém o que ocorreu não foi uma invasão de corintianos. Naquele momento, o Francisco Horta confiou demais em si mesmo e desafiou os paulistas de modo geral a virem ao Rio de Janeiro. Destinou, inclusive, metade dos ingressos para eles. Em resposta, houve uma mobilização enorme em São Paulo. Os comerciantes, industriais e o governo de lá forneceram transporte gratuito para qualquer um que desejasse assistir a partida. Algumas empresas forneceram caminhões-baú também e muitos vieram trazendo bandeiras e outros materiais. Diante disso, nos articulamos para dificultar a vida deles aqui e, inicialmente, quebramos os primeiros coletivos que chegaram. [Risos] O Horta solicitou, então, proteção para os visitantes e a Polícia Militar nos reprimiu com violência. Eles trouxeram mais de quinhentos ônibus e cercaram o estádio. Nós não conseguíamos passar. Sabíamos que eles iriam à praia tomar banho de mar e os perseguimos lá. Passamos o dia todo atrás deles dando paulada e arremessando sacos de areia… [Risos]

Havia rivais cariocas em meio a essa massa paulista?

Existia, mas eram poucos. A maioria absoluta era mesmo de São Paulo.

A aliança entre Flamengo e Corinthians já estava estabelecida?

Não, ela se firmou apenas no início da década de 1980. Em 1984, quando fomos campeões brasileiros, os rubro-negros já estavam ao lado deles e isso gerou conflitos. Jogando em São Paulo, superamos o Corinthians por 2 a 0. No domingo seguinte, eles vieram para cá somente em quinze ônibus, entretanto, a torcida do Flamengo os ajudou. Em virtude disso, aconteceu uma briga enorme na arquibancada. Eles nunca apanharam tanto como naquele dia!

Quando você deixou a Young-Flu?

Eu a larguei no final da década de 1980 porque começou a faltar dinheiro e eu nunca aceitei o “de graça” oferecido pelo clube. Sempre considerei que tínhamos que custear nossos próprios gastos. Era uma época em que todos estavam mal financeiramente, então, abandonei.

Quantos sócios a torcida tinha naquela época?

Antes do Fluminense desmontar a equipe de 1986, chegamos a alcançar quatorze mil associados que contribuíam religiosamente com uma taxa mensal. Nós possuíamos uma Kombi e alguns ônibus muito bons. Além disso, confeccionávamos cerca de vinte bandeiras todo mês. Naquele tempo, nunca viajamos ou entramos no estádio com verbas ou cortesias fornecidas pelo clube. Todos tinham dinheiro e sempre pagávamos tudo.

Em que momento começou a faltar recursos?

Até o governo do José Sarney, as pessoas ainda tinham dinheiro. Em 1989, começou o declínio financeiro e, a partir do mandato do Fernando Henrique Cardozo, o povo ficou miserável. A entrada do Real foi um fracasso geral.

Apesar de se afastar da Young-Flu, você continua frequentando as partidas do Fluminense com a mesma assiduidade, não é?

Eu sou fiel. Na minha opinião, um homem não deve parar nunca. Se ele pode estar lá, deve ir. Na vida, é preciso fazer o que se gosta e jamais se acomodar. Afora isso, eu tenho uma geração a quem prestar contas. Todos os garotos da arquibancada são meus amigos. Eu sempre estou presente e pronto para ajudá-los se houver necessidade.

Com a sua experiência, você sabe orientar, não é?

Exato. Às vezes, sinto que não sou tão requisitado. Eu poderia acrescentar mais, porém, como não me procuram, fico na minha. Criei muitas coisas e seria capaz de dar contribuições valiosas. Eu participei do movimento na Câmara dos Vereadores na ocasião da construção do Maracanã, reuni diferentes torcidas organizadas sob uma mesma associação e, dentre outros feitos, dei um exemplo a todos como torcedor. Poderia me afastar agora, todavia devo ficar até o meu último dia. Estou com 77 anos e acompanho o Fluminense desde os 6. A identificação com o time é muito grande e estarei lá até quando tiver forças…

 

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).
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